Daniela Gusmão: É legítima a cessão de advogados públicos à Justiça?
O que dizer a um cidadão e ao seu advogado, que patrocina uma causa contra a Fazenda Pública, que o juiz que decidirá esse processo é diretamente assessorado pelo advogado da outra parte? Uma resposta possível seria dizer que a legislação brasileira não possui uma regra que vede tal assessoria. Contudo, a ausência de vedação legal não torna essa prática legítima, considerando os princípios constitucionais e de ética profissional que devem permear as instituições republicanas. Isto porque, por óbvio, o jurisdicionado ficará sempre com a sensação de desconfiança e de desvantagem frente ao seu ex-adverso. Essa foi a principal motivação que levou a seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil a questionar a legitimidade dessa cessão perante o Conselho Nacional de Justiça, o que suscitou a audiência pública ocorrida naquele órgão no dia 20 de junho de 2012, com maciça participação de órgãos representantes das mais diversas classes de advogados brasileiros.
É verdade que sendo a cessão de advogados públicos uma prática nacionalmente difundida nos tribunais brasileiros, a iniciativa de discutir o assunto deveria ter partido do Conselho Federal da OAB. Contudo, diante do seu silêncio, a OAB-RJ tratou da questão dentro do seu âmbito de atuação, ou seja, questionou a prática nos tribunais sediados no estado do Rio de Janeiro. Frise-se que não houve menção a nenhum caso concreto, apesar de diversos casos terem chegado ao conhecimento da instituição após o questionamento da legitimidade da cessão ora discutida. O objetivo da OAB-RJ não deve ser resumido a um caso específico ou a um determinado advogado público ou juiz, vez que pretende questionar e suscitar a reflexão sobre a legitimidade de uma prática, bastante corriqueira nos nossos tribunais, que consiste em ceder advogados públicos para trabalhar como assessores diretos de juízes, desembargadores ou ministros.
Aqueles que defendem a prática alegam, em síntese, que (i) não há qualquer regra constitucional ou legal específica que a vede, mas, pelo contrário, haveria a possibilidade expressa de cessão de servidores públicos para cargos em comissão entre órgãos ou entidades de diferentes Poderes da União (artigo 93 da Lei Federal 8.112/1990); (ii) os advogados públicos, ao assumirem cargos comissionados de assessores jurídicos, estariam licenciados da advocacia, passando a agir com a imparcialidade necessária ao exercício de suas novas funções, absolutamente subordinados aos juízes, autoridades que possuem poder decisório indelegável; e (iii) os advogados, de uma forma geral, podem exercer funções em outros Poderes: ingressar no Poder Judiciário, pelo instituto do quinto constitucional, exercer as funções de ministro da Justiça e até mesmo funcionar como procuradores e militar na advocacia privada, sem que tenham maiores impedimentos legais ou éticos em função do seu vínculo institucional de origem.
Os argumentos podem até impressionar, à primeira vista, mas sugerimos uma reflexão mais profunda sobre o tema.
Em primeiro lugar, a imparcialidade e a independência do Poder Judiciário são atributos essenciais à democracia. A Constituição Federal de 1988 dota o Poder Judiciário de especiais mecanismos para garantia dessas finalidades. O Poder Judiciário possui autonom...
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