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16 de Junho de 2024
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    Em decisão colegiada inédita, STJ manda contar em dobro pena no Plácido de Sá

    Publicado por Carla Setúbal
    há 3 anos


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    A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) e confirmou decisão monocrática do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, que concedeu, em maio deste ano, habeas corpus para que seja contado em dobro todo o período em que um homem esteve preso no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, no Complexo Penitenciário de Bangu, localizado na Zona Oeste do Rio de Janeiro.

    Esta é a primeira vez que uma Turma criminal do STJ aplica o Princípio da Fraternidade para decidir pelo cômputo da pena de maneira mais benéfica ao condenado que é mantido preso em local degradante. A decisão caracteriza um importante precedente possível de ser aplicado para a resolução de situações semelhantes.

    A unidade prisional objeto do recurso sofreu diversas inspeções realizadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), a partir de denúncia feita pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro sobre a situação degradante e desumana em que os presos se encontravam. Essas inspeções culminaram na edição da Resolução CIDH de 22 de novembro de 2018, que proibiu o ingresso de novos presos na unidade e determinou o cômputo em dobro de cada dia de privação de liberdade cumprido no local – salvo para os casos de crimes contra a vida ou a integridade física, e de crimes sexuais.

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    O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) aplicou a contagem em dobro apenas para o período de cumprimento de pena posterior à data em que o Brasil foi notificado formalmente da resolução da CIDH, porque a resolução não faz referência expressa ao termo inicial da determinação.

    Após a decisão liminar do ministro Reynaldo, o MPRJ recorreu para que esse entendimento fosse restabelecido, sob o argumento de que a decisão da CIDH teria a natureza de medida cautelar provisória, motivo que impediria a produção de efeitos retroativos. Ele sustentou essa tese no fato de a resolução mencionada estabelecer prazos para o seu cumprimento.

    Eficácia vinculante da d​ecisão da CIDH

    Ao julgar o caso na Quinta Turma, o relator lembrou que, a partir do Decreto 4.463/2002, o Brasil reconheceu a competência da CIDH em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), aprovada em 1969. Sendo assim, as sentenças da CIDH são vinculantes para as partes processuais. "Todos os órgãos e poderes internos do país encontram-se obrigados a cumprir a sentença", declarou.

    Reynaldo Soares da Fonseca ponderou que, ao aplicarem a resolução apenas a partir da notificação oficial feita ao Brasil, as instâncias anteriores deixaram de cumpri-la, pois as más condições do presídio, que motivaram a determinação da CIDH, já existiam antes de sua publicação.

    No voto, o relator registrou que o MPRJ sustenta a natureza cautelar da medida, que limita os efeitos das obrigações decorrentes da resolução da CIDH para o futuro, mas aponta "para a necessidade de celeridade na adoção dos meios de seu cumprimento, tendo em vista, inclusive, a gravidade constatada das peculiaridades do caso".

    Interpretação mais favorável a que​​m teve direitos violados

    Ele destacou que, por princípio interpretativo das convenções sobre direitos humanos, é permitido ao Estado-parte ampliar a proteção conferida por elas. Assim – concluiu –, as sentenças da CIDH devem ser interpretadas da maneira mais favorável possível para quem teve seus direitos violados.

    Além disso, o relator ressaltou que as autoridades locais devem observar os efeitos das disposições da sentença internacional e adequar sua estrutura interna "para garantir o cumprimento total de suas obrigações frente à comunidade internacional", no intuito de diminuir violações e abreviar as demandas internacionais.

    Nani a charge

    Princípio da Frate​rnidade

    Durante o julgamento na Quinta Turma, os demais ministros do colegiado destacaram o caráter histórico da decisão. O ministro Ribeiro Dantas ressaltou "a importância e a profundidade do voto", e afirmou ter certeza de que se tornará um acórdão de referência no tratamento desses temas.

    O ministro Joel Ilan Paciornik afirmou que, "numa hipótese onde se detecta flagrante violação a direitos humanos pelas condições degradantes e desumanas existentes em determinados estabelecimentos prisionais, a invocação do Princípio da Fraternidade é extremamente procedente".

