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16 de Junho de 2024
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    Filme de Silvio Tendler relembra golpe que derrubou João Goulart há 50 anos

    Publicado por Folha Online
    há 11 anos

    ELEONORA DE LUCENA

    ENVIADA ESPECIAL AO RIO

    Quando o filme "Jango" estreou, em 1984, foi um sucesso. A ditadura militar estava se esvaindo, e a campanha pelas Diretas-Já ganhava as ruas. As salas de cinema se encheram e a música da fita --"Coração de Estudante", de Milton Nascimento-- virou a trilha sonora do momento.

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    Passados quase 30 anos, o documentário de Silvio Tendler é destaque na retrospectiva que o 18º festival É Tudo Verdade mostra a partir desta semana e que inicia as discussões sobre os 50 anos do golpe que derrubou João Goulart (1919-1976) em 1964.

    Herdeiro político de Getúlio Vargas, Jango morreu em circunstâncias não esclarecidas, que serão investigadas pela Comissão da Verdade.

    Há indícios de que ele tenha sido assassinado pela Operação Condor (ação conjunta das ditaduras da América do Sul), e a exumação de seus restos mortais, autorizada pela família, pode ser feita.

    "Jango era o homem das reformas sociais, ele dividia, tinha um estigma forte", afirma Tendler, ao lembrar hoje os dilemas para a produção do filme, iniciada em 1981.

    No ano anterior, ele tinha lançado "Os Anos JK", sobre Juscelino Kubitschek, e conhecido as pressões de militares sofridas pelo seu produtor, o empresário do setor naval Hélio Ferraz.

    "JK era mais unanimidade, pegava bem na classe média, nos industriais. Se eu tinha tido dificuldades com JK, imagina com Jango?", diz o diretor. Mas o dinheiro apareceu. A primeira cota veio de Denize Goulart, filha de Jango. Ela fez interferências no filme? "Nenhuma", declara.

    A segunda cota foi de um doador que pediu anonimato, mas que Tendler agora revela à Folha. Trata-se de Antônio Balbino (1912-1992), que foi governador da Bahia e ministro nos governos Vargas e Goulart.

    "Ele era um advogado muito rico. Quando assinou o cheque, me disse: 'Estou dando esse dinheiro em homenagem ao doutor Getúlio'", conta o cineasta.

    Para fechar as contas, entraram o empresário Ferraz e os artistas e técnicos envolvidos no trabalho. Em valores de hoje, Tendler calcula que a fita tenha custado cerca de R$ 200 mil.

    "Ninguém fez o filme para ganhar dinheiro. Ele nasceu da paixão", diz. Mas "Jango" acabou dando "muito dinheiro, se pagou em um mês ou dois. Estávamos com 17 cópias pelo país inteiro. Era o filme das Diretas", recorda.

    Leia trechos da entrevista de Silvio Tendler à Folha abaixo:

    *

    Folha - Como foi a produção de "Jango"?

    Silvio Tendler - Acabei de descobrir que o documentarista não faz filmes: ele faz um único filme ao longo da vida. Quando ele termina descobre que fez um filme só. Cada filme é continuação do outro. É diferente do ficcionista que faz um musical hoje, um suspense amanhã. Ele vai falando de coisas porque pertence à industria do entretenimento. É ela que produz a bola da vez: hoje o que vende é isso, então vamos fazer. Tenho um compromisso ideológico e cultural com o que eu faço. Os meus filmes todos têm uma sequência, ainda que não se pareçam entre si. Meu filme de estreia no Brasil, nos anos 80, foi "Os anos JK", ainda na ditadura militar, em pleno AI-5. O produtor do filme foi ameaçado, no sentido de parar a produção.

    Ameaçado por quem?

    Helio Paulo Ferraz era um industrial naval que era produtor do filme, um amigo meu de juventude, filho de um grande armador, o Paulo Ferraz. Eles tinham muito dinheiro e, por uma tradição de família, colocavam dinheiro na cultura. O irmão dele, o Buza Ferraz, resolve abrir produtora de cinema, mas se desinteressa um pouco. O Hélio tem que botar a produtora para funcionar. Eu volto para o Brasil, o procuro e topo fazer cinema documentário.

