Cumprir ou não a lei? Dois casos de “antipositivismos” equivocados
Anti (ou pós) positivismos “fakes”
Caso 1. Os leitores sabem de minha luta pelo cumprimento das leis e do Estado Democrático. Por incrível que pareça, isso soa antipático. Tenho sido chamado de positivista exegético (na verdade, chamam-me de positivista assim no geral, porque a malta não sabe sequer que existem vários positivismos — aliás, gostaria de ver como essa gente se viraria numa corte norte-americana, terra dos precedentes, da Constituição multicentenária, da Corte Warren e de Ronald Dworkin, onde ainda predomina, nada obstante, o... positivismo jurídico! Será que os gringos não têm [ou não são] uma democracia? Será que lá ainda se confundem direito e lei? Será que temos lições a ensiná-los? Ou é o contrário? Ou é de aprendizagem recíproca que se trata? Escreverei sobre isso no futuro, não me deixem esquecer. Nesse meio tempo, lembrem: há outros positivismos para além do paleojuspositivismo, ou: o furo é mais embaixo. Mais sobre isso num instante.). Pois eu quero dizer que, do modo como se comportam os juristas e em especial os julgadores em terrae brasilis, mais um pouco e, de fato, transformar-me-ei, com ênclise e tudo, em um pandectista (e da ala mais conservadora). De todo modo, repetindo T.S. Eliot — afinal, sofro de LEER — em terra de fugitivos, quem anda na contramão parece que está fugindo.
Portanto, na contramão, insisto em dizer que aplicaralei-não-significa-positivismo. Querem que eu repita essa obviedade? Pois aí vai: “Cumprir a lei nos seus limites semânticos — entendidos no plano de uma hermenêutica adequada ao Constitucionalismo Contemporâneo — não é uma atitude positivista”.
Pois um bom exemplo da falta de compreensão da teoria do direito e do que seja “positivismo” e “antipositivismo” (as palavras estão entre aspas deliberadamente, porque se trata de positivismo e antipositivismo fakes) pode ser visto na decisão do juiz da comarca de Lageado (RS), que, a pretexto de não cumprir um dispositivo de lei, arvorou-se na condição de antipositivista, criticando o advogado que queria apenas que ele cumprisse um dispositivo legal que determina que ele, juiz, só pode fazer perguntas complementares para as testemunhas (artigo 212 do CPP).
Vamos ao caso e seus detalhes.
Em ação penal (017/2.13.0000435-7), o juiz, confessadamente, não cumpriu o disposto no artigo 212 do CPP. Como ele mesmo diz na sentença, as perguntas foram inicialmente feitas diretamente por ele, embora a lei diga que “as perguntas serão formuladas pelas partes, diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.”. No parágrafo único fica claro que “sobre pontos não esclarecidos, é lícito ao magistrado complementar a inquirição”. Se eu ainda sei ler, quem começa perguntando são as partes e se permite que o juiz faça perguntas complementares.
Na sequência, para justificar seu ato, diz, com todas as letras, que o advento da Lei 11.690/08 não provocou “perfunctória modificação na coleta de provas, nos termos do art. 212, do CPP”. Se eu fosse me firmar no bom vernáculo pátrio, diria que sua Excelência se contradisse já de saída, uma vez que a palavra “perfunctória” quer dizer o contrário do que ele queria dizer. Mas não vou tripudiar em cima disso, porque pode acontecer a qualquer pessoa. Vamos dizer que ele quis dizer que “a nova lei não produziu alterações profundas ou significativas” no modo de inquirição das testemunhas.
Avançando, o magistrado faz uma crítica moral à nova lei, porque, para ele, a previsão de inquirição direta pelas partes representa um “tendencioso questionamento dos atores processuais”. Veja-se. Para ele, o legislador andou mal. E ele, juiz, pode corrigir esse equívoco.
Mas, tem mais. Se deixasse que as partes se portassem segundo o que diz a lei, ele, juiz, transformar-se-ia em figura de “palha” (sic), o que propiciaria — e as palavras são dele — um retorno à ideologia burguesa, “quando do iluminismo”. Em seguida, critica o modelo napoleônico “inaugurado pelo iluminismo” (sic) que separou as funções de legislar e julgar (onde estava localizado o modelo do juiz boca da lei). Esse modelo, aduz sua Excelência,
“vulgarizou a retórica do Estado ideologicamente neutro, alheio às problemáticas subjacentes e mantenedor de uma liberdade bem como de uma igualdade puramente formal. (...). Disso resultou um judiciário inerte no sentido pejorativo, alheado à problemática social, neutro e reprodutor da lei predispos...
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