    Por fim, o ministro João Otávio de Noronha observou que o voto "consagra um princípio já agasalhado na Constituição Federal [o Princípio da Fraternidade], em que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte", afirmou.

    Com a decisão unânime da Quinta Turma, o STJ fixou a contagem em dobro para todo o período. Segundo a defesa, o condenado poderá alcançar o tempo necessário para a progressão de regime e o livramento condicional. Essa análise caberá à justiça do Rio de Janeiro. ​

    RHC 136961

    Tema de Redao O sistema prisional brasileiro e os seus efeitos no sculo XXI Descomplica


    AgRg no RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 136.961 - RJ (2020/0284469-3) RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA AGRAVANTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO AGRAVADO : OSMAR OLIVEIRA DE SOUZA (PRESO) ADVOGADO : ALTELANDE DOS SANTOS VALENTIM - RJ180396 RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator) : Cuida-se de agravo regimental (e-STJ fls. 353-364) interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO em face de decisão exarada às e-STJ fls. 342-347, na qual foi dado provimento ao recurso ordinário em habeas corpus (Recurso em habeas corpus), interposto por OSMAR OLIVEIRA DE SOUZA em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (HC n. 0056922-61.2020.8.19.0000). Consta dos autos que a defesa impetrou habeas corpus em favor do ora recorrente, perante a Corte estadual do Rio de Janeiro, pleiteando o cômputo em dobro de todo o período em que o paciente cumpriu pena no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, vale dizer, de 09 de julho de 2017 a 24 de maio de 2019. O Tribunal, por sua vez, denegou a ordem, nos termos da seguinte ementa (e-STJ fls. 68/69):

    Sistema Prisional Brasileiro

    HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO OBJETIVANDO O CÔMPUTO EM DOBRO DE TODO O PERÍODO EM QUE O PACIENTE CUMPRIU PENA NO INSTITUTO PENAL PLÁCIDO DE SÁ CARVALHO, VALE DIZER, DE 09 DE JULHODE 2017 A 24 DE MAIO DE 2019. Ao aderir à Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José, Costa Rica), em 25.09.1992, incorporada ao ordenamento jurídico pátrio por meio do Decreto Legislativo nº 678/92, o Estado Brasileiro reconheceu expressamente a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos no tocante à interpretação e aplicação daquele tratado. O Documento: 128437451 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 1 de 11 Superior Tribunal de Justiça artigo 63 da referida convenção internacional, preceitua que a Corte Interamericana de Direitos Humanos, poderá determinar medidas provisórias para reparação de situação que configure violação a um direito ou liberdade por ela protegidos. De outro vulto, o artigo 68 do mesmo tratado, estabelece que os Estados-Parte comprometem-se a cumprir a decisão da Corte em todos os casos em que forem partes. Nesta toada, forçoso concluir-se quanto à obrigatoriedade da determinação contida na Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 22 de novembro de 2018, que determinou o cômputo em dobro do período de cumprimento de pena privativa de liberdade dos apenados no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho. Referida resolução foi omissa quanto marco a quo da contagem, de forma que se deve aplicar as regras do ordenamento jurídico brasileiro, que confere efetividade e coercibilidade as decisões, na data de sua notificação formal, in casu, no dia 14 de dezembro de 2018. Precedente do TJRJ. Escorreita a decisão do juízo impetrado, não fazendo jus o paciente ao cômputo em dobro no tocante ao período em que esteve custodiado no suso mencionado estabelecimento prisional anteriormente ao dia 14 de dezembro de 2018.

    Com 664 infectados e 6 mortos por Covid-19 presdios seguem rotina de desamparo em Pernambuco - Ponte Jornalismo

    ORDEM CONHECIDA E DENEGADA. Em sede de recurso ordinário, pretende o recorrente seja o seu recurso provido para que, uma vez reformada a decisão atacada, que o período de pena cumprida pelo apenado, no Complexo Prisional de Gericinó, em Bangu/RJ, seja considerado em dobro, por se tratar de pena cumprida de maneira degradante e desumana, conforme determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Aduz que a contagem em dobro deve incidir sobre o total da pena cumprida de forma degradante, o que levaria o recorrente a alcançar o período necessário tanto para a progressão de regime quanto para o livramento condicional.


