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5 de Maio de 2024
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    Acórdão com texto coloquial propõe a simplificação da linguagem no meio jurídico

    Publicado por Espaço Vital
    há 9 anos

    Abaixo o juridiquês! Chega de expressões latinas!...

    Foi talvez pensando assim que um magistrado da Justiça do Trabalho gaúcha, escreveu em um acórdão:

    "Não é qualquer dorzinha que dá direito a uma compensação em dinheiro, mas a que o reclamante teve e tem, certamente, é de indenizar. Caiu, ficou desacordado, foi para o hospital, sofreu procedimentos, medo das sequelas e a dor que até agora sente em alguns movimentos do corpo, além de ficar sem poder trabalhar no seu ofício".

    Trechos como este integram julgado da 4ª Turma do TRT da 4ª Região (RS). O texto é de relatoria do juiz convocado João Batista de Matos Danda, em uma ação de um pedreiro que pleiteava vínculo de emprego e indenização por danos morais após sofrer acidente em uma obra particular. O trabalhador não conseguiu a declaração de vínculo; mas a indenização e uma pensão mensal, sim.

    O texto, construído de forma coloquial e com termos jurídicos expostos em linguagem mais corriqueira, foi elaborado - segundo o relator - com o objetivo de despertar a atenção para o chamado "juridiquês", ou seja, jargões utilizados no meio jurídico e que nem sempre são bem compreendidos pela população em geral.

    "Foi apenas uma forma de refletir sobre a possibilidade de simplificarmos alguns termos técnicos. Na verdade, escrever assim, de forma tão simples, é até mais difícil" , observou o magistrado. "Mas é possível simplificarmos um pouco a linguagem, talvez não no nível deste acórdão, e acho que deveríamos seguir por esta direção", avaliou.

    Ao fundamentar o não provimento do recurso no tópico vínculo de emprego, o relator traz o seguinte trecho:

    "Para mim está claro que reclamado é dono de um comércio e fez a sua casa, no andar de cima, sem contratar construtora, empreitando vários serviços conforme precisava e o dinheiro permitia. O reclamante trabalhou lá, por alguns meses, mas acertavam preço pelos serviços, com pagamentos por semana. Não prometeram assinar a carteira e, pela forma como foi feito o trabalho, nem deveriam".

    Em outro trecho do acórdão, em que explicam os critérios adotados para fixação do valor da indenização por danos morais, o juiz escreve:

    "Não pode ser uma indenização tão pesada que vire um inferno para o reclamado pagar; nem muito pouco, porque aí ele paga sem problemas e não se importa se amanhã ou depois outro acidente acontece em sua casa. O reclamante, por sua vez, não pode pretender ficar rico com a tragédia; mas também o dinheiro tem que fazer alguma diferença na sua vida".

    Conforme o juiz Danda, o uso coloquial, neste caso, foi excessivo justamente para realçar a possibilidade de simplificação de ´brocardos´ muitas vezes só compreendidos por advogados, juízes e demais operadores do Direito.

    O magistrado arremata acreditando que “substituir expressões em latim ou escrevermos termos técnicos de forma mais clara é possível". (Com informações do TRT-4 e da redação do Espaço Vital).

    Leia a íntegra do acórdão

    Acórdao do processo 0000869-29.2013.5.04.0241 (RO)

    Data: 23/04/2015

    Origem: Vara do Trabalho de Alvorada

    Órgão julgador: 4a. Turma

    Redator: João Batista De Matos Danda

    Participam: George Achutti, André Reverbel Fernandes

    PROCESSO: 0000869-29.2013.5.04.0241 RO

    EMENTA

    VINCULO DE EMPREGO. SERVIÇO EM OBRA RESIDENCIAL.

    Caso em que não restou comprovado que o autor foi empregado do reclamado, mas que prestou serviços por empreitada. Não são devidos os direitos próprios do trabalhador empregado. Sentença mantida no item.

