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17 de Junho de 2024

E a raposa-juíza, baseada em presunções, mandou esfolar o carneiro!

Publicado por Consultor Jurídico
há 10 anos

Esta fábula de Liev Tolstói (99 contos e fábulas) me foi remetida pelo meu amigo Carlos Alberto Nahas, Promotor de Justiça de Santa Catarina, que me inspirou para esta coluna (o texto foi traduzido do francês por um juiz amigo de Nahas). Ei-la:

Um mujique (camponês) entrou com uma ação contra o carneiro. A raposa ocupava naquele momento as funções de juíza. Ela fez comparecer na sua presença o mujique e o carneiro. Explicou o caso.
- Fale, do que reclamas, oh Mujique?
-Veja isso, disse o mujique, na outra manhã eu percebi que me faltavam duas galinhas; eu não encontrei delas nada além dos ovos e das penas, e durante a noite, o carneiro era o único no quintal.
A raposa, então, interroga o carneiro. O acusado, tremendo rogou graça e proteção à juíza.
-Esta noite, disse ele, eu me encontrava, é verdade, sozinho no quintal, mas eu não saberia responder a respeito das galinhas; elas me são, aliás, inúteis, pois eu não como carne. Chame todos os vizinhos, ajuntou ele, e eles dirão que jamais me tiveram por um ladrão.
A raposa questionou ainda o mujique e o carneiro longamente sobre o assunto, e depois ela sentenciou:
-Toda noite, o carneiro ficou com as galinhas, e como as galinhas são muito apetitosas, a ocasião era favorável, eu julgo, segundo a minha consciência, que o carneiro não pôde resistir à tentação. Por consequência, eu ordeno que se execute o carneiro e que se dê a carne ao tribunal e, a pelé, ao mujique. (grifos no original)

Esta fábula de Tolstói me faz lembrar do julgamento do mensalão, quando lá se disse, em um determinado momento, mediante a invocação de Nicolai Malatesta de que o ordinário se presume; e só o extraordinário se prova. Claro que, de tão confuso que é o livro, o próprio Malatesta diz o contrário, folhas adiante. Duas questões exsurgem de Mala-atesta: um, que não se deve utilizar um autor “por partes”, em “fatias”; dois, que não se pode dizer que o ordinário se presume. Presunções são próprias de sistemas inquisitoriais. Isso para dizer o menos.

Mas a questão que mais bate com o conto de Tolstói é o artigo 23 da LC 64, pelo qual

O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal julgou constitucional o referido dispositivo (ADI 1082). Nas palavras do relator, ministro Marco Aurélio (Regras que permitem produção de provas por juiz eleitoral são válidas),

A possibilidade de o juiz formular presunções mediante raciocínios indutivos feitos a partir da prova indiciária, e fatos publicamente conhecidos ou das regras de experiência não afronta o devido processo legal, porquanto as premissas da decisão devem ser estampadas no pronunciamento, o qual está sujeito aos recursos inerentes à legislação processual.

Pronto. Eis o busílis da questão. Pode, na democracia, o juiz formular presunções mediante raciocínios indutivos feitos a partir da prova indiciária? O que mais me impressiona-éosilencio-eloquente-da-comunidade-jurídica. Ela se queda silente. Sem o mínimo pudor. A doutrina não esboça a mínima ...





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