    Em parecer, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL opinou pelo provimento do recurso ordinário em habeas corpus. Documento: 128437451 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 2 de 11 Superior Tribunal de Justiça O recurso restou provido nos termos da decisão agravada, tendo-se determinado que "se efetue o computo em dobro de todo o período em que o paciente cumpriu pena no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, de 09 de julho de 2017 a 24 de maio de 2019." (e-STJ fls. 346) Em sede de agravo regimental (e-STJ fls. 353-364) o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO aduz, em suas razões, que a determinação exarada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, por meio da Resolucao de 22 de novembro de 2018 da CIDH, teria a natureza de medida cautelar provisória, nos termos do art. 63.2 da Convenção Americana apontada. Aduz que, ante tal circunstância, referida resolução não poderia produzir efeitos retroativos, devendo produzir efeitos jurídicos tão somente ex nunc, a contar da intimação da parte obrigada. Assevera que o fato de mencionada resolução estabelecer prazos para seu cumprimento corrobora tal entendimento. Pugna pelo provimento do agravo e reforma da decisão atacada. É o relatório. Documento: 128437451 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 3 de 11 Superior Tribunal de Justiça AgRg no RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 136.961 - RJ (2020/0284469-3).

    Sistema Prisional Brasileiro


    VOTO O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator) : Inicialmente, no que concerne à legitimidade do agravante para interposição do recurso ora em apreço, nada obstante os princípios de unidade e indivisibilidade constitucionais que regem o Ministério Público, importa destacar precedente no sentido de que "não há sentido em se negar o reconhecimento do direito de atuação dos Ministérios Públicos estaduais e do Distrito Federal perante esta Corte, se a interpretação conferida pelo STF, a partir de tema que assume, consoante as palavras do Ministro Celso de Mello, 'indiscutível relevo jurídico-constitucional' (RCL-AGR n.7.358) aponta na direção oposta, após evolução jurisprudencial acerca do tema" (AgRg nos EREsp n. 1.256.973/RS, relatora Ministra Laurita Vaz, relator p/ acórdão MinistroRogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 27/8/2014, DJe 6/11/2014). Interpretação do Supremo Tribunal Federal e desta Corte Superior. Sendo assim, cedendo passo à Jurisprudência mencionada, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do agravo regimental. Verifica-se, porém, que o recurso não apresenta argumento capaz de desconstituir os fundamentos que embasaram a decisão impugnada. Como restou asseverado na decisão impugnada, a hipótese dos autos diz respeito ao notório caso do Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho no Rio de Janeiro (IPPSC). A referida unidade prisional foi objeto de inúmeras Inspeções que culminaram com a Resolução da Corte IDH de 22/11/2018, que, ao reconhecer referido instituto inadequado para a execução de penas, especialmente em razão de os presos se acharem em situação degradante e desumana, determinou no item n. 4, que se computasse "em dobro cada dia de privação de liberdade cumprido no IPPSC, para todas as pessoas ali alojadas, que não sejam Documento: 128437451 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 4 de 11 Superior Tribunal de Justiça acusadas de crimes contra a vida ou a integridade física, ou de crimes sexuais, ou não tenham sido por eles condenadas, nos termos dos Considerandos 115 a 130 da presente resolução”. Ao denegar a ordem, o Tribunal a quo, no acórdão recorrido, assim se pronunciou, no que aqui interessa (e-STJ fls 72):"(...) Nesta toada, forçoso concluir-se quanto à obrigatoriedade da determinação contida na Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 22 de novembro de 2018, que determinou o cômputo em dobro do período de cumprimento de pena privativa de liberdade dos apenados no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho. Posto isto, não se discute o direito à contagem em dobro da pena, tanto o é, que o pleito foi acolhido pelo juízo impetrado. Referida resolução foi omissa quanto marco a quo da contagem, de forma que se deve aplicar as regras do ordenamento jurídico brasileiro, que confere efetividade e coercibilidade