Direito do paciente de tentar a cura e o acesso a medicamentos
O filme Clube de Compras Dallas (2013), de Jean-Marc Vallée, é baseado na vida de um eletricista diagnosticado com aids na década de 1980 que passa a contrabandear medicamentos alternativos não aprovados pela Food and Drug Administration (FDA) - órgão norte-americano equivalente à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) - para o Texas, distribuindo-os a outros pacientes e estabelecendo, assim, uma espécie de agremiação mercantil.
Sucesso de crítica e bilheteria, o filme desvelou o flagelo dos pacientes que, contaminados pelo vírus HIV durante o período mais obscuro da enfermidade, se viram sem acesso a alternativas terapêuticas para o enfrentamento desta moléstia, uma vez que a FDA apenas autorizava o uso do AZT, fármaco tóxico e que ainda se encontrava em fase de pesquisa clínica.
Neste contexto, alguns dispositivos jurídicos aprovados recentemente nos Estados do Colorado, Louisiana e Missouri, nos Estados Unidos, também estão sendo chamados de leis “Clube de Compras Dallas”, pois autorizam que pacientes terminais tenham acesso a projetos de fármacos que ainda se encontram em fase de investigação. Tais dispositivos consagram o chamado Direito de Tentar, ou simplesmente “right to try”, no vernáculo saxão.
Tais arcabouços legais frisam que apenas os esboços de drogas que passaram pela Fase I dos testes clínicos podem ser prescritos. Nesta etapa exordial, é verificada a segurança da substância investigada. É o primeiro estudo em seres humanos, geralmente em pequenos grupos de pessoas voluntárias e sadias. Tais dispositivos determinam, ainda, que apenas os pacientes terminais são elegíveis para a compra dos projetos de fármacos.
No Brasil, o acesso expandido a medicamentos sem registro na Anvisa está regulamentado pela Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 38, de 12/8/13, que aprovou o regulamento para os programas de acesso expandido, uso compassivo e fornecimento de medicamento pós-estudo. Tal norma trata justamente do acesso a medicamentos novos, experimentais, ainda não registrados no Brasil, assegurando esse acesso por meio desses três mecanismos.
Para fins de acesso expandido, a Anvisa possibilita o acesso a projetos de medicamentos que se encontram registrados em outros países ou pelo menos em Fase III de pesquisa clínica. Tal procedimento caracteriza-se por estudos internacionais, de larga escala, em múltiplos centros, com diferentes populações de pacientes para demonstrar eficácia e segurança.
O acesso pós-estudo visa garantir a disponibilização gratuita de medicamento aos sujeitos de pesquisa, aplicável nos casos de encerramento do estudo ou quando finalizada sua participação. Já para fins de uso compassivo, o pretenso medicamento liberado deverá apresentar evidência científica para a indicação solicitada ou estar em qualquer fase de desenvolvimento clínico.
Em qualquer um dos casos, deverá restar comprovado que os pacientes são portadores de moléstias debilitantes graves ou que ameacem a vida, sem alternativa terapêutica satisfatória com produtos registrados no país.
Observa-se, desta forma, que todo paciente que queira ter acesso a drogas experimentais, desde que cumpra os requisitos formais para tanto, poderá acionar as instâncias administrativas competentes ou até mesmo o Poder Judiciário, em razão de alguma omissão governamental.
Jordão Horácio é advogado, especialista em Direito Internacional, mestre e doutorando em Saúde Global e Sustentabilidade.
(Notícia publicada originalmente no jornal O Popular, em 12/02/2016. Disponível)
0 Comentários
Faça um comentário construtivo para esse documento.