    ACÓRDÃO

    Por unanimidade, DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE para condenar o reclamado ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 7.000,00; bem como pensão mensal vitalícia de R$ 281,25 por mês. As parcelas vencidas serão calculadas em liquidação de sentença, com juros e correção monetária na forma da lei, observada, como data inicial do pensionamento, 20/08/2012; incidindo correção anual sobre as vincendas. Determino a constituição de capital, na forma do art. 475-Q do Código de Processo Civil. Honorários periciais, por reversão, pelo reclamado, que pagará custas processuais de R$ 600,00, sobre o valor provisório da condenação de R$ 30.000,00.

    RELATÓRIO

    O Juiz do Trabalho de Alvorada entendeu que o Sr Lucas tinha prestado trabalho por conta própria, em regime de empreitada, e que não foi empregado do Sr. Itamar. Negou todos os direitos que reclamava.

    O pedreiro Lucas não se conforma e recorre.

    E o reclamado, Sr. Itamar, com direito a se defender, diz que a sentença do Juiz está certa e quer que seja confirmada.

    O processo veio de Alvorada para Porto Alegre e me toca dizer quem está com a razão, depois de olhar novamente todas as provas.

    VOTO RELATOR

    JUIZ CONVOCADO JOÃO BATISTA DE MATOS DANDA:

    CONHECIMENTO.

    O recurso entrou no prazo da lei (fls. 100 e 101) e o Sr. Lucas tem advogado que o representa (fls. 09 e 35). Como é pessoa pobre, o Juiz dispensou de pagar as custas.

    Tudo regular, conheço do recurso.

    VÍNCULO DE EMPREGO

    O Sr. Lucas Alberto Rodrigues de Oliveira reclamou do Sr. Itamar Carboni vários direitos que a lei garante para quem é empregado. Disse que foi contratado como carpinteiro e pedreiro e que começava o serviço às 8h da manhã e ia até 8h da noite, de segunda a sábado e, às vezes, até em domingos e feriados. Disse que o patrão pagava, nos primeiros 4 meses, R$ 500,00 por semana e, depois, uns R$ 800,00 por semana. Trabalhou assim desde outubro de 2011 até agosto de 2012 quando se acidentou. Reclamou que não foi assinada a sua carteira de trabalho.

    O Sr. Itamar Carboni se defendeu. Contou que é dono de um pequeno negócio de padaria e açougue na vila onde mora, isso há mais de 9 anos, com o que sustenta a família. Juntou um dinheiro para construir a sua casinha, na parte de cima do negócio. Não dava para contratar uma firma; então, comprou material e chamou o seu Lucas para fazer o serviço. Para cada serviço, acertavam preço. Mas três meses depois de iniciada a obra, o pedreiro caiu da sacada, um pouco por falta de sorte, outro pouco por falta de cuidado, porque ele não tinha e não usava equipamento de proteção. Ele, Itamar, ficou com pena e acabou pagando até o serviço que o operário ainda não tinha terminado.

    O Juiz de Alvorada ouviu os dois numa audiência e mais três testemunhas. Tem no processo fotos, documentos e perícia também. Depois de examinar tudo, deu razão ao dono da obra.

    Para julgar de novo, vou ler as declarações de todos mais uma vez e olhar os documentos. Pode ser que me convença do contrário. Mas pode ser que não.

    Vamos ver.

    Nas fls. 75-76, está o contrato de empreitada que Lucas e Itamar firmaram. Tem assinatura dos dois. Pelo valor de três parcelas de R$ 1.800,00, o pedreiro tinha que fazer o" REVESTIMENTO DE PISOS E AZULEJOS ". É claro que isso foi em julho, agosto e setembro de 2012 e ninguém discute que Lucas trabalhava na obra da casa do seu Itamar antes disso.