as decisões, na data de sua notificação formal, in casu, no dia 14 de dezembro de 2018."O Juízo da Execução, por sua vez, sobre o tema ventilado, assim havia se manifestado (e-STJ fls. 57):"(...) No que se refere ao termo a quo a partir do qual a medida ora em escopo é aplicável, deve-se ter como parâmetro o dia 14/12/2018, data em que o Brasil foi formalmente notificado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos para cumprimento das medidas dispostas na Resolucao de 22/11/2018. Pelo vigo de todo o exposto, DEFIRO o pleito. CUMPRA-SE a Resolução CIDH de 22/11/2018, computando-se EM DOBRO o tempo de pena cumprida pelo penitente no Instituto Plácido Sá Carvalho de 17.08.2018 até 06.09.2019, conforme TFD, ou seja, pelo período em que esteve configurada a situação constatada pela CIDH. Registre-se o incidente de "remição', explicitando-se o período de prisão ora"dobrado'."Conforme se extrai dos trechos transcritos, a controvérsia se cinge ao termo Documento: 128437451 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 5 de 11 Superior Tribunal de Justiça inicial de efetividade da já mencionada a Resolução da Corte IDH, de 22 de novembro de 2018, no que tange ao item 4, onde se determinou que se computasse “em dobro cada dia de privação de liberdade cumprido no IPPSC, para todas as pessoas ali alojadas, que não sejam acusadas de crimes contra a vida ou a integridade física, ou de crimes sexuais, ou não tenham sido por eles condenadas, nos termos dos Considerandos 115 a 130 da presente resolução”. Vale asseverar, por oportuno, que, conforme constatado pelo Juiz da Execução, na hipótese," não houve vulneração da integridade física das vítimas "(e-STJ fls. 56), situação que, de plano, afasta qualquer necessidade de digressão acerca do tema, ante os termos do item 4 retrotranscrito. Posta tal premissa, a aprovação da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), também conhecida como Pacto de San Jose da Costa Rica, em 1969, trouxe aos Estados americanos, signatários do documento internacional, uma série de direitos e deveres envolvendo o tema. A partir do Decreto 4.463, de novembro de 2002, o Brasil submeteu-se à jurisdição contenciosa da Corte IDH e passou a figurar no polo passivo de demandas internacionais, o que resultou em obrigações de ajustes internos para que suas normas pudessem se coadunar com a Convenção Americana de Direitos Humanos. Ao sujeitar-se à jurisdição da Corte IDH, o País amplia o rol de direitos das pessoas e o espaço de diálogo com a comunidade internacional. Com isso, a jurisdição brasileira, ao basear-se na cooperação internacional, pode alargar a efetividade dos direitos humanos. Documento: 128437451 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 6 de 11 Superior Tribunal de Justiça As sentenças emitidas pela Corte IDH, por sua vez, têm eficácia vinculante aos Estados que sejam partes processuais, não havendo meios de impugnação aptos a revisar a decisão exarada. Em caso de descumprimento da sentença, a Corte poderá submetê-la à análise da Assembleia Geral da Organização, com o fim de emitir recomendações para que as exigências sejam cumpridas e ocorra a consequente reparação dos danos e cessação das violações dos direitos humanos. A supervisão de cumprimento de sentença ocorre pela própria Corte, a qual pode requerer informações ao Estado-parte, quando consideradas pertinentes. Essa característica deriva do princípio internacional do pacta sunt servanda. Isto é, parte-se da premissa que os Estados têm de cumprir suas obrigações e deveres de boa-fé ao assumirem a responsabilidade diante da comunidade internacional. Tal princípio evita que os Estados se eximam das obrigações adimplidas, perante o Direito Internacional, em razão de seu direito interno, o qual deve se coadunar com as resoluções e documentos internacionais dos quais faça parte. A propósito, o artigo 26 da CADH afirma que os Estados-partes se comprometem a adotar, tanto no âmbito interno quanto no internacional, as providências necessárias para conseguir o desenvolvimento progressivo e a plena efetividade dos direitos constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, inclusive para prevenir a violação dos direitos humanos. Portanto, a sentença da Corte IDH produz autoridade de coisa julgada internacional, com eficácia vinculante e direta às partes. Todos os órgãos e poderes internos do país