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23 de Maio de 2024
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    Lei sobre abuso de autoridade é importante para proteger as liberdades e os direitos fundamentais

    Publicado por Justificando
    há 7 anos

    Em 22 de novembro de 1973 foi promulgada a Lei nº 5.941, que alterou o Código de Processo Penal e garantiu ao réu primário e com bons antecedentes o direito de recorrer em liberdade. A citada lei pôs fim à presunção de culpabilidade derivada da prolação da sentença condenatória de primeira instância que determinava a obrigatoriedade de o réu recolher-se à prisão como condição de admissibilidade do recurso de apelação.

    Penalistas e constitucionalistas à época consideram que a nova lei foi um avanço jurídico. Quando foi editada, porém, a lei teria, para muitos, o objetivo de impedir que o delegado Sérgio Paranhos Fleury, do Dops paulista, fosse preso em decorrência das acusações que pesavam sobre ele de participar das atividades de um grupo de extermínio conhecido por Esquadrão da Morte.

    Relembro esse episódio para assinalar que às vezes supostos maus propósitos podem produzir boas leis. É o que ocorre com o Projeto de Lei nº 280, de 2016, da relatoria do Senador Roberto Requião (foto), que define os crimes de abuso de autoridade. Certos setores da sociedade, secundados por órgãos de imprensa, sustentam que a aprovação do projeto teria como principal motivação retaliar o comportamento de certos agentes públicos encarregados da persecução penal. Embora pessoalmente não acredite que esse seja o motivo que levou o Senado a discutir o presente projeto de lei, considero-o importante para consolidar um sistema adequado de proteção aos direitos fundamentais contra o exercício abusivo do poder.

    Cumpre rememorar que o modelo republicano adotado pela Constituição Federal induz, obrigatoriamente, a uma série de outros institutos importantes para concretizá-lo, entre eles, a tripartição de funções; alternância de poder; eletividade; mandatos políticos e sua periodicidade; proteção aos Direitos Fundamentais e a responsabilidade dos agentes públicos. A responsabilidade, segundo preciosa lição do saudoso jurista Geraldo Ataliba, é inerente ao regime republicano. Para ele, o regime republicano é regime de responsabilidade. Os agentes públicos respondem pelos seus atos (República e Constituição, 2ª edição, 3ª tiragem, p.65).

    Não é por outra razão que a própria Constituição Federal assegura a todos, independentemente do pagamento de taxas, no inciso XXXIV do art. da C.F o direito de petição aos Poderes Públicos contra ilegalidade ou abuso de poder. Por isso, nosso ordenamento jurídico, nos idos de 1965, já regulava, pela Lei nº 4.898, o direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa civil e penal, nos casos de abuso de autoridade. O artigo 3º e 4º da referida lei estabeleciam as hipóteses de abuso de autoridade e no âmbito penal sanções de multa, detenção e perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública para o prazo até três anos (art. 6º, § 3º).

    Discute-se agora o Projeto de Lei do Senado nº 280, de 2016 que “define os crimes de abuso de autoridade e dá outras providências”. O Projeto de Lei do Senado define os crimes de abuso de autoridade que podem ser cometidos por membro de Poder ou agente da Administração Pública no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las (Art. 1º). Considera sujeitos ativos dos crimes descritos os agentes da Administração Pública, servidores públicos ou a eles equiparados; Os membros do Poder Legislativo; Os membros do Poder Judiciário; Os membros do Ministério Público (Art. 2º).

    Os crimes previstos no projeto são de ação penal pública condicionada a representação do ofendido ou a requisição do Ministro da Justiça (art. 3º).

    No caso de morte (real ou presumida) ou declarada a ausência por decisão judicial o projeto prevê a transmissibilidade do direito de representação ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.

    Como toda ação penal pública condicionada a representação do ofendido está sujeita a prazo decadencial de seis meses, contados da data em o ofendido tomar conhecimento da identidade do autor do crime.

    A vítima pode promover a ação privada subsidiária será exercida no prazo de seis meses, contado da data em que se esgotar o prazo para oferecimento da denúncia.

    A ação penal pública condicionada pode transformar-se em incondicionada se a prática do crime implicar pluralidade de vítimas ou se, por razões objetivamente fundamentadas, houver risco à vida, à integridade física ou situação funcional de ofendido que queira representar contra autores do crime.

    O projeto no Capítulo VI cuida dos crimes e das penas.

    Os artigos 9º a 38 descrevem comportamentos que atentam contra a liberdade de locomoção; a dignidade do preso; a incolumidade física da pessoa; a inviolabilidade do domicílio; ao sigilo da correspondência; a liberdade de consciência e de crença; ao livre exercício do culto religioso; a liberdade de associação; ao direito de reunião; aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.

    Os comportamentos proibidos, em boa hora, procuram proteger o núcleo essencial dos direitos fundamentais acima mencionados, expressamente previstos no texto constitucional.

    O Projeto inova em relação a lei 4.898, de 09 de dezembro de 1965, por trazer uma descrição mais detalhada de possíveis comportamentos atentatórios aos direitos fundamentais. Comparado com atual lei, o Projeto ganha densidade normativa ao explicitar de forma minudente e detalhada os possíveis comportamentos considerados como abusos de poder, o que é digno de elogios em função da rigorosa observância do princípio da legalidade.

    O projeto disciplina as sanções criminais impostas aos infratores. As penas são de detenção, variáveis de 6 (seis) meses a 4 (quatro) anos e multa.

    Há possibilidade de conversão das penas privativas de liberdade por restritivas de direitos previstas no artigo 5º de I) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas; II) suspensão do exercício do cargo, função ou mandato pelo prazo de 1 (um) a 6 (seis) meses, com perda dos vencimentos e vantagens; III) proibição de exercer funções de natureza policial ou militar no município da culpa, pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) anos.

    O artigo 4º cuida dos efeitos da condenação. O primeiro o de tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime. Caberá ao magistrado fixar o valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração, considerados os prejuízos sofridos pelo ofendido. O segundo o de acarretar a perda do cargo, mandato ou função pública. A perda, no entanto, deverá ser declarada motivadamente na sentença e fica condicionada à ocorrência de reincidência.

    O Projeto tem forte aderência ao texto constitucional porque, como dito, procura disciplinar o inciso XXXIV do art. da C.F que reconhece o direito fundamental de qualquer