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17 de Junho de 2024
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    Acesso à Justiça para pessoas com deficiência

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 12 anos

    Dentre as inúmeras abordagens sobre acessibilidade consolidadas pelo caráter analítico-exploratório do Artigo 9, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, perpassa a ideia fundamental do Acesso à Justiça sem o que as demais variáveis da acessibilidade podem sofrer comprometimento, depreciação ou simples descaso preconceituoso que suscita as diversas formas de discriminação que a Norma Convencional intenta combater e erradicar. [2]

    Aliás, o preconceito uma forma de barreira atitudinal é talvez a mais persistente hipótese de agravo aos direitos da maior minoria do Planeta, conforme uma locução genial do Dr. Javier, ao início deste Evento. O preconceito, por isso mesmo, também se insinua sobre as estruturas e rotinas do Poder Judiciário Latino-americano. Os modelos que dispomos para fazer Justiça aos casos concretos que vão do modelo empírico-primitivo, passando pelo modelo tecnoburocrático na direção de um modelo democrático contemporâneo [3] sofrem os revezes do próprio Sistema Político no qual são gestados e os resultados desse cenário podem servir de base, e frequentemente servem, a construções alopoiéticas (no sentido da moderna filosofia jurídica alemã), quase sempre descoladas de sua razão de ser, ou seja: a Justiça!

    Tais problemas, vistos aqui em gênero, se afirmam e evoluem solenemente em face de sociedades ainda incipientes, cujos contingentes humanos são desprovidos da plena cidadania e as pessoas se flagram numa insuperável incapacidade de avançar no processo de reivindicação social, um paradigma da contemporaneidade.

    A RIADIS, em sua notável perspectiva funcional, vem ao encontro desses objetivos emancipatórios, sobretudo porque, em síntese, atua para fortalecer a participação das PcD nas diversas organizações da sociedade que lidam com Direitos Humanos e nos setores de Governo da região das Américas.

    Esforcemo-nos todos por reconhecer o preconceito como uma realidade interna e externa, qualquer que seja, provenha de onde ou de quem provier, até de nós mesmos, e às demais barreiras de atitude, para proscrevê-los de nossos cenários sociais (idem, quanto às práticas/barreiras de atitude que dele emanam). Pois, onde houver barreiras de atitude há discriminação e preconceito. E onde houver discriminação, traiçoeira da convivência social mesmo em nossos próprios territórios, há injustiça social. É muito lamentável admitir que esse sentimento ainda se encontre presente nos corações e mentes de muita gente, com ou sem deficiência, sobretudo em países de economia periférica em que há um predomínio das grandes desigualdades sociais, além de desinformação sistemática e de corrupção endêmica em maior ou menor grau de verificação e intensidade.

    Desse modo, toda barreira atitudinal faz mal e acarreta dissabores os quais, mais cedo do que tarde, assim individual quanto coletivamente, acabam reverberando contra quem discrimina ou é preconceituoso, no sentido de Ortega-Y-Gasset para quem todo egoísmo é labiríntico! [4]

    O Acesso à Justiça, realmente, é instrumento de garantir sua eliminação: dos preconceitos e de toda forma de embarreiramento ao livre e pleno exercício da cidadania das PcD, em particular. Por isso, perpassa o reconhecimento e a execução de todos os demais direitos relacionados.

    Muitas barreiras atitudinais, uma só diretiva

    Das barreiras atitudinais podem-se alinhavar muitas formas, não importa se expressas ou veladas, estas últimas conforme mais comumente acontece nas sociedades abertas. Essa evidência universal, atualmente, corrobora uma outra observação, em nosso caso participativa e também evidente, baseada no comodismo ou na intolerância, de que por interferência das diversas formas de discriminação (máxime os preconceitos) a sociedade acaba aceitando, por omissão, a exclusão das pessoas com deficiência dos benefícios dessa mesma sociedade. E abrem mão do direito de demandar, em face de barreiras burocráticas que se interpôe idiopaticamente à sua frente. Para muitos, é menos vexatório deixar de exercer os próprios direitos do que serem submetidos a mais discriminação, agora por parte do próprio Estado ou daqueles atores que mais detêm a responsabilidade de os garantir pela razão do próprio ofício. Esse quadro se verifica presente não apenas nas repartições do Poder Judiciário, mas também nos diversos setores do Poder Executivo sobretudo onde não haja sido constituído servico próprio da área da inclusão , na atividade policial, nos ambientes penitenciários e no servico fiscal.

    Com efeito, não há equilíbrio entre os contendores, que é o suporte de validade empírica para toda litigiosidade tida como civilizada, quando uma das partes seja economicamente desassistida, ou quando as suas demandas não possam ser sustentadas mediante outras formas instrumentais constituídas pelo Estado, a exemplo de núcleos de Defensoria Pública realmente eficazes e aparelhadas, gratuidade de encargos e custos processuais e facilidades para aquisição de toda sorte de tecnologia assistiva sem a qual alguém com alguma deficiência não apresente condicôes materiais de litigar de igual para igual, e postular desse modo os seus direitos. [5]

    Do ponto de vista jurídico, parece elementar que a condição pessoal de cada um não deve afetar o circuito de seus direitos subjetivos e nem mesmo restringir-lhe o acesso a eles, à sua efetividade. Assim, não basta reconhecer os direitos. É fundamental que se operem as condicôes sem as quais esses direitos não serão ordinariamente alcancados pelos seus titulares. Importante considerar que a igualdade jurídica, hoje, não importa em uma mera abstração, ou em uma simples ficção legal, mas se traduz em um exercício de comprometimento com a Justiça para todos, sob o império da Lei (Equal Justice, under Law). Igualdade formal sem igualdade real é, pois, desigualdade e isto já não pode ser admitido concretamente nas sociedades contempâneas, regidas pelo império constitucionalizado dos Direitos Humanos.