encontram-se obrigados a cumprir a sentença. Sobre o tema vale destacar o art. 69 da CADH que afirma que a “sentença da Corte deve ser notificada às partes no caso e transmitida aos Estados Partes na Convenção”. Documento: 128437451 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 7 de 11 Superior Tribunal de Justiça Contudo, na hipótese, as instâncias inferiores ao diferirem os efeitos da decisão para o momento em que o Estado Brasileiro tomou ciência da decisão proferida pela Corte Interamericana, deixando com isso de computar parte do período em que o recorrente teria cumprido pena em situação considerada degradante, deixaram de dar cumprimento a tal mandamento, levando em conta que as sentenças da Corte possuem eficácia imediata para os Estados Partes e efeito meramente declaratório. No que diz respeito à alegação inovadora, trazida em sede de agravo regimental, no sentido de que que a determinação exarada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, por meio da Resolucao de 22 de novembro de 2018 da CIDH, teria a natureza de medida cautelar provisória e que, ante tal circunstância, mencionada resolução não poderia produzir efeitos retroativos, devendo produzir efeitos jurídicos ex nunc, melhor sorte não assiste ao recorrente. O caráter de urgência apontado pelo recorrente na medida provisória indicada não possui o condão de limitar os efeitos da obrigação decorrentes da Resolucao de 22 de novembro de 2018 da CIDH para o futuro (ex nunc), mas sim de apontar para a necessidade de celeridade na adoção dos meios de seu cumprimento, tendo em vista, inclusive, a gravidade constatada das pecualiaridades do caso. No plano doutrinário, corroborando tal entendimento, acerca do efeito das medidas de urgência decorrentes das questões submetidas à Corte, leciona Amaral Júnior que"em caso de extrema gravidade e urgência, e quando se fizer necessário evitar danos irreparáveis às pessoas, a Corte nos assuntos a ela submetidos, poderá adotar medidas provisórias que considerar pertinentes. Quando decidir que houve violação de um direito ou liberdade protegidos pela Convenção, a Corte determinará que se assegure ao Documento: 128437451 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 8 de 11 Superior Tribunal de Justiça prejudicado o gozo ou liberdade violado."(grifei, in AMARAL JÚNIOR, Aberto do. Manual do candidato; noções de direito internacional - 4. ed. atual. - Brasília: FUNAG, 2015). Da lição mencionada se extrai que as referida medidas de urgência, ao contrário de carecer de relevância e força executiva, possuem a natureza de medida cautelar garantidora da efetividade da sentenças da Corte IDH, ganhando, portanto, em importância, na extensão em que visam, em última análise, assegurar sejam reparadas consequências da situação que haja configurado a violação de direitos, não significando, com isso, possuam efeito restritivo ex nunc. A interpretação aventada pelo recorrente, na hipótese, careceria, inclusive, de viés sentido interpretativo lógico, na medida em que significaria, em última instância, limitar no tempo, de forma arbitrária, as circunstâncias degradantes de cumprimento carcerário que motivaram o cômputo em dobro da pena pela Corte. De fato, não se mostra possível que a determinação de cômputo em dobro tenha seus efeitos modulados como se o recorrente tivesse cumprido parte da pena em condições aceitáveis até a notificação e a partir de então tal estado de fato tivesse se modificado. Em realidade, o substrato fático que deu origem ao reconhecimento da situação degradante já perdurara anteriormente, até para que pudesse ser objeto de reconhecimento, devendo, por tal razão, incidir sobre todo o período de cumprimento da pena. Nesse ponto, vale asseverar que, por princípio interpretativo das convenções sobre direitos humanos, o Estado-parte da CIDH pode ampliar a proteção dos direitos humanos, por meio do princípio pro personae, interpretando a sentença da Corte IDH da maneira mais favorável possível aquele que vê seus direitos violados. No mesmo diapasão, as autoridades públicas, judiciárias inclusive, devem Documento: 128437451 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 9 de 11 Superior Tribunal de Justiça exercer o controle de convencionalidade, observando os efeitos das disposições do diploma internacional e adequando sua estrutura interna para garantir o cumprimento total de suas