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16 de Maio de 2024
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    Juizado de Violência Doméstica e Familiar: a Toca do Coelho de histórias sem finais felizes

    Publicado por Justificando
    há 9 anos

    Alice é a mulher, sujeito de direito e vítima de violência de gênero e doméstica todos os dias no Brasil (País das Maravilhas), devido à cultura machista e patriarcal de nossos antepassados, bem como o bem jurídico protegido pela Lei Maria da Penha.

    Uma Alice a cada quatro minutos é agredida no Brasil. Nesse universo de Alices, 77% relataram viver em situação de violência, sofrendo agressões semanais ou diárias. Em mais de 80% dos casos, a violência foi cometida por homens com quem as vítimas têm ou tiveram algum vínculo afetivo.[1]

    Em 2014, do total de 52.957 denúncias de violência contra as Alices, 27.369 corresponderam a denúncias de violência física (51,68%), 16.846 de violência psicológica (31,81%), 5.126 de violência moral (9,68%), 1.028 de violência patrimonial (1,94%), 1.517 de violência sexual (2,86%), 931 de cárcere privado (1,76%) e 140 envolvendo tráfico (0,26%). Além disso, mais de 50 (cinquenta) mil estupros por ano acontecem no Brasil e 80% das Alices vítimas de violência doméstica são mães. [2]

    A Lei Maria da Penha, visando tutelar o bem jurídico Alice, criou o Juizado de Violência Doméstica e Familiar - a Toca do Coelho - para superar o problema que vitima milhares de Alices e é vivenciado por seus filhos.

    A Toca do Coelho é um espaço dentro do Poder Judiciário para resolução de um problema complexo que envolve a cultura machista, os laços de afeto familiar, a intimidade do casal e nela (a Toca) faltam mecanismos adequados para tratar de um assunto deveras complexo.

    Eu, ora como coelho ora como gato, substituindo o colega Defensor Público em uma das Tocas do País das Maravilhas, ora na defesa do agressor (coelho), ora na defesa da vítima (gato), verifiquei com o olhar de fora que a Toca do Coelho tem sérios problemas.

    A Toca do Coelho não possui mecanismos preventivos, como a educação em direitos, a luta contra a cultura machista, uma equipe multidisciplinar que realize esse trabalho efetivamente e, também, não sei se somente uma Toca do Coelho pode abrigar tantas violações aos direitos das Alices.

    Ademais, a Toca do Coelho foi tolhida, desde sua concepção e depois por decisões dos Tribunais Superiores (STJ e STF), de criar um ambiente de justiça restaurativa, seja devido à elaboração da lei sem a participação popular, seja pela interpretação dos Tribunais que não vivenciam ou sequer entendem os verdadeiros dilemas das Tocas dos Coelhos.

    Muitas Alices chegam à toca do Coelho e perguntam ao Gato (Defensor da Vítima ou Ministério Público) qual caminho tomar, umas querem perdoar o réu, outras querem a cabeça do agressor, mas ao contrário do conto de Lewis Carrol, Alice, não pode mais opinar sobre algo de extrema importância em sua vida (seu companheiro, sua família e sua intimidade).

    A situação é tão grave que em pleno século XXI a Toca do Coelho não trabalha com medidas preventivas, não possui mecanismos restaurativos e despenalizadores adequados. E, pasmem, comprovado a autoria e a materialidade nos crimes de violência doméstica, a Rainha de Copas (juízo) sentencia "Cortem-lhe a cabeça", muitas vezes por fatos isolados, único na vida do casal e sendo julgado após longos anos da data ocorrida.

    Desse modo, devemos repensar se a Toca do Coelho realmente ajuda a diminuir os números alarmantes de violência contra as Alices brasileiras, se a repetição de “Cortem-lhe a Cabeça” realmente é a única medida adequada ao problema, mesmo diante de tantas fragilidades que a Toca apresenta.

    Após quase 10 (dez) anos da criação da Lei da Toca do Coelho, devemos repensar o modelo adotado de prevenção e repressão à violência doméstica e familiar contra a mulher, de modo a incluir elementos de prevenção, justiça restaurativa e retirar as Rainhas de Copas da vida e dos laços afetivos de milhares de casais que passam e vão passar um dia pela Toca do Coelho.

    Por fim, a única forma de mudar a Toca do Coelho e de chegar ao impossível, é acreditar que é possível.[3]

    Vitor Eduardo Tavares de Oliveira é Defensor Público do Estado do Maranhão, pós-graduado pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e pela UNITAR (ONU), duas semanas como Coelho e uma como Gato na Toca do Coelho.
    REFERÊNCIAS [1] Balanço dos atendimentos realizados em 2014 pela Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR). Disponível em: http://www.compromissoeatitude.org.br/dados-nacionais-sobre-violencia-contraamulher/ Acessado em:16.10.2015 [2] Balanço dos atendimentos realizados em 2014 pela Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR). Disponível em: http://www.compromissoeatitude.org.br/dados-nacionais-sobre-violencia-contraamulher/ Acessado em:16.10.2015 [3] Lewis Carroll. Alice no país das maravilhas.
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