    As grandes barreiras atitudinais

    Corrupção e ignorância são, seguramente, as maiores barreiras de atitude que as pessoas com deficiência tem de enfrentar em nossa quadra, sobretudo nas sociedades de economia periférica, caso da América Latina. E é exatamente o que nós, pessoas com deficiência, vamos fazer de um modo persistente e crescente até que a ideia do desenho universal (Artigo 2, parte final, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência) deixe de ser uma utopia entre nós. [6]

    Com efeito, a maior arma do opressor é a mente do oprimido, teria afirmado o revolucionário sul-africano Steve Biko, nos anos 60, ainda quando da luta contra o apartheid, afinal superado. [7]

    A propósito, no Brasil vivenciamos, no passado, um abolicionismo tardio. Fomos talvez a última Nação do Planeta a abolir a escravidâo. Queremos viver, agora, um segundo abolicionismo tardio que consiste, justamente, na emancipação política, social, moral e econômica das pessoas com deficiência. Isto representa igualdade para todos, conforme o modelo do desenho universal e o conceito contemporâneo de maior parte política que não exclui ninguém e, portanto, abandona de certo modo a retrógrada percepção liberal de que a maioria é a metade mais um e não o todo de um conjunto identificado por uma só natureza, para aceitar que essa maior parte é o todo das pessoas, todo que deve ser contemplado em todas as ações políticas e sociais, sobretudo na Administração da Justiça.

    Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência no Brasil

    Assinada em 2006, foi internalizada no Brasil pelo Decreto-Legislativo 186/2008, na forma do artigo , parágrafo 3º, da Constituição Federal, hipótese que a configura como norma constitucional equivalente a uma emenda constitucional. Após sua entrada em vigor pela forma suprema antes descrita, eis que no ano seguinte, o Presidente Lula assinou o Decreto 6949/2009, promulgando-a, pelo que se estabeleceu o início de sua eficácia plena no território nacional. Tornou-se exigível tecnicamente no plano interno. Tragicamente, no entanto, o Poder Judiciário brasileiro não se aparelhou para recepcionar a supremacia da Norma Convencional em foco e os processos continuam a ser tocados como se nenhuma transformação de fundo tivesse ocorrido. Trata-se de uma situação, convenhamos, desproposital que conspira contra a própria Constituição da República.

    Conforme a norma convencional suscite o início da era dos direitos das pessoas com deficiência em âmbito mundial, o Decreto de promulgação antes aludido traduz a era dos direitos das pessoas com deficiência no Brasil, que ainda está por acontecer, em face das circunstâncias antes aludidas.

    Há de se reconhecer, no entanto, o caráter histórico, emancipatório e de Justiça desse empenho de Governo. Ninguém há de tirar-lhe esse mérito do qual todos aqueles que sofremos discriminação em razão de deficiência reconhecemos. Todavia, a garantia de Acesso à Justiça por parte das PcD vai muito além de um simples reconhecimento público sobre a validade jurídica de determinada disciplina legal.

    Conforme acentuado, há uma distância entre o que está posto normativamente e o mundo real, o plano dos acontecimentos em que os direitos deveriam estar sendo plenamente gerenciados também positivamente.

    O fato incontestável é que a norma convencional, incorporada constitucionalmente em toda sua extensão e sem ressalvas, inclusive no que se refere ao seu Protocolo Facultativo, é autoaplicável, naquilo que comportar, traduz cláusula pétrea, por se tratar de matéria que envolve a Doutrina dos Direitos Humanos e foi aprovada com quorum qualificado por ambas as Casas Legislativas Senado Federal e Câmara dos Deputados , e é também insuscetível de revisão constitucional (derivada). Deveria ser comumente aplicada pelos Juízes e Tribunais sem titubeios, reticências ou desconhecimentos de causa, tudo isso que revela mais discriminação, qualificada e agravada pelos seus atributos funcionais específicos.

    Sobre o Protocolo Facultativo, também incorporado na Constituição Federal brasileira, entende-se que por sua subscrição o país reconhece a competência do Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência para receber e considerar comunicações submetidas por pessoas ou grupos de pessoas, ou em nome delas, sujeitos à sua jurisdição, alegando serem vítimas de violação das disposições da Convenção por um Estado-parte (Artigo 1, do Protocolo Facultativo). Isto significa, na prática, que as matérias concernentes à solução de controvérsias que versem à fiel aplicação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência podem ser discutidas ou rediscutidas para além da Ordem Jurídica interna. O Supremo Tribunal Federal, nesses casos, não detém, portanto, a última palavra.

    Pela norma convencional, a alteridade passou a fundamentar mais ostensivamente as ações do poder público e também as relações do setor privado de uma sociedade aberta. Isso explica o interesse social crescente pelos negócios de Estado e pela construção social como um todo, aclara o despertar das dormitâncias da cidadania em países ainda submetidos às desigualdades sociais mais agudas e sinalizam para um futuro de mais prosperidade para todos.

    Todavia, ainda estamos nos construindo a partir das bases. Tudo ainda parece muito incipiente, distante de concretização sistemática. Os casos isolados bem sucedidos acabam sendo tomados como excepcionalidades, frequentemente exitosos em face da sensibilidade pessoal de alguns ou da pressão social e servem, por isso mesmo, como confirmação da regra geral omissiva da qual se reporta neste texto. [8]

    A distância entre a forma e a concretude

    Temos lei, certamente, mas no Brasil ainda se vive como se a lei não existisse, ou como se ela apenas funcionasse para poucos. O Estado, por meio do Poder Executivo, não parece suficientemente aparelhado para garantir a todos o recurso ao pleno exercício de seus direitos...

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