obrigações frente à comunidade internacional, uma vez que os países signatários são guardiões da tutela dos direitos humanos, devendo empregar a interpretação mais favorável ao Ser Humano. Logo, os juízes nacionais devem agir como juízes interamericanos e estabelecer o diálogo entre o direito interno e o direito internacional dos direitos humanos, até mesmo para diminuir violações e abreviar as demandas internacionais. É com tal espírito hermenêutico que se dessume que, na hipótese, a melhor interpretação a ser dada, é pela aplicação a Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 22 de novembro de 2018 a todo o período em que o recorrente cumpriu pena no IPPSC. Aliás, essa particular forma de parametrar a interpretação das normas jurídicas (internas ou internacionais) é a que mais se aproxima da Constituição Federal, que faz da cidadania e da dignidade da pessoa humana dois de seus fundamentos, bem como tem por objetivos fundamentais erradicar a marginalização e construir uma sociedade livre, justa e solidária (incisos I, II e III do art. 3º). Tudo na perspectiva da construção do tipo ideal de sociedade que o preâmbulo da respectiva Carta Magna caracteriza como"fraterna"(HC n. 94163, Relator Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma do STF, julgado em 2/12/2008, DJe-200 DIVULG 22/10/2009 PUBLIC 23/10/2009 EMENT VOL-02379-04 PP-00851). O horizonte da fraternidade é, na verdade, o que mais se ajusta com a efetiva tutela dos direitos humanos fundamentais. A certeza de que o titular desses direitos é qualquer pessoa, deve sempre influenciar a interpretação das normas e a ação dos atores do Direito e do Sistema de Justiça (FONSECA, Reynaldo Soares da. O Princípio Constitucional da Fraternidade: seu resgate no Sistema de Justiça. Belo Horizonte: D'Plácido, 2019). Documento: 128437451 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 10 de 11 Superior Tribunal de Justiça Sobre o tema, recordo a expressiva doutrina brasileira: BRITTO, Carlos Ayres. O Humanismo como categoria constitucional. Belo Horizonte: Forum, 2007; MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. A Fraternidade como Categoria Jurídica: fundamentos e alcance (expressão do constitucionalismo fraternal). Curitiba: Appris, 2017; MACHADO, Clara. O Princípio Jurídico da Fraternidade. - um instrumento para proteção de direitos fundamentais transindividuais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017; PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva, 2017; VERONESE, Josiane Rose Petry; OLIVEIRA, Olga Maria Boschi Aguiar de; Direito, Justiça e Fraternidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. Por fim, de se apontar óbice de cunho processual ao provimento do recurso de agravo interposto, consistente no fato de que o recorrente se limitou a indicar eventuais efeitos futuros da multimencionada Resolucao de 22 de novembro de 2018 da CIDH fulcrado em sua natureza de medida de urgência, sem, contudo, atacar os fundamentos da decisão agravada, circunstância apta a atrair o óbice contido no Verbete Sumular 182 do STJ, verbis:"É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada."Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental interposto, mantendo, por consequência, a decisão que, dando provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, determinou cômputo em dobro de todo o período em que o paciente cumpriu pena no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, de 09 de julho de 2017 a 24 de maio de 2019.

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    2 Comentários

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    Edu Rc
    2 anos atrás

    Oras, nem de longe prisão deve ser como as do Brasil, mas vamos combinar, estar lá é uma escolha. Se é para contar em dobro, porque não em triplo? Quadruplo? Ou simplesmente soltar? continuar lendo

    Perfil Removido
    2 anos atrás

    Coitados, né?! Por que a defensoria pública não pede "fiscalização" do orgão regulador internacional aos Hospitais públicos do RJ? Inundados de médicos fantasmas que ocasionam mortes de doentes no pavilhão de entrada do Hospital.
    absurdo uma situação dessas! Vagabundo que roubou e assaltou tem mais direito que um cidadão que levanta às 05hr da manhã para sustentar a bodega do Estado para trazer fiscalizadores para ver se os bandidos estão sendo bem 'tratados'. ÓDIO!!! continuar lendo