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6 de Maio de 2024
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    Desembargador Roberto Sbravatti: Uma sociedade, quando tem conflitos, tenta resolvê-los com a criação de leis. Isso é um equívoco

    O novo Desembargador do Tribunal de Justiça, especialista em direito empresarial, veio de Caxias do Sul, aonde nasceu, se formou e fez toda a sua carreira na área de Advocacia. O agora magistrado Roberto Sbravati passou a integrar a 14ª Câmara Cível que trata, dentre outros assuntos, de apelações de decisões em processos que discutem processos bancários. Com posições firmes sobre o quinto constitucional e a participação de magistrados com origem no quinto nos Tribunais Superiores, concedeu a entrevista que segue:

    Desembargador Sbravati, o senhor vem de uma família que já tinha o Direito no sangue... como começou sua vivência na área ?

    Meu pai atuou na advocacia por mais de 50 anos também na área empresarial. Foi aluno da primeira turma da Faculdade de Direito da Universidade de Caxias do Sul e, portanto, exerceu uma forte influência na determinação das minhas escolhas.

    Já como adolescente, pude trabalhar no escritório dele, ter contato com o Direito, com as angústias, os dramas e os conflitos sociais que emergem e trazem ao Advogado o pedido de uma postulação ao Judiciário. Então, essa convivência, evidentemente, contribuiu para a minha decisão de escolher o Direito como caminho.

    Na convivência com colegas de todo o País,

    constatei como o nosso

    Tribunal de Justiça é muito respeitado

    Minha mãe era do lar, sempre apoiou a família com seu trabalho, com seu amor e carinho. Tenho apenas um irmão, mais velho, que optou pela Odontologia. Tenho uma filha de 20 anos, que decidiu cursar Moda e Estilo e está concluindo o curso este ano, na Universidade de Caxias do Sul.

    O senhor sempre estudou em Caxias do Sul?

    Concluí a graduação em Caxias do Sul. Posteriormente, fiz especialização na Universidade de Caxias, num convenio com a Universidade Federal de Santa Catarina, os professores eram todos de lá. Recebi forte influência do Prof. Luís Alberto Warat, um dos grandes pensadores do Direito contemporâneo, Presidente da Associação de Juristas da América Latina. Ele me ensinou, nessa pós-graduação, o que se denomina de didática afetiva, demonstrando a relação aluno-professor, que deve transcender àqueles aspectos de mera transmissão de conhecimento.

    Também me senti motivado para a docência, onde, de fato, pude praticar a didática aliada ao conhecimento. Isso se desenvolveu a tal ponto que já estou lecionando há 25 anos. Cada turma é diferente da outra, sempre é uma experiência nova. Posso dizer que mais aprendo do que ensino pela troca de experiências, que me enriquece muito.

    O senhor se enriquece no contato com os estudantes?

    O Direito tem uma peculiaridade, tem a juventude, mas também tem aquela faixa etária mais elevada na sala de aula. Já tive alunos de 60, 70 anos. Tive um grupo de senhoras que sentavam à frente, na sala, e que eram muito dedicadas e estudiosas. O Direito tem essa particularidade muito bonita, convive-se com alunos de 18 a 70 anos na mesma sala de aula.

    A sua experiência na Universidade o levou à coordenação do Departamento de Direito?

    Com o passar do tempo, tornei-me Coordenador do Curso de Direito, responsável por toda a área acadêmica. Na época, eram cargos eletivos. Concorri à direção e assumi como Diretor da Faculdade por dois mandatos. Na época, era Chefe de Departamento.

    Nesse ínterim, comecei as aulas de doutorado pela Universidade de Buenos Aires, onde concluí todas as classes, e me envolvi de uma forma mais próxima com a Ordem dos Advogados do Brasil, por meio também de eleição, assumindo a Presidência da Subseção da OAB de Caxias do Sul. Passei a integrar os quadros da Ordem de uma forma mais efetiva e me dediquei bastante a isso, compreendendo que poderia colaborar para uma advocacia mais forte e melhor e para o engrandecimento da instituição.

