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2 de Maio de 2024
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    Câmara prepara trem da alegria para cartórios

    há 15 anos

    A Câmara prepara uma espécie de “trem da alegria” para donos de cartório em todo país. Os deputados devem apreciar nesta terça-feira (29) a proposta de emenda à Constituição (PEC) que efetiva titulares de cartórios sem concurso público (PEC 471/05). A proposição permitirá que cerca de 5 mil responsáveis por cartórios que assumiram o cargo pelo critério da hereditariedade sejam efetivados como donos vitalícios de um negócio que chega a ter faturamento de mais de R$ 2 milhões por mês.

    A proposta beneficia quem foi designado tabelião (ingressou sem concurso público) até 20 de novembro de 1994 e que esteja ocupando esse cargo há, pelo menos, cinco anos ininterruptos anteriores à promulgação da futura emenda. Segundo o relator da PEC, deputado João Matos (PMDB-SC), o texto não permitirá que tabeliães substitutos (aqueles que assumem o cargo quando o titular for afastado) sejam efetivados.

    Veja a íntegra do relatório do deputado

    “Não se pode falar em trem da alegria. Seria se abrisse a possibilidade de efetivação para todos. Mas a PEC só permite efetivar aqueles designados antes de 1994 e que são responsáveis pelo cartório nos últimos cinco anos. Substituto não entra”, afirma Matos. "A PEC, na verdade, regulamenta a situação de injustiçados pela omissão do Estado, que regulamentou tardiamente o artigo 236 da Constituição. Queremos corrigir essa omissão", justifica.

    Entre os beneficiados pela PEC está o presidente do Flamengo, Marcio Braga, titular interino do 9º Oficio do Registro de Distribuição, no Rio de Janeiro; Maurício Leonardo, irmão do advogado do empresário Marcos Valério (um dos principais acusados do escândalo do mensalão), titular interino do 8º Ofício de Notas em Belo Horizonte (MG); e Valter Sâmara, amigo da mulher do presidente Lula, Marisa Letícia, tabelião de um dos mais lucrativos cartórios de Ponta Grossa (PR), 1º Tabelionato de Protestos de Títulos da cidade.

    Questionamento na Justiça

    A proposta tem enfrentado forte resistência por parte de entidades como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Os contrários à matéria alegam que a PEC estabelece um “trem da alegria” dos cartórios, favorecendo indicações políticas mesmo sob a previsão constitucional de concursos público para o cargo.

    “A PEC não atende aos vários princípios republicanos. Ela não oferece trato igualitário e não garante o acesso às forças públicas pelo mérito, que no caso seria o concurso público. Ela traz critérios que se assemelham a uma monarquia, ao manter a hereditariedade dos cartórios e eternizar direitos e privilégios de pessoas por causa de consanguinidade”, considera o presidente da Comissão Nacional de Legislação da OAB, Marcus Vinícius Furtado Coelho.

    Segundo Marcus Vinícius, se for aprovada, a PEC poderá ser questionada no Supremo Tribunal Federal (STF), porque, na avaliação da OAB, fere o direito de concursados públicos. Ele alega que uma lei não pode retroagir para prejudicar um “ato jurídico perfeito”, ou seja, uma decisão jurídica já consumada segundo a lei vigente.

    “As propostas de emenda à Constituição têm limite e, nesse caso, essa PEC fere o direito de concursados. Uma lei não pode retroagir para prejudicar o direito de concursados. A Constituição veda que uma lei retroaja para prejudicar o ato jurídico perfeito, que no caso se dá pelo concurso público. Essa PEC pode ser questionada no STF. Há uma vedação à criação de privilégios como que permitir PEC para consolidar cargo vitalício”, explica.

    Interesses em jogo

    Os contrários à PEC afirmam também que a proposta atende a interesses econômicos e políticos e prejudicam pessoas que já foram aprovadas em concurso para tabelião. Segundo levantamento da CNJ, os cartórios no Brasil têm faturamentos de R$ 500 a R$ 2,2 milhões por mês, com rendimento médio de R$ 5 mil. De acordo com a Associação Nacional de Defesa de Concursos para Cartórios (Andecc), há no país 7.879 pessoas aprovadas no concurso de tabelião aguardando convocação para assumir esses estabelecimentos.

    “Os interesses políticos e econômicos são muito fortes. Hoje temos 5 mil cartórios vagos e mais de 4 mil cartórios que os titulares não entraram por concurso. São quase 8 mil pessoas aprovadas em concurso esperando ser chamadas. Mas a briga política é grande e prevalecem as indicações. Temos gente muito poderosa beneficiada por essa PEC”, argumenta o presidente da Associação Nacional de Defesa de Concursos para Cartórios (Andecc), Naurican Lacerda, tabelião e oficial registrador do Cartório do 2º Ofício de Notas, Protesto e Registro Civil do DF.

    Concurso público

    Segundo a Andecc, a obrigatoriedade de concurso público para titular de cartório foi estabelecida pela primeira vez no país pelo Decreto 3322/1887, editado na época pela princesa Isabel. A norma, no entanto, não foi cumprida. Mais de cem anos depois, essa obrigatoriedade passou a ser estabelecida pela Constituição, por meio do artigo 236, que determinava ser obrigatória a realização de concurso público para ingressar na atividade notarial e de registro.

    O parágrafo terceiro desse artigo estabelece que não é permitido “que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses”. Ou seja, em caso de morte, improbidade administrativa ou qualquer outro caso de afastamento do titular do cartório deve ser realizado concurso para ocupar a vaga.

    Esse artigo foi regulamentado em 1994. Para o relator da PEC, essa regulamentação tardia justifica o não cumprimento da norma. “A Carta de 1988 determinava o prazo de seis meses para regulamentar o art. 236 da Constituição e essa regulamentação foi feita seis anos e um mês depois. Deixou-se um hiato e, nesse período, pessoas foram designadas para assumir [o cartório]”, afirma o deputado João Matos.

    Em junho deste ano, o CNJ editou duas resoluções que complicaram a situação dos titulares interinos dos cartórios. A Resolução nº 80 regulamentou as regras para o ingresso nos cartórios, enquanto a Resolução nº 81 declarou vagos todos os cargos ocupados em desacordo com as normas constitucionais de 1988 (sem concurso). As medidas fizeram com que o lobby de tabeliães interinos pela aprovação da PEC dos Cartórios aumentasse no Congresso.

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