É frequente a colisão de direitos quando se trata de atritos na internet, diz Manoel Gonçalves
Colisão de direitos fundamentais quando se trata de atritos vindos da internet.
Por Livia ScocugliaBrasília
“A Constituição Federal não foi feita para o tempo da internet. Nós temos os instrumentos para proteger a liberdade de expressão e a privacidade com relação a outros meios de comunicação, como rádio de televisão, mas na internet essa questão fica nebulosa”.
Quem afirma é o professor emérito de direito constitucional da Universidade de São Paulo (USP) Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Segundo ele, é frequente a colisão de direitos fundamentais quando se trata de atritos vindos da internet.
Isso porque, explica, a Constituição Federal prevê a liberdade de expressão e do pensamento mas, por outro lado, preserva a vida privada e intimidade. “Na colisão de direitos, o juiz deve usar os princípios de ponderação e pertinência, que tem uma dose de subjetividade”.
Ferreira Filho defende a necessidade de uma regulamentação específica para internet, o que o Marco Civil da Internet não fez. “O Marco Civil da Internet foi insuficiente. Há problemas, como por exemplo, os provedores estão fora do Brasil e a justiça toma medidas drásticas, como bloquear o WhatsApp. A tecnologia anda mais depressa que o direito”, opina.
Ele participou do “XIX Congresso Internacional de Direito Constitucional”, realizado no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), em Brasília, na semana passada.
Leia a entrevista:
Como está o processo de regulamentação na internet no Brasil?
A nossa Constituição Federal não foi feita para o tempo da internet. Então estamos de certa forma desatualizados para regular a liberdade de expressão. Nós temos os instrumentos para proteger a liberdade de expressão, e para proteger a privacidade com relação aos meios normais de comunicação, como rádio de televisão. Mas na internet essa questão fica nebulosa.
O Marco Civil da internet não foi suficiente para arcar com as questões digitais?
Precisa haver uma regulamentação específica para a internet. O Marco Civil da Internet foi insuficiente. Há problemas, como por exemplo os provedores estão fora do Brasil e a justiça toma medidas drásticas, como bloquear o WhatsApp. A tecnologia anda mais depressa que o direito. Há um ditado italiano que diz: Assim que encontram uma lei, encontram uma maneira que contorná-la.
Sem leis específicas, o juiz acaba levando em consideração alguns princípios, mesmo que abstratos, para dar alguma resposta aos conflitos que aparecem no âmbito digital. O doutor poderia comentar sobre esse processo?
Nesses casos aparece a colisão de direitos fundamentais. Na internet isso é muito frequente. Você tem a liberdade de expressão do pensamento e pode dizer o que acha que é verdade, não é direito de mentir ou inventar. E por outro lado, a Constituição preserva a vida privada e intimidade.
Então, às vezes entra em choque. “A vida privada de um político deve ser levada para o jornal ou não?” Um lado diz que é vida privada e ninguém quer saber se aquele político tem ou não amante, por exemplo. O outro lado diz: “Não. Para o político a situação não é a mesma, porque a vida privada pode ser sinal de como ele vai se comportar”. O juiz é quem vai decidir. Na colisão de direitos, ele tem que usar os princípios de ponderação e pertinência, que tem uma dose de subjetividade. O Supremo analisou o caso das biografias não autorizadas, que é caso típico.
A Constituição Federal dá ênfase para a liberdade de expressão do pensamento e sua repetitividade em impedir censura. Como lidar com essa questão na internet?
A Constituição Federal é inimiga da censura. A censura é uma verificação prévia. Aqui até se compreende, porque é mais fácil se prevenir uma violação do direito, do que se corrigir uma violação do direito. Na internet, as questões são mais delicadas. Se a sua mentira sair na televisão, você nunca mais consegue eliminar aquilo. Mesmo que haja a condenação de quem mentiu ou da emissora. Com a internet isso piorou muito. Você é acusado de alguma coisa, aquilo vai para a internet e nunca mais desaparece. Agora o judiciário começa a discutir o problema do direito ao esquecimento.
Qual é o limite do direito fundamental da liberdade de expressão de pensamento?
Nenhum direito fundamental, com exceção talvez da proibição da tortura, é absoluto. Os seus direitos vão até onde começa o direito dos outros. É preciso haver uma conciliação para que todos gozem ao máximo do direito que é o papel que é reservado à lei constitucional e ordinária. Esse é o problema de aplicação do direito. Agora, a censura quer evitar e por isso acaba cometendo muita arbitrariedade. O nosso sistema não evita, mas pune. E punir as vezes não é satisfatório, porque o mal está feito.
As restrições à expressão de pensamento pela internet podem ser enquadradas no estado de defesa e no estado de sítio, determinados pela Constituição?
A Constituição brasileira tem o sistema de emergência. E no direito brasileira há duas formas de direito de emergência: uma chamada estado de defesa e outra estado de sítio. Nenhum deles trata diretamente de internet, mas permite as restrições ao sigilo de correspondências, sigilo de comunicações e etc. No estado de defesa, quando é presumidamente menos grave a situação, as medidas autorizadas são mais leves. No estado de sítio pode ser instalado a censura porque o pensamento é incendiário.
A história está cheia de exemplos: revolução por conta de uma manifestação popular ou de um discurso. Os europeus sempre narram uma revolução que aconteceu em Nápoles no século XVIII que foi causado por uma ópera. A ópera atacava os franceses e apelava para o nacionalismo dos Napolitanos e eles saíram às ruas entusiasmados com aquilo.
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