Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
16 de Junho de 2024
    Adicione tópicos

    Interceptação telefônica e serendipidade: encontro fortuito de fatos ou agentes novos.

    há 15 anos

    Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio; Donati, Patricia. Interceptação telefônica e serendipidade: "encontro fortuito de fatos ou agentes novos". Disponível em http://www.lfg.com.br. 08 de abril de 2009.

    A Terceira Seção do STJ analisou no CC (Conflito de Competência) nº. 87.589 -SP a quem compete processar e julgar o crime de rufianismo, descoberto por meio de interceptação telefônica realizada pela Justiça Federal, na investigação de crime relacionado ao tráfico internacional de mulheres e falsificação de documentos. Investigava-se um delito e descobriu-se outro.

    Trata-se de conflito negativo de competência em que a Justiça Federal e a Estadual se declararam incompetentes, em razão da natureza do crime principal (tráfico internacional de mulheres e falsificação de documentos) e do fato descoberto ao longo das interceptações (rufianismo, que é punido com reclusão, diga-se de passagem).

    A título de conhecimento, o juiz competente para a determinação da interceptação telefônica é aquele constitucional e legalmente previsto para conhecer e julgar determinado tipo de ilícito. Em outras palavras, a competência, nesses casos, se determina, essencialmente, pela finalidade da interceptação.

    A Lei nº. 8.296 /96 (que regulamenta a interceptação telefônica no Brasil) exige, ainda, que se trate de juiz competente para a ação principal.

    De acordo com a decisão proferida pela Terceira Seção do STJ, não há como reconhecer a relação de dependência entre tais crimes (principal - tráfico internacional de mulheres e o acessório - rufianismo), o que evidencia a competência da Justiça Estadual para o julgamento desse último. A descoberta do delito se deu dentro de uma investigação vinculada à Justiça federal.

    Quem determinou a interceptação foi um juiz federal. Mas o fato passou (posteriormente) para a competência da Justiça estadual. A competência se firma no momento em que a ação é proposta ou no momento em que um pedido cautelar (como é o caso da interceptação telefônica) é apresentado ao juízo. Rebus sic stantibus (naquele momento inicial as circunstâncias se dirigiam para a competência federal). Nesse sentido, a prova é válida.

    Outro ponto que nos chama a atenção é o seguinte: em momento algum a Corte se pronunciou sobre a possibilidade ou não de a interceptação realizada em relação aos crimes de tráfico internacional de mulheres e falsificação de documentos valer também para o delito de rufianismo (que foi descoberto por acaso). Procurava-se x e encontrou-se y.

    Isso é o que a doutrina chama de "encontro fortuito de fatos novos" ( hallazgos fortuitos ) ou "descubrimientos causales "ou"descubrimientos acidentales " (ou Zufallsfunden ). Mais recentemente, escrevemos um artigo no sentido de que também é adequada e correta a palavra "serendipidade" (cf . blog do lfg).

    Vale lembrar que a Lei nº. 8.296 /96, ao tratar dos pressupostos básicos de toda e qualquer interceptação telefônica, impõe a necessidade de o solicitante da medida e o próprio juiz, ao autorizá-la, descrever com clareza a situação objeto da investigação (individualização objetiva).

    Assim, em princípio, o que se espera é a existência de identidade entre o fato indicado e o efetivamente investigado. Na eventualidade de que haja discordância, é indispensável que se comunique o magistrado para que o mesmo delibere a respeito.

    Muito se questiona no mundo jurídico a validade da prova assim obtida. Para o direito alemão, consoante jurisprudência pacífica do Tribunal Supremo, a prova assim alcançada tem valor jurídico, dede que o fato encontrado guarde conexão com o fato investigado e que seja um dos crimes que autorizaram a interceptação (ou seja: um dos crimes do catálogo). É preciso que o fato esteja na mesma situação histórica de vida do delito investigado ( historischen Lebenssachverhalt ) e, ainda, no catálogo dos crimes constantes do rol previsto na lei (StPO, parágrafo 100). Já no direito italiano, admite-se, censuravelmente, qualquer encontro fortuito, desde que o fato descoberto tenha conexão com algum crime cuja prisão seja obrigatória.

    No direito espanhol, assim como no Brasil, não há uma doutrina incontroversa sobre o assunto. Entende-se majoritariamente que a prova somente será válida quando se descobre "fato delitivo conexo com o investigado". Quando se descobre outra pessoa, distinta da que era investigada, a descoberta vale como prova desde que haja continência (entre eles).

    Logo, se o fato não é conexo ou versa sobre outra pessoa (que não tem nenhum vínculo com os fatos investigados), não poderá valer como prova, podendo, apenas, servir como fonte de prova, ou seja, notitia criminis para fundamentar uma nova investigação.

    Nesse sentido, temos duas hipóteses. Encontro fortuito de fatos conexos - encontro de primeiro grau e encontro fortuito de fatos não conexos - encontro de segundo grau. A nosso ver, apenas na primeira é possível reconhecer a validade das provas obtidas.

    Concluindo, entendemos que, se o fato objeto do encontro fortuito é conexo ou se o agente encontrado casualmente guarda relação de continência com o investigado é válida a interceptação telefônica como meio probatório, inclusive em relação ao fato extra descoberto (ou em relação ao agente "extra" encontrado por acaso).

    A conexão no direito processual brasileiro é extraída do art. 76 do CPP . Há critérios legais para se definir esse nexo. O art. 76 citado muito se aproxima do critério doutrinário fixado no direito processual alemão, que adota o seguinte: a descoberta vale como prova se o fato encontrado casualmente está na mesma situação histórica de vida do delito investigado ( historischen Lebenssachverhalt ).

    • Sobre o autorTradição em cursos para OAB, concursos e atualização e prática profissional
    • Publicações15363
    • Seguidores876049
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações813
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/interceptacao-telefonica-e-serendipidade-encontro-fortuito-de-fatos-ou-agentes-novos/991234

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)