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17 de Junho de 2024
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    Habeas Corpus coletivo é a única solução para o caos do sistema prisional brasileiro

    Publicado por Justificando
    há 7 anos

    Nos últimos dias o caos do sistema prisional tomou conta dos noticiários. Isso porque no dia 2, 60 presos foram mortos em Manaus, no Amazonas. Hoje (6) mais 33 presos foram assassinados em Boa Vista, Roraima. O saldo já é de 93 mortes nos 6 primeiros dias deste ano, e tudo indica que os números irão aumentar. Os olhos da comunidade internacional estão voltados para o Brasil. A cúpula do Poder Judiciário e do Executivo federal estão em polvorosa, vendendo as mesmas velhas “soluções” de sempre: mais e mais presídios; mais e mais rigor penal. No entanto, a solução mais eficaz para sanar essa crise seria bastante simples: a concessão de habeas corpus coletivo para todos aqueles que se encontram aprisionados em condições subumanas e de superpopulação. Nesse cenário, a ilegalidade da prisão que mata parece mais do que evidente.

    Com efeito, Michel Temer – que sempre foi conhecido pelo excesso de cuidado no uso das palavras – disse que a chacina de Manaus foi um “acidente”. Ocorre que o sistema prisional brasileiro está colapsa (n) do já faz tempo. Desde o relatório da CPI dos presídios, em em 2007, já se tem provas documentais sobre as condições indignas das prisões. Poderia ainda citar a medida cautelar da ADPF 347, em que o STF reconheceu o Estado de Coisas Inconstitucional dos presídios; ou os levantamentos consecutivos do INFOPEN que dão conta do crescimento da população prisional em 575% nos últimos 25 anos, além do déficit de 231 mil vagas; ou ainda as 5 medidas cautelares concedidas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos contra o Brasil apenas no últimos 3 anos[1]; ou quem sabe o Relatório Especial da ONU de 2015 sobre tortura e outros tratamentos de penas cruéis, desumanas ou degradantes no Brasil. Especificamente quanto ao caso do Compaj, em Manaus, a Pastoral Carcerária já denunciava sua precariedade desde 2014!

    Diante desse quadro, não há outra solução para resolver a questão a não ser o desencarceramento. Não há como salvar a prisão. Devemos salvar as pessoas da prisão.

    O decreto de indulto natalino poderia ter contribuído sobremaneira para o desencarceramento e minimização desse quadro, ampliando as possibilidades de concessão do perdão diante da absoluta falência material do Estado em executar as penas privativas de liberdade. No entanto, para agravar ainda mais a situação, o caminho escolhido foi o oposto. Extinguiu-se a possibilidade de comutacao de penas e se reduziu o cabimento do referido perdão. Isso Sem contar a aposta na falida guerra as drogas, infelizmente também revigorada pelo atual Ministro da Justiça. Mas ainda há outro caminho.

    A concessão de habeas corpus coletivo é a única solução capaz de colocar fim imediato as violações de direitos humanos de quem está cumprimento pena hoje no Brasil. A ilegalidade da prisão é evidente. A taxa de ocupação atual é de 161%, ou seja, significa dizer que as pessoas estão amontoadas umas em cima das outras. Além disso, falta de tudo no cárcere: racionamento de água, ausência de assistência médica, comida intragável, superexposição ao calor/frio, proliferação de doenças infectocontagiosas, além do risco de morte em razão da disputa de poder entre facções, como visto recentemente. Diante de todas essas ilegalidades, ao Poder Judiciário não haveria outra opção a não ser conceder habeas corpus coletivo de ofício. Aliás, o STF poderia ter feito isso quando reconheceu a inconstitucionalidade das prisões no julgamento da cautelar da ADPF 347.

    Como efeito, não se olvida que há defensores da impossibilidade da concessão habeas corpus coletivo, mas ousamos discordar, pelas seguintes razões.

    Primeiro, a violação de direitos humanos no cárcere é sistêmica e atinge mais de meio milhão de pessoas, não sendo razoável a impetração de habeas corpus para cada indivíduo preso. Segundo, a falta do nome de cada paciente (requisito do art. 654, § 1º, ‘a’, CPP) não pode ser um argumento impeditivo, pois o CPP deve ser interpretado a partir da Constituição, e não o inverso. Terceiro, o art. , XXXV da CF prevê a que a lei não poderá afastar lesão ou ameaça a direto do controle jurisdicional, não excluindo as lesões de caráter coletivo ou meta individual. Quarto, a Constituição prevê a possibilidade de impetração de mandado de segurança coletivo, que protege direito diverso da liberdade de ir e vir, portanto, com muito mais razão o cabimento de habeas corpus coletivo, já que este protege o direito à liberdade. Quinto, o STJ já concedeu habeas corpus coletivo, embora sem usar essa terminologia, conforme HC 142.513/ES, da relatoria do Min. Nilson Naves, em que se concedeu a ordem para libertar qualquer pessoa que estivesse presa em container de carga. Por fim, vale a leitura do parecer do prof. Daniel Sarmento quanto a possibilidade da concessão de habeas corpus coletivo[2].

    Diante da sistemática violação de direitos no cárcere, qualquer pessoa presa no Brasil tem direito a concessão de habeas corpus em seu favor.

    Não se pode aceitar o discurso de que serão construídas mais prisões, e de que são os presos os responsáveis pelas mortes ocorridas, ou de que o aumento do rigor penal irá resolver essa crise. Além disso, o Poder Judiciário deve abandonar o papel de combate ao crime e assumir seu papel constitucional de garantidor de direitos, pois é o Poder Judiciário responsável pela prisão de mais de 700 mil pessoas.

    A solução proposta é impopular, e diante da mentalidade punitivista que povoa o senso comum jurídico, não tem a menor chance de vingar. Mas o habeas corpus coletivo se apresenta como a única medida capaz de reverter o quadro atual. O momento impõe que as instituições se irmanem para promover o desencarceramento. Caso contrário, o número de mortes e de violações nos presídios continuará aumentando. A catástrofe havia sido anunciada.

    Theuan Carvalho Gomes da Silva é Mestrando em direito pela UNESP. Pós-graduando em direitos humanos pela USP. Pesquisador do NEPAL/UNESP. Associado ao IBCCRIM e ao IDDD. Advogado criminalista.

    [1] Medida cautelar n. 367/2013; Medida cautelar n. 08/2013; Medida cautelar n. 60/2015. Medida cautelar n. 208/2016; Medida cautelar n. 43/2016.

    [2] SARMENTO, Daniel; BORGES, Ademar; GOMES, Camilla. O cabimento do habeas corpus coletivo na ordem constitucional brasileira. Disponível em: c . Acesso em: 17.11.2015.

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