    Terminado o meu mandato como Presidente da Subseção, imaginei que tivesse cumprido a minha etapa de colaboração e me afastei. Entretanto, posteriormente, fui convidado a concorrer ao Conselho Federal. Aceitei depois de discutir com os colegas de Caxias do Sul. Nós avaliamos, lá em Caxias do Sul, a importância de aceitar o convite, porque nunca tínhamos tido um conselheiro federal com toda a nossa história. Os colegas incentivaram, eu concorri, fomos vencedores naquele pleito e permaneci no Conselho por três anos, atuando em Brasília, na 3ª Câmara, na relatoria de processos que envolviam prestação de contas de todas as seccionais do País, das caixas de assistência dos advogados. Era uma Câmara mais de natureza administrativa.

    Ainda no Conselho Federal, fui presidente da Comissão de Desenvolvimento da Atividade Econômica, que é uma comissão de assessoramento do presidente do Conselho Federal, porque ele tem assento na Secretaria de Desenvolvimento Econômico da Presidência da República. Tive a oportunidade de acompanhar a tramitação de algumas leis importantes, como a própria Lei de Falencias e Recuperação de Empresas, importantíssima para a área empresarial. Inclusive, pude interferir com sugestão de emendas. Foi um trabalho bastante interessante.

    O presidente da época, Roberto Busato, designou-me membro da Comissão da Advocacia Pública, em que analisávamos a situação dos advogados que exercem advocacia para os entes públicos, uma situação bastante particular. Foi um momento da minha vida bastante rico, pois pude conviver com advogados de todo o País, com as diferenças regionais que existem bem acentuadas. Dá para compreender muito bem a dimensão continental que o nosso País tem, porque as peculiaridades de cada Estado da Federação são bem distintas. Essa foi uma experiência fantástica.

    É uma característica do gaúcho ser

    um inconformado por natureza.

    Não um inconformismo sem sentido, mas

    de reflexão. O gaúcho gosta de se posicionar

    Concluindo o meu mandato no Conselho Federal, continuei na advocacia, militando sempre na área empresarial, na área de consultoria e assessoria a empresas, até o incentivo dos colegas e dos professores da Universidade para concorrer a uma vaga ao Quinto Constitucional, que também foi motivada muito por essa experiência no Conselho Federal, em que fiquei por três anos relatando processos, numa missão difícil de julgar os pares.

    Digo isso também com muita alegria, pois, nessa convivência com colegas de todo o País, constatei como o nosso Tribunal de Justiça é muito respeitado. Posso afirmar que, se não é o mais, é um dos mais respeitados do País. Todos os colegas do Norte, Nordeste, Centro referem-se ao nosso Tribunal, geralmente, apontando duas coisas importantes: primeiro, a idoneidade moral de seus membros e, segundo, a profundidade e a vanguarda de suas decisões.

    E somos os recordistas em recursos aos Tribunais Superiores...

    Acho que é uma peculiaridade nossa, do gaúcho, até pela quantidade de demandas que existem. É uma característica do gaúcho ser um inconformado por natureza. Não um inconformismo sem sentido, mas um inconformismo de reflexão. O gaúcho gosta de se posicionar, e disso vemos reflexos até na política partidária. Nós acompanhamos recentemente uma situação em que aqueles que quiseram manter certa neutralidade no pleito foram defenestrados pela sociedade gaúcha. O gaúcho gosta de se posicionar; bem ou mal, ele se posiciona, mas acredito que isso seja uma virtude daqueles que têm coragem de dizer a que vieram, mesmo que, evidentemente, possam cometer equívocos.

    Então, acredito que o magistrado gaúcho também se posiciona, fruto da sua inteligência, da sua cultura, do seu estudo, mas ele também adota uma posição, não se conforma com uma mera orientação jurisprudencial mesmo que pacificada se ele, por meio do seu estudo e do seu entendimento, possui uma compreensão diferente sobre a matéria.

