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20 de Junho de 2024

Após a nova lei, a 3ª Turma do STJ julga cobertura fora do rol da ANS

A Corte usou como fundamento a tese do rol exemplificativo com condicionantes.

Publicado por Aline Vasconcelos
há 2 anos

O cerne da demanda debatida pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça estava adstrita a obrigatoriedade do plano de saúde fornecer e custear o uso de medicamento à base de canabidiol (PURODIOL 200mg/ml – frasco 30ml – uso contínuo – 11 frascos/ano), cuja cobertura foi recusada pela operadora de plano de saúde, sob a alegação de que inexiste a obrigatoriedade de cobertura de medicamentos não elencados no rol da ANS e sem registro perante a ANVISA.

Em sua origem, o TJ/SP entendeu pela natureza exemplificativa do rol da ANS e, a partir dessa premissa, concluiu que “as empresas operadoras de Contratos de Prestação de Serviços Médicos e Hospitalares, ou aquelas que celebram Contratos de Seguro para cobertura desses mesmos serviços, não podem interferir nas recomendações médicas, assim como não podem se recusar a cobrir tratamentos que tenham direta relação com doença coberta ou mesmo procedimentos e exames que dela decorram, tudo porque as recusas contrariam a própria natureza do contrato” .

Diante da condenação, o plano de saúde interpôs Recurso Especial, distribuído à relatoria da Ministra Nancy Andrighi, da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.

Assim, o propósito recursal consistia em decidir sobre (i) a obrigação de a operadora de plano de saúde custear medicamento importado para o tratamento da doença que acomete a beneficiária, o qual, não consta no rol da ANS e, apesar de não registrado pela ANVISA, possui autorização para importação; e (ii) o cabimento da compensação por dano moral.

Em julgamento realizado em 29 de novembro de 2022, a Ministra relatora entendeu por manter a condenação da obrigação de fazer concernente ao fornecimento do medicamento à base de canabidiol - PURODIOL, mesmo sem previsão no rol da ANS e sem registro perante a ANVISA.

No acordão, a relatora destacou a edição da a Lei nº 14.454/2022, afirmando que:

(...) sobreveio a Lei nº 14.454 44444/2022, que restaurou a tese do rol exemplificativo da ANS, estabelecendo, todavia, condicionantes para a cobertura pelas operadoras de plano de saúde dos tratamentos não listados no referido rol, entre os quais também foi elencado o critério das ciência comprovação da eficácia à luz das ciências da saúde baseada em evidências.

E desse modo concluiu:

Desse modo, considerando que, na hipótese dos autos, a prescrição do medicamento está amparada no conceito de saúde baseada em evidências – SBE, merece ser mantida a determinação de disponibilização e custeio do medicamento prescrito, seja pela tese do rol taxativo mitigado, seja pela tese do rol exemplificativo com condicionantes.

Como se observa, o ponto crucial para adoção deste fundamento foi a existência de comprovação da eficácia do tratamento à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas.

Cabe destacar que quanto a questão atinente ao registro do medicamento na ANVISA, a relatora aplicou o DISTINGUISHING, que é a prática de não aplicar dado precedente vinculante por se reconhecer que a situação sub judice (aquela que se está julgando imediatamente) não se encarta nos parâmetros de incidência do precedente.

Entendeu a corte a aplicação de um precedente judicial - na hipótese dos autos os recursos repetitivos REsp 1.712.163/SP e REsp 1.726.563/SP (Tema 990) - apenas pode ocorrer após a comparação entre a hipótese em julgamento e o precedente que se deseja a ela aplicar, ou seja, a aplicação de tese firmada em sede de recurso repetitivo a uma outra hipótese não é automática.

Dessa maneira, realizando a devida comparação, a corte julgadora entendeu que:

A hipótese dos autos, como mencionado pela sentença, apresenta a peculiaridade de que, embora o medicamento prescrito (PURODIOL 200mg/ml) se trate de fármaco importado ainda não registrado pela ANVISA, além de a beneficiária-recorrida ter obtido autorização da referida Agência Nacional para a sua importação, a Resolução ANVISA RDC nº 17/2015, vigente à época do julgamento, autorizava a importação, em caráter de excepcionalidade, de produtos à base de Canabidiol em associação com outros canabinóides, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde, sendo, portanto, de cobertura obrigatória.

Pela razão exposta, fundamentou seu entendimento na obrigatoridade de cobertura do medicamento nos seguinte termos:

Essa autorização da ANVISA para a importação do medicamento para uso próprio sob prescrição médica, como ocorre no particular, é medida que, embora não substitua o devido registro, evidencia a segurança sanitária do fármaco, porquanto pressupõe a análise da agência reguladora quanto à sua segurança e eficácia. (...) Logo, diante dessas particularidades, cabe realizar a distinção (distinguishing) entre o entendimento firmado no REsp 1.712.163/SP e no REsp 1.726.563/SP e a hipótese concreta dos autos, para o fim de, adotando solução jurídica diversa daquela assentada por esta Corte nos precedentes vinculantes, manter a condenação da recorrente à cobertura do medicamento (PURODIOL 200mg/ml – frasco 30ml – uso contínuo) prescrito para o tratamento da beneficiária-recorrida.

Assim, a partir deste julgamento, é possível extrair o entendimento da 3ª Turma do STJ sobre o rol da ANS após edição da Lei nº 14.454/2022, que, segundo disposto no acórdão "restaurou a tese do rol exemplificativo da ANS, estabelecendo, todavia, condicionantes para a cobertura pelas operadoras de plano de saúde dos tratamentos não listados no referido rol".

Importante destacar que o entendimento da corte superior não desconsiderou as condicionantes impostas na Lei, entre os quais o critério das ciência comprovação da eficácia à luz das ciências da saúde baseada em evidências.

Portanto, possível aferir que, após edição da Lei nº 14.454/2022, o entendimento da 3ª Turma é pelo rol exemplificativo com condicionantes ou tese do rol taxativo mitigado, de modo que para compelir uma operadora de saúde a custear procedimentos ou medicamentos extra rol será necessário demonstrar:

I - comprovação da eficácia à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou

II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.

(Processo em referência: RECURSO ESPECIAL Nº 2.019.618 - SP (2022/0251444-9), Relatora Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI, julgado em 29/11/2022, publicado no DJe em 01/12/2022.)

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