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17 de Junho de 2024
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    Conceito de dignidade humana ganha espaço no direito e nas condenações ao trabalho forçado

    O modo como o conceito de dignidade humana saiu da filosofia e se espraia pelo direito foi o tema da palestra da Desembargadora do Trabalho Pastora Teixeira Leal, intitulada Memória e Trabalho Forçado - Dignidade da Pessoa Humana, na tarde desta quinta-feira, 16, no auditório do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (TRT 8), como parte do seminário Da Senzala às Leis Atuais da CLT, que marca na 8ª Região trabalhista as comemorações pela passagem dos 70 anos da Consolidação das Leis Trabalhistas. A desembargadora transformou o auditório do Tribunal em uma sala de aula, para discorrer, a princípio, sobre o conceito de dignidade e de como ele foi aproveitado no Direito para responsabilizar, por exemplo, o trabalho forçado.

    Formada em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA) em 1985, a Desembargadora Pastora Leal tem mestrado pela mesma UFPA, doutorado em Direito pela PUC de São Paulo e pós-doutorado pela Universidad Carlos III de Madrid. Magistrada desde 1999, com atuação nas Juntas de Conciliação e Julgamento de Tucuruí, Marabá, Capanema, Ananindeua e na então 4 JCC de Belém, ascendeu ao desembargo em 2002 e hoje divide os conhecimentos que adquiriu nos cursos de graduação e pós-graduação em Direito da Universidade da Amazônia (Unama) e UFPA.

    Os conceitos de memória, dignidade e trabalho forçado foram abordados na busca do sentido e do alcance dos mesmos. A desembargadora começou falando da dignidade da pessoa humana, em uma perspectiva ético-filosófica, antes que ela se tornasse um conceito jurídico. As bases da dignidade humana estão na filosofia, informou, acrescentando que alguns teóricos criticam o uso indiscriminado das fundamentações nesse conceito, dizendo que há uma banalização do mesmo e que por isso ele perde densidade. Eu penso um pouco diferente, eu penso que em um momento que ainda é consolidação, de construção e de consolidação desse conceito, é importante que nas decisões, pareceres, manifestações, nós usemos a dignidade da pessoa humana em reforço de argumentação, e cita o exemplo da duração da jornada de trabalho, com base na saúde do trabalhador em sua integridade psíquica, como exemplo de dignidade humana, embora possa haver contestação. Eu uso esse fundamento e fico infelizmente vencida, inclusive para dizer que as normas que negociam duração de jornada têm limitação, disse a desembargadora, citando, como exemplo, os intervalos inter-jornada naquelas de 12 por 24 horas, que na verdade são de 12 por 13, por causa das 11 horas de intervalo.

    O conceito de dignidade humana, de acordo com ela, evoluiu até o adensamento jurídico, assim como outros, de pessoa, capacidade, autonomia, responsabilidade, todos eles ligados ao conceito de dignidade, sem que isso tenha sido percebido.

    As raízes desses conceitos, de acordo com a desembargadora, estão na história da filosofia ocidental, que funciona como março teórico, e pode ser encontrada, por exemplo, em Pico della Mirandola [Giovanni Pico della Mirandola, 24 de fevereiro de 1463 - Florença, 17 de novembro de 1494, filósofo neoplatônico e humanista do Renascimento italiano], que, em sua obra de 1496, associa a ideia de liberdade à autodeterminação. Há também referências à dignidade humana em obras de Aristóteles, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino.

    Na teoria do Direito, a dignidade da pessoa humana é um conceito novo, empregado em textos internacionais como a Declaração de Direitos do Homem, da década de 1940, com a convenção relativa aos Direitos da Criança, no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, da década de 60, e na declaração universal do Genoma Humano, na década de 1990. Para comprovar a novidade do conceito na área do Direito, ela diz que não consta qualquer referência à dignidade da pessoa humana quer na Declaração de Independência dos Estados Unidos, quer na Declaração Revolucionária Francesa de 1789.

    O conceito já estava presente, no entanto, no combate à escravidão, pelos abolicionistas, no século XIX, e passou a ser referência obrigatória nas culturas jurídicas e lides judiciais, provando a vocação de seu uso no Direito do Trabalho.

    A desembargadora falou das modulações entre três conceitos que parecem iguais, direitos humanos, dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. De acordo com ela, eles têm espaços jurídicos e delimitações diferentes. Quando se fala em Direitos Humanos, o plano é internacional; quando se fala em Direitos Fundamentais, o plano é o do Direito Positivo Interno. Mas a dignidade da pessoa humana transcende essa restrição, ela tem um campo conceitual mais amplo.

    As constituições dos estados liberais são fundamentadas nos conceitos liberdade e igualdade, mas não entram no conceito de dignidade. Com relação aos direitos fundamentais, o espaço de garantia são os direitos de propriedade. Eles surgiram para isso, em um panorama de espinha dorsal da sociedade liberal, que junto com contrato e família, são os três pilares de uma sociedade burguesa.

    Diferentemente dos conceitos jurídicos, o da dignidade humana tem em si um valor moral em seu ápice. A ideia central, na visão atual, está centrada em dois marcos do século XX: a barbárie nazista, que acentuou a ideia, e a biomedicina, a manipulação genética, o uso que se vai fazer da manipulação genética na medicina.

    O conceito de dignidade avança e transcende o poder do Estado, para alcançar o grande poder privado de grandes multinacionais, grandes conglomerados e até mesmo o poder privado que existe dentro de cada lar. Trata, por exemplo, do risco de desumanização em razão da tecnologia, do mercado. O inimigo não é mais só o poder do Estado, mas o conhecimento humano e o sistema produtivo. E completa: a humanidade é o gênero humano, a dignidade é o qualificativo dele.

    A desembargadora citou Bernard Edelman, filósofo e jurista francês, autor do livro La Personne en danger, PUF, 1999, que diz: Se a liberdade é a essência dos direitos humanos, a dignidade é a essência da humanidade.

    Para ela, a dignidade humana já transcende o princípio moral, para ganhar estatuto jurídico, nas decisões de cortes internacionais e comunitárias, e ganha espaço no plano interno, no núcleo do direito da dogmática contemporânea, depois de um longo processo de sedimentação teórica e um grande esforço argumentativo.Invocando [Immanuel] Kant, a pessoa não é meio, mas valor em si mesmo, valor essencial. Esse é um longo processo. Também é Kant quem diz que para tudo há um preço, mas para a dignidade não há. O ser humano não tem preço, o ser humano em dignidade. O trabalho forçado, por exemplo, entra no campo das violações da dignidade humana, que também avança em outras áreas categorias dos direitos fundamentais.

    O Seminário "Da senzala até as leis atuais da CLT" prossegui com palestras no decorrer do dia, finalizando na tarde desta sexta-feira, com a apresentação de casos concretos sobre trabalho forçado, realizado pelo Juiz do Trabalho Titular da 2ª VT de Marabá (PA) e vencedor do Prêmio Nacional de Direitos Humanos, Jonatas Andrade.

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