    Parece-me que esse é um ponto importante, mas, em função da legislação dos recursos repetitivos e da própria postura que os tribunais superiores vêm adotando em relação a determinadas matérias, também o nosso magistrado repensou a sua posição, a fim de não criar falsas expectativas às partes ou criar mais ônus às partes. Foi mais em função disso, e não porque tenham mudado o seu entendimento a rigor. Tanto que vários julgadores ressalvam o seu entendimento nos acórdãos, mesmo adotando a posição pacificada.

    Eu quis fazer um estudo da função

    não só social e econômica das empresas,

    que é bastante conhecida, mas também da função

    que exercem no meio ambiente

    Seria o voto útil?

    O voto em nome de uma prestação jurisdicional efetiva, célere. Talvez tenha sido esse o objetivo do legislador quando instituiu o recurso repetitivo.

    O senhor veio de uma cidade caracterizada por um forte desenvolvimento na indústria metal-mecânica, certamente com uma necessidade de advogados especializados na área empresarial. O que faz exatamente o advogado da área empresarial? Discute como será a formação e a gestão da empresa? No caso de Caxias do Sul, qual foi a premência maior nessa área?

    Muitas vezes, o advogado não exerce apenas uma função de assessoria ou consultoria jurídica; nessa área, o advogado tem que ter pelo menos um pouco de conhecimento administrativo e contábil, porque o empresário, normalmente, se socorre do advogado em todas essas funções. Desde a constituição da empresa até a sua funcionalidade, a sua relação com os sócios ou acionistas, com o Fisco, com os empregados, com os fornecedores, enfim, com todos os credores de qualquer natureza, em todas essas relações, o advogado acaba tendo um papel de destaque. Então, ele tem que ter uma relação interdisciplinar com o contador, o economista, o administrador da empresa.

    Na advocacia, eu possuía uma equipe exatamente multidisciplinar, eu sempre tinha um economista ou um contador assessorando para que pudéssemos dar o melhor atendimento às empresas. E, claro, a partir daí, surgem conflitos externos nessa relação com fornecedores, com terceiros, e internos, com empregados e, o que é mais grave geralmente para a empresa, com sócios ou acionistas.

    Uma sociedade, quando tem conflitos,

    tenta resolvê-los com a criação de leis.

    Isso é um equívoco. A sociedade deveria abrir

    um grande debate sobre esses conflitos

    e buscar resoluções mais sociais

    O senhor está finalizando mestrado na área de Direito Ambiental e trabalhou na área empresarial. É interessante conhecer melhor a questão do Direito Ambiental para tentar fazer com que as empresas avancem na direção da sustentabilidade ambiental. Como o senhor vê o desenvolvimento dessas questões em Caxias?

    A minha opção pelo Direito Ambiental teve como força motriz a necessidade de uma avaliação da função social, ambiental e econômica das empresas da região. Por quê? Porque eu trabalhei, por mais de 20 anos, na área de falência e recuperação de empresas, matéria que leciono há 25 anos. Evidentemente, são empresas estigmatizadas, e, muitas vezes, em um estado de recuperação, dependendo da natureza delas, tínhamos um dano não só econômico, mas também ambiental bastante significativo.

    Eu quis fazer um estudo, motivado por isto, dessa função não só social e econômica das empresas, que é bastante conhecida, mas também da função que exercem no meio ambiente. Preocupa-me isso exatamente pelo volume de empresas que temos em Caxias e na região, algo em torno de 15 mil empresas, que, evidentemente movidas pela economia, pela necessidade de progresso, muitas vezes, ultrapassam aqueles limites ambientais permitidos, isto é, certos princípios do Direito Ambiental são esquecidos ou relegados em nome do progresso econômico.

