Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
6 de Maio de 2024
    Adicione tópicos

    Do Controle Judicial da Administração Pública - Gustavo Aparecido da Silva

    há 15 anos

    Como citar este artigo: SILVA, Gustavo Aparecido da. Do Controle Judicial da Administração Pública. Disponível em: http:// www.lfg.com.br - 22 de outubro de 2009.

    Do Controle Judicial da Administração Pública

    Na tradição do ensino de Teoria Geral do Estado, um dos conceitos mais caros imputado ao republicanismo é o da separação dos poderes, pelo qual se adota o sistema de freios e contrapesos. Noutro dizer, o poder estatal, embora uno, é dividido em três: Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário.

    Nessa sistemática, é corriqueira a asserção de que esses poderes são independentes entre si, não podendo um deles sofrer interferência de outro.

    Partindo desse pressuposto, tem ganhado espaço no debate jurídico a suposta intervenção do Poder Judiciário nos outros. Considerada indevida por uns, muitos têm se valido desse argumento para refutar todo e qualquer tipo de apreciação pelo Judiciário de atos administrativos.

    Há, todavia, entendimento segundo o qual, na verdade, no Brasil, não é adotado o mecanismo da separação dos poderes, e sim o do balanceamento dos poderes, pelo qual as funções típicas de cada poder podem, eventualmente, ser exercidas por outro. Exemplo disso são os poderes Judiciário e Legislativo que exercem, no âmbito interno, a função própria do Administrativo, ou seja, tais poderes possuem uma estrutura administrativa, que implica na emanação de atos administrativos, os quais são por eles emitidos. Outro exemplo é o julgamento que faz o Legislativo em determinadas situações, isto é, o órgão legiferante exerce, no caso, função típica do Judiciário.

    Com efeito, esta última posição é mais coerente com a Teoria Geral do Estado atualizada e está em harmonia com o que preconiza a Constituição Federal, até porque o atual contexto não permite mais a aplicabilidade daquela outra concepção, haja vista que o Estado brasileiro consagra ampla proteção aos direitos fundamentais, pautando-se, sobretudo, na defesa do princípio da dignidade da pessoa humana. Eis a razão pela qual é perfeitamente possível ao Poder Judiciário intervir na esfera administrativa.

    Em sendo assim, sempre que o Poder Executivo deixar de observar os princípios fundamentais consagrados na Carta Política dará ensejo à interferência judiciária. Frise-se que essa intromissão não viola de modo algum o princípio da separação dos poderes, até porque, como já se frisou alhures, na verdade, o que se tem consagrado em nosso Estado é o balanceamento dos poderes.

    Não obstante isso, argumentarão os detratores desse entendimento que ao administrador é dada certa discricionariedade, segundo a qual lhe é permitido fazer ou deixar de fazer algo em virtude da oportunidade e conveniência. Ademais, insistirão ainda que pode o administrador se valer da reserva do possível, pela qual só se faz algo se os recursos o permitirem. Engana-se, todavia, quem assim postula. Isso porque em se tratando de direitos fundamentais, tem-se, na verdade, opções vinculativas que o constituinte legou ao legislador infraconstitucional, isto é, algum direito fundamental só pode sofrer restrição em face de outro direito igualmente fundamental; grosso modo, valendo-se da cláusula da reserva do possível, ao administrador cabe optar por realizar um entre dois direitos fundamentais, na impossibilidade de realizar os dois, e do modo mais adequado possível.

    Nesse sentido, é o entendimento do Ministro Celso de Melo que, no julgamento da ADIn n.º 1458-7 DF, assim se manifestou:

    [...] se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos daConstituiçãoo, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que aConstituiçãoo lhe impôs, incidirá em violação negativa dotexto constitucionall .

    Parafraseando o ilustre Ministro, sustenta Burkle[ 1 ]:

    [...] a omissão do Estado que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelotexto constitucionall qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita aConstituiçãoo, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental .

    Ainda da lavra do eminente jurista Celso de Melo[ 2 ] , lê-se:

    Não se pode tolerar que os órgãos do Poder Público, descumprindo, por inércia e omissão, o dever de emanação normativa que lhes foi imposto, infrinjam, com esse comportamento negativo, a própria autoridade da Constituição e efetuem, em conseqüência, o conteúdo eficacial dos preceitos que compõem a estrutura normativa da Lei Maior .

    Partindo desse pressuposto, uma pretensão do Ministério Público, por meio de uma ação civil pública, p. e., de exigir que o Município ofereça uma Casa de Abrigo para crianças abandonadas em nada ofende o princípio da separação dos poderes, haja vista que está se tratando, na hipótese aventada, de direitos fundamentais consagrados pela Constituição Federal, em seu art. 227:

    Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação , à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito , à liberdade e à convivência familiar e comunitária , além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão . (grifos nossos)

    Isso posto, há que se enfrentar um outro questionamento igualmente interessante, qual seja, como fazer cumprir a imposição da ordem judicial na hipótese imaginada? É possível a aplicação de multa? Se sim, é um meio adequado, oportuno? Não resta dúvida quanto à possibilidade de aplicar multa nesses casos, todavia, não se pode olvidar que, de modo indireto, se onera o contribuinte com elas.

    Meio mais eficaz do que a multa, sem dúvida, é a responsabilização cobrada judicialmente do administrador por improbidade administrativa. Outra alternativa possível é fazer com que os recursos necessários figurem na lei orçamentária do Município para que a obra seja possível; todavia, se for urgente a necessidade, torna-se ineficaz esta alternativa.

    Em apertada síntese, não há que se falar, na hipótese mencionada, em violação do princípio da separação dos poderes, haja vista que, além de, na prática, nosso mecanismo estatal contemplar o balanceamento dos poderes, a Constituição Federal vinculou ao legislador infraconstitucional e aos aplicadores do direito a opção de realizar, de modo mais adequado, os direitos fundamentais, o que legitima, em última instância, a atuação do Poder Judiciário na esfera administrativa. Ademais, em caso de desrespeito aos direitos fundamentais, deve o administrador responder judicialmente por improbidade administrativa, sendo essa alternativa mais viável do que a imposição de multa, porque esta onera o contribuinte.

    Notas de rodapé :

    [1]BÜRKLE, Rudi Rigo. O controle judicial da administração pública face a não observância dos direitos fundamentais . Disponível em http://www.mp.pr.gov.br/eventos/05rudi.doc. Acesso em 25.07.2008.

    [2]ADIn n.º 1458-7 DF.

    Referências Bibliográficas

    ARENHART, Sergio Cruz. As ações coletivas e o controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário . Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?rd=7177. acesso em 25.07.2008

    BÜRKLE, Rudi Rigo. O controle judicial da administração pública face a não observância dos direitos fundamentais . Disponível em http://www.mp.pr.gov.br/eventos/05rudi.doc. Acesso em 25.07.2008.

    FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais . São Paulo: Malheiros, 2004, 3ª ed., pp. 216 237. Material da 2ª aula da Disciplina Processo Administrativo: Grandes Transformações, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Processual: Grandes Transformações - UNISUL - REDE LFG.

    MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e Controle Jurisdicional . São Paulo: Malheiros, 2007, 2ª ed., 8ª tiragem, pp. 32-48. Material da 2ª aula da Disciplina Processo Administrativo: Grandes Transformações, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Processual: Grandes Transformações - UNISUL - REDE LFG.

    • Sobre o autorTradição em cursos para OAB, concursos e atualização e prática profissional
    • Publicações15364
    • Seguidores876138
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações465
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/do-controle-judicial-da-administracao-publica-gustavo-aparecido-da-silva/1974803

    Informações relacionadas

    Escola Brasileira de Direito, Professor
    Artigoshá 7 anos

    Mandado de Segurança: controle externo da administração pública e aspectos gerais

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)