    JK tinha morrido em agosto de 1976 e tinha sido uma comoção. Terminamos "JK" em 1980. Coincidiu com a redemocratização. Em 1977, estive com Sara Kubitschek e ela me disse: 'Vocês são pessoas de muita coragem'. Ela queria comprar um terreno para o memorial e no governo Geisel era assim: para a família JK nada. Em 1981, o [João Baptista] Figueiredo inaugurou o memorial JK. A história muda rápido. Mas eu fiz o "JK" fiz nesse clima de censura.

    Como foram essas pressões?

    Paulo Ferraz --que termina se suicidando por conta das pressões de governo que ele vai sofrer depois-- era um cara que apoiava o [Mario] Andreazza, era ligado a um grupo de militares também. Imagina quantos almirantes não havia na Companhia de Comércio e Navegação, no estaleiro Mauá. Os caras pressionaram ele. Um dia o Hélio Ferraz chamou a gente muito preocupado e disse: 'Estamos sofrendo uma pressão muito grande para parar o filme'. Eu estava trabalhando com o irmão do Hélio, o Antônio Paulo, que era um cara de esquerda. O Antonio Paulo falou com o irmão: 'Nós não vamos parar o filme. E o Hélio bancou, sabendo que era uma aventura temerária. Ele poderia sofrer represálias econômicas, não acredito que políticas. Ele foi o único patrocinador. Na época pedi financiamento à Embrafilme _não a fundo perdido, como outros cineastas ganhavam. O Hélio dava garantias reais, mas a Embrafilme nunca respondeu. Aí começou aquela discussão sobre a Embrafilme ser porno-chic e ela pegou a distribuição do filme e fez do filme o seu cartão de visita.

    E como "Jango" começou?

    Li no jornal uma notinha de três linhas dizendo que o Raul Riff, que tinha sido secretário de imprensa do Jango, estava com umas cópias de filmes de vistas do Jango a China e a URSS. Telefonei para ele --eu não o conhecia-- e pedi para vê-las. Ele montou uma sessão para mim numa sala de cinema em Laranjeiras que pertencia ao Jean Manzon [cineasta que fez filmes para a oposição a Jango e, depois, para a ditadura militar]. Ele me convidou para jantar e atacou de bate pronto: 'Por que não fazes um filme sobre o Jango?'

    Eu disse: 'Adoraria, mas Jango não é JK'. Sabia que seria muito mais difícil, pois Jango tinha um estigma muito mais forte. O JK era mais unanimidade, pegava bem na classe média, entre industriais, era um desenvolvimentista. O Jango era o homem das reformas sociais, ele dividia. A esquerda era dividida em relação a ele, era mais difícil. 'Se eu tive dificuldades com JK, imagina com o Jango!' eu disse. Riff falou: 'Eu te ajudo, arrumo dinheiro'. Ele falou com a família Goulart, que disse que compraria cotas. No final, a Denize Goulart entrou com uma cota, que foi com o que a gente pode deslanchar o filme.

    Houve interferência da família, já que ela era patrocinadora?

    Nenhuma. Muito me orgulho. O único filme --que na verdade não é produção minha, é do Roberto Dávila-- onde teve diálogos com a família foi o "Tancredo". Eu perguntei para a Denize: 'O que eu posso falar e o que não posso?' Havia, por exemplo, arestas com o [Leonel] Brizola. 'Como eu trato o Brizola?', perguntei. Ela falou: 'Como você achar que deve ser tratado, a responsabilidade é sua. Quero fazer uma homenagem a meu pai. O conteúdo do filme é teu. Não tive nenhum problema com a família Goulart. Não me disseram que eu não poderia entrevistar tal pessoa, não poderia falar de tal coisa. Nem me recomendaram chapas-brancas para entrevistar. Comecei a fazer o filme em 1981 e tinha eleição em 1982. Começaram as pressões para ouvir tal pessoa, porque achavam que o filme ia ficar pronto em 1982 e poderia ser um bom trampolim.

    Quem, por exemplo?

    Muitos candidatos. Todo mundo que queria ser candidato queria aparecer no filme. É assim em todo trabalho. Fui muito cauteloso. Um documentário desses precisa de dois anos e meio. Eu comecei no fim de 1981 e sabia que ele jamais ficaria pronto em 1982. Mas as pessoas esperavam para a campanha de 1982. Não ficou pronto. E começou todo um bate boca para saber se eu não tinha acabado o filme para 82 para beneficiar ou para prejudicar o Brizola, que era candidato a governador [e venceu]. Eu dizia: 'Não fiz nem para prejudicar nem para...

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