    Recentemente, publiquei um artigo sobre A Eclipse do Direito Ambiental em Relação à Economia, mostrando essa relação próxima que existe entre meio ambiente e economia, exatamente em função das empresas, e que muitas vezes o meio ambiente é sacrificado em nome desse desenvolvimento e desse progresso. É algo que até sabemos, temos intuição, mas a que ponto isso acontece? Conversando com os ambientalistas, e essa oportunidade eu tive durante o curso - agora, estou na fase da dissertação, já concluí as aulas -, todos dizem que a legislação é maravilhosa, o controle que o Ministério Público realiza em muitos casos é muito bem feito, porém tudo esbarra na questão econômica. Vai chegar a um ponto em que a economia se impõe sobre o meio ambiente. E esse é o meu estudo.

    No seu entender, então, há um limite para o progresso econômico que é dado pelas condições ambientais?

    Sem dúvida, uma sociedade, quando tem conflitos, tenta resolvê-los com a criação de leis. Isso é um equívoco. Na verdade, a sociedade deveria abrir um grande debate sobre esses conflitos e buscar resoluções mais sociais. No entanto, como isso não tem ocorrido, pensamos em fazer um controle da economia através da legislação, por isso a legislação ambiental. Só que esquecemos que a economia se molda rapidamente às leis existentes e cria válvulas de escape. Ela está constantemente criando mecanismos para ultrapassar aquela legislação ambiental, gerando danos.

    O senhor, então, apostaria mais em consenso do que propriamente em imposição por lei?

    Sem dúvida, vejo que este é o caminho.

    Aliás, indo por esse caminho, está crescendo, na própria Justiça do Estado, a movimentação em torno do trabalho de conciliação e mediação.

    Aliás, fui da Câmara de Mediação e Arbitragem da Câmara do Comércio de Caxias do Sul.

    Não seria o caminho, para se evitar essa judicialização crescente de processos, haver uma divulgação do trabalho de mediação e conciliação na fase pré-judicial, para que as pessoas se entendam?

    Mas aí há um fato curioso. Em 1990, eu fui convidado pela Câmara da Indústria e Comércio de Caxias para ser mediador na Câmara de Mediação e Arbitragem, que foi criada para resolver os conflitos entre sociedades empresárias. Passados 20 anos, não emiti um único laudo na Câmara, porque as empresas ainda preferem litigar na Justiça. Existem interesses subjetivos, alguns são procrastinatórios, há interesse em levar uma demanda e postergar a solução quando são matérias complexas. Entretanto, também muito se deve a essa cultura do litígio que existe no nosso Estado, em que o cidadão quer que o Juiz diga com quem está o melhor direito, não se submetendo a um mediador, a um não juiz togado a apreciação daquela matéria para a emissão de um laudo.

    O Judiciário gaúcho goza de uma credibilidade bastante

    expressiva, porque a honorabilidade,

    a seriedade dos magistrados é

    reconhecida por toda a sociedade gaúcha

    Mesmo que a lei, hoje em dia, em tese, garanta validade jurídica a esses acordos?

    Mesmo que garanta. Acredito que isso faz parte da nossa cultura. O resultado está aí. Se não me equivoco nos números, temos quase quatro milhões de demandas aqui no Rio Grande do Sul. Isso é um reflexo de que não é só a briga de vizinho; há casos que seriam facilmente resolvidos em conciliação.

    Mas temos complexas questões societárias em que as partes não querem outro caminho que não seja a prestação jurisdicional. Inclusive, é muito comum ouvir nos escritórios de advocacia esta frase: Não me importa perder, quero que o Juiz diga com quem está a razão. É uma beligerância, um clima de confronto. E talvez um pouco contribua para isso a postura de inconformismo que existe, a postura de não neutralidade, que leva à desconfiança de que existam pessoas, mesmo investidas em uma função de mediação, que não sejam neutras, como se presume ser um juiz togado.

    É a credibilidade da Justiça do Estado.

    Exatamente, este é um ponto importante: além de tudo, o Judiciário gaúcho goza de uma credibilidade bastante expressiva, porque a honorabilidade, a seriedade dos magistrados é reconhecida por toda a sociedade gaúcha. Eu não me recordo, em 27 anos de advocacia, de um comentário desairoso em relação a algum magistrado ou de eu ter tido algum problema com algum magistrado.

    O cidadão vai à Justiça predisposto a aceitar o resultado.

    Exatamente, não importa o quanto ele demore.

    Eu adotei, como advogado, na área de conflitos societários - e dependia muito do colega que estava representando as outras partes - sempre uma postura conciliatória, muitas vezes bem sucedida. Às vezes, nós conseguíamos, em sociedades familiares, reunir todos os irmãos, os primos, com os advogados, e estabelecer um convencimento de uma solução mais pacificadora.

    Aí depende muito da postura também do profissional da advocacia nesse aspecto. E há um problema de origem, quer dizer, a formação nas faculdades de Direito não leva em conta essa possibilidade da mediação e arbitragem. O aluno entra na faculdade de Direito já estudando processo.

    Lembro que o querido mestre Ovídio Baptista da Silva gostava de repetir: O processo deve servir às partes, e não as partes servirem ao processo.

    Na verdade, o Código Buzaid criou um monstro, podemos dizer assim, do ponto de vista de regras, etc., que conduzem naturalmente ao aprofundamento do conflito. Por isso essas reformas importantes do Código de Processo Civil, que vieram em boa hora, e outras que estão surgindo, e a postura do Judiciário gaúcho também incrementando as conciliações. Se não me engano, vai haver o projeto agora no 2º Grau também, tudo para minorar esse efeito.

    O senhor sempre viveu na região de Caxias, uma região de cultura italiana. Como esse contexto contribuiu para a sua formação?

    Tive uma formação católica, como todo italiano. A nossa cultura é muito interessante. O imigrante italiano chegou a uma terra árida, montanhosa, sem nenhuma ajuda do Governo, sem nenhuma estrutura. Então, ele se agarrou a duas coisas: à fé e ao trabalho. A fé católica fez com que ele não esmorecesse. Isso até explica por que a nossa cultura italiana é muito ligada ao trabalho e à economia.

    Uma mesa farta, por exemplo, é fruto do imigrante que não tinha nada o que comer e trabalhou arduamente para poder sobreviver. E a religiosidade foi um pilar dessa estrutura toda, tanto que até hoje as igrejas católicas da nossa região, especialmente aquelas das colônias periféricas de Caxias do Sul, ainda exercem uma influência bastante forte.

    E, claro, como italiano também, tive contato com a religiosidade, com a Igreja católica. Participei, quando era jovem, do movimento dos Focolares, onde conheci uma pessoa extraordinária, Chiara Lubich, que me deu uma visão não só daquele catolicismo tradicional, mas uma visão de espiritualidade avançada para a época no sentido da importância da unidade e não da separação. Isso marcou muito a minha vida e as minhas ações.

    Como o senhor vê essa mudança de posição? A partir da defesa dos interesses de uma parte, o senhor passa a ter uma posição eqüidistante das partes, tentando julgar conforme o Direito.

    Na verdade, o Direito é a conduta humana de interferência intersubjetiva, ou seja, entre sujeitos. O Direito, na verdade, não é distante do encadeamento das ações das pessoas. Ao contrário, não podemos criar formulismos no Direito que sejam distanciados da realidade social. Muitas vezes, são criados na legislação, e isso é danoso.

    Esse sentimento, essa percepção, a advocacia me ajudou muito a ter, porque o advogado é o que primeiro recebe o conflito, é o que primeiro sente as angústias das pessoas e o que primeiro tenta traduzir ao Judiciário essa postulação, que não é uma questão meramente jurídica. Nós trabalhamos com a honra, com a dignidade da pessoa humana, com uma série de conceitos, inclusive constitucionais, que são relevantes. O advogado sente isso na pelé.

    Quando se trata de guarda de menor, por exemplo, na área de Família, é difícil o advogado permanecer numa posição eminentemente técnica, ele acaba se envolvendo emocionalmente. Eu fui atuante na área de Família quando iniciei minha profissão.

    Uma vez nomeado para esses tribunais,

    o então egresso da classe dos advogados é um julgador

    como qualquer outro, sem qualquer distinção

    Então, essa experiência na advocacia me permitiu ter uma visão social bastante ampla e uma sensibilidade que, evidentemente, agora, estando na magistratura, pretendo manter. Embora eu esteja mais, como advogado, sendo intransigente na defesa do direito de uma parte, eu tenho que ser intransigente na defesa do justo, buscando o melhor direito na solução do caso concreto, sem me distanciar do ideal de justiça, mesmo compreendendo que, muitas vezes, direito, moral e justiça sejam conceitos difíceis de serem agrupados numa solução só. Mas essa sensibilidade que a advocacia me trouxe pretendo manter na análise dos julgamentos também.

    Estou numa Câmara que trata de contratos bancários, que envolvem demandas de consumidores, que possuem, muitos deles, uma relação de hipossuficiência diante das instituições financeiras. A sensibilidade social me faz estar atento a isso, evidentemente sem ultrapassar a fronteira do que é legal e sempre com o foco no que é justo.

    No seu entender, as vagas do Quinto Constitucional dos Tribunais Superiores devem ser ocupadas apenas por magistrados de carreira?

    Toda discriminação para mim é odiosa. Não compreendo o significado e o alcance dessa postulação da Associação dos Magistrados do Brasil.

    A atual direção da AMB é que tem levantado essa bandeira, e eu não compreendo que alcance tem isso, porque a Constituição Federal é muito clara, no art. 94, ao dizer que os tribunais serão integrados também por membros da Advocacia e do Ministério Público, sem fazer qualquer exceção.

    Uma vez nomeado para esses tribunais, o então egresso da classe dos advogados é um julgador como qualquer outro, sem qualquer distinção. Fazer distinções dentro do Judiciário é altamente perigoso. Isso poderia criar classes e subclasses de julgadores, retirando o caráter de independência e autonomia deles.

    Então, acredito que essa atitude da Associação dos Magistrados do Brasil deveria merecer uma reflexão melhor à luz da Constituição Federal. Portanto, a minha posição é muito clara a esse respeito: não concordo não por ter vindo pelo Quinto - quero deixar isso claro -, mas porque, como julgador, devo fazer Justiça, tratar todos da mesma forma, dentro de um princípio de igualdade, e aplicar o melhor direito à espécie e não posso, internamente ou interna corporis, me contradizer. Eu não posso evitar a discriminação na sociedade e internamente querer materializar a discriminação. Eu não posso ter uma posição externa e outra interna.

    Como advogado, o senhor certamente atuou em tribunais também. Como vê, quanto aos resultados para a sociedade, o instituto do Quinto Constitucional?

    Acredito que o Quinto Constitucional não precisa de defesa. Nos Tribunais Superiores, nos Tribunais Estaduais, há membros que foram advogados e hoje são julgadores de notório saber jurídico. Estou me referindo evidentemente a outras pessoas, não estou me incluindo. Encontramos pessoas admiráveis, que têm cultura jurídica e que estão contribuindo com o Judiciário e com a sociedade. Isso, por si só, já é expressivo. No Supremo Tribunal Federal, há advogados que hoje são julgadores de extrema respeitabilidade e admiração. Aliás, uma grande parte dos membros do Supremo Tribunal Federal foram advogados.

    Então, parece-me que o Quinto Constitucional só contribui para que o Judiciário se louve de outras experiências para continuar a sua tarefa de buscar uma prestação eficiente, célere e justa ao cidadão.

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