Acusação de fraude em concurso para juízes no RJ envolve até desembargadores
O que acontece quando os responsáveis pela Justiça de um estado são suspeitos de terem fraudado provas e utilizado artimanhas, influência e poder político em benefício próprio? No Rio de Janeiro, não acontece nada. Seis juízes são acusados pelo Ministério Público de terem trapaceado no concurso para o cargo em 2006 e estão sendo julgados no Supremo Tribunal Federal, corte máxima do País.
Apesar de indícios, provas e testemunhas de irregularidades, enquanto a decisão não sai todos continuam julgando e decidindo sobre a vida de outras pessoas e temas de interesse público.
As denúncias em que a ação é baseada são graves e incluem alguns dos desembargadores mais antigos do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Para que filhos, sobrinhos e apadrinhados conseguissem ser aprovados, eles teriam pressionado examinadores e repassado gabaritos. O esquema envolveria sinais com corretivo nas provas que deveriam receber boas notas, o que levou o grupo a ser chamado de Máfia do Liquid Paper, uma referência à marca. Apesar da suspeita, ninguém foi condenado ainda.
O Conselho Nacional de Justiça chegou a considerar a anulação do concurso após denúncia da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Em março de 2007, os conselheiros votaram por manter o resultado alegando que, apesar de fortes indícios de fraude, faltavam provas do esquema.
Eles defenderam que seria injusto anular o concurso se houvesse inocentes entre os 24 juízes aprovados. Optaram por encaminhar as suspeitas para o Ministério Público.
O caso foi parar nas mãos da promotora Patrícia do Couto Villela, que reuniu evidências para pedir que seis juízes sejam exonerados e condenados a devolver os salários que receberam. A investigação está reunida em 38 volumes com mais de 5.700 páginas. A necessidade de fundamentar bem o pedido justifica a demora de mais de 1 ano, segundo a promotora.
Além dos seis juízes, outros podem ser punidos pela fraude, inclusive desembargadores. Patrícia segue trabalhando no caso e pode fazer novos pedidos se conseguir reunir mais provas. Nossa investigação prossegue, diz.
A ação aberta no Supremo Tribunal Federal será julgada pelo ministro Eros Grau.
As fraudes
As suspeitas de irregularidades começaram quando um dos examinadores da banca, o jurista e professor Ricardo Aziz Cretton, recebeu uma prova com resultados praticamente idênticos aos do gabarito. Por acreditar que o desembargador Sérgio Cavalieri, então presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, estaria envolvido, ele alertou a OAB. Dei, em mãos, o gabarito ao presidente e ele passou a negar que tivesse recebido. Ele tinha uma pessoa muito amiga que estava fazendo o concurso, diz Cretton.
Ele entende que o concurso todo deveria ser anulado. Como é que pode anular só parte? Como pode o vazamento atingir só alguns e não todos? Uma vez sob suspeita, o concurso tem que ser todo anulado. Como as provas foram marcadas com corretivo,
Cretton acredita que possa haver colegas da banca examinadora envolvidos. Todas tinham marcas em uma determinada linha na mesma questão. Era um forte indício de que as provas estavam sendo marcadas. E realmente essas provas tiveram notas altas, relata.
Outro examinador, o desembargador aposentado Ivan Cury, chegou a pedir para deixar a banca após constatar irregularidades. Segundo ele, os desembargadores Nascimento Póvoas e Gamaliel Quinto o pressionaram para que entregasse o gabarito antes de a prova ser aplicada. Ambos tiveram parentes aprovados.
Praticamente depois disso, me aposentei e me afastei. Muitos colegas me olharam de cara feia. Passei a ser um bandido para uns e um herói para outros. Pessoas muito amigas minhas viraram a cara como se eu tivesse feito a coisa errada. Fiz o que a minha consciência mandou. Sou brasileiro, devo muito a essa nação, desabafa Cury, que, apesar de considerar que o concurso de 2006 foi irregular, não crê que a imagem da instituição que representou a vida toda possa ser comprometida. É algo que acontece uma vez a cada 100 anos. Não é rotineiro. E agora fizeram uma limpeza geral. Tanto é que, na última prova, só três juízes passaram pela fase escrita e foram para a prova oral, resume.
A Justiça do Direito Online
Folha Universal
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