    Mesmo nesse período anterior, revendo as provas, estou convencido, como o Juiz de Alvorada, que foi contrato de empreitada. Primeiro, porque o próprio Lucas, quando o Juiz lhe perguntou na primeira audiência sobre o assunto (fl.34), disse que a obra era na residência particular do seu Itamar, que combinaram um pagamento semanal pelos serviços feitos, que esse valor aumentou depois de algumas semanas e que ficou" ajustado também que quando a obra passasse à fase de alvenaria mais pesada seria feito um contrato de empreitada. "Lucas combinou o preço do trabalho, com autonomia, e como é pessoa jovem e lúcida, presumo que sabia dos seus direitos, que são diferentes de quem tem a carteira de trabalho assinada.

    Além do mais, as testemunhas não provaram, nem que Itamar tivesse outras obras, nem que mandasse Lucas fazer trabalhos em outros locais, muito menos que além de açougueiro, tivesse firma no ramo da construção civil.

    A testemunha José pouco ajudou a esclarecer as coisas. Disse que em uma época, quando estava desempregado, Lucas convidou para trabalhar com ele em uma obra lá em Cachoeirinha. Mas não conhece Itamar, nem as pessoas que trabalharam na casa de Itamar no curso da construção da casa, como Luís, Orides, Teobaldo ou o" Índio ".

    A testemunha Lourimar era ajudante do reclamante na obra de Itamar. Confirmou que lá tem um comércio de alimentos e não soube dizer se o reclamado tem outras obras ou trabalha com construção civil. A única referência sobre isso veio por comentário do próprio Lucas, que comentou sobre a possibilidade de trabalharem juntos em outra obra do reclamado.

    Por fim, Teobaldo - a testemunha que Itamar convidou-, disse que trabalhou com Lucas na obra, pouco antes do acidente, ajudando com a cerâmica e em outras tarefas; não sabia a combinação entre eles, mas Lucas comentou que pagavam por tarefa; confirmou que o mercadinho é atendido por Itamar e a esposa e que" ao que saiba "o reclamado não atua no ramo da construção civil. Sobre o trabalho disse que cada um leva seus equipamentos; que não estava lá no dia do acidente, mas que sabe que o reclamante caiu da sacada e que se machucou, porque não estava usando" linha de vida ". Que quem trabalha por empreitada tem ferramentas e outros equipamentos de proteção, mas que uns usam e outros não.

    Esse é o resumo da prova e não tenho como mudar a sentença para mandar assinar um contrato de emprego na carteira profissional de Lucas. Para mim está claro que Itamar é dono de um comércio e fez a sua casa, no andar de cima, sem contratar construtora, empreitando vários serviços conforme precisava e o dinheiro permitia. Lucas trabalhou lá, por alguns meses, mas acertavam preço pelos serviços, com pagamentos por semana. Não prometeram assinar a carteira e, pela forma como foi feito o trabalho, nem deveria.

    Em resumo, se Lucas não foi empregado de seu Itamar, não tem que receber os direitos do empregado.

    Por outro lado, Lucas estava trabalhando na residência de Itamar. E o dono da obra tinha obrigação de cuidar para que o trabalho fosse seguro. Lucas pode ter culpa por não usar a" linha de vida ", como disse a testemunha, mas Itamar tinha obrigação de avisar do risco e de exigir que ele usasse, pois afinal era na sua casa que o trabalho estava sendo feito. Ou bem contratava um profissional para vigiar a obra, ou bem cuidava da segurança de todos os que ali prestavam serviços. E isso não fez.

    No acidente teve culpa o trabalhador, que tinha equipamento e não usou e também o patrão, que deixou que Lucas trabalhasse na construção da sua casa correndo risco de se machucar.

    Pela sua parte de culpa, Lucas já está pagando. Embora jovem, sente muitas dores para se virar e se dobrar. O laudo do médico confirma isso e apresenta os exames que foram feitos em Lucas, explicando que ele tem um deslocamento na coluna e apresenta deformidade em uma das vértebras, porque fraturou quando caiu. Difícil que volte a trabalhar no seu ofício, porque as lesões são permanentes, diz o médico. Lucas está sobrevivendo da pirataria de CDs e DVDs. É um preço caro por teimar em não usar o equipamento, mas poderia ter sido até pior, já que despencou de uma altura de mais ou menos 2m.

    Quanto ao patrão, também teve culpa, como disse antes, porque deixou alguém trabalhando na sua casa sem cuidar da sua segurança. Consta do laudo que o andaime onde estava o trabalhador, na hora do acidente, era de tábuas e escoras e foi feito pelo patrão. Mesmo que assim não fosse, o patrão estava por lá, até porque o seu comércio era no andar de baixo, e via o trabalhador sem capacete, sem cinto, fazendo o serviço na fachada da casa em andaime inseguro ou na sacada, sem proteção, e não fez nada. Pela sua metade de culpa no acidente, o Sr. Itamar vai ter que pagar indenização ao trabalhador.

    Dano moral - Se a pessoa sofre um abalo, uma tristeza, um constrangimento ou uma dor, por culpa de outro, tem direito a receber uma indenização de quem lhe causou isso. Não é qualquer dorzinha que dá direito a uma compensação em dinheiro, mas a que o Lucas teve e tem, certamente, é de indenizar. Caiu, ficou desacordado, foi para o hospital, sofreu procedimentos, medo das sequelas e a dor que até agora sente em alguns movimentos do corpo, além de ficar sem poder trabalhar no seu ofício.

    Essa indenização serve para amenizar um pouco o sofrimento de Lucas, mas também serve para Itamar lembrar que tem obrigação de cuidar da segurança daqueles que trabalham na sua casa, mesmo quando não são empregados.

    A lei não fixa valores para cada caso e o Juiz tem que fazer isso com bom senso.

    Não pode ser uma indenização tão pesada que vire um inferno para seu Itamar pagar; nem muito pouco, porque aí ele paga sem problemas e não se importa se amanhã ou depois outro acidente acontece em sua casa.

    Lucas, por sua vez, não pode pretender ficar rico com a tragédia; mas também o dinheiro tem que fazer alguma diferença na sua vida.

    Pensando nisso tudo, considerando a metade de culpa que cada um tem e das condições financeiras dos dois, além das circunstâncias do acidente, fixo a indenização em R$ 7.000,00 (sete mil reais).

    Dano patrimonial - Esta indenização compensa pela capacidade de trabalho que Lucas perdeu e é certo que ficou com limitações de movimentos para exercer o seu ofício ou outros do tipo.

    Tem uma tabela que ajuda o perito médico a fixar, em números, o tamanho desse prejuízo. Aqui, ele disse que a coluna de Lucas, na altura do peito (tórax) está bem comprometida; e que na altura da cintura, a coluna também tem lesão, mas não é tão grave. Somando tudo, o perito chegou à conclusão que o trabalhador teve uma redução das funções de 31,25%.

    Como o valor que Lucas recebia, por mês, pela empreitada, era de R$ 1.800,00, uma pensão por mês de 31,25% sobre esse valor daria R$ 562,50. Acontece que ele responde só pela metade do prejuízo, já que os dois tiveram culpa no acidente. Assim, a pensão mensal e vitalícia que tem que pagar é de R$ 281,25 por mês.

    A pensão é devida desde o dia do acidente. As parcelas que já venceram vão ser pagas de uma vez só, com juros e correção monetária na forma da lei. As que vão vencer, não sofrem juros, mas a cada ano vão ser reajustadas de acordo com a inflação. E, para garantir que as parcelas sejam pagas até o final, determino que o seu Itamar reserve um capital, como recomenda o art. 475-Q do Código de Processo Civil.

    A lei diz, ainda, que quem perde paga custas e perito. Pelo que está decidido, Lucas passa a receber uma pensão mensal e mais uma indenização por dano moral.

    Por consequência, seu Itamar vai pagar o perito (R$ 1.000,00) e também as custas processuais de R$ 600,00, que incidem sobre o valor provisório da condenação de R$ 30.000,00.


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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/acordao-com-texto-coloquial-propoe-a-simplificacao-da-linguagem-no-meio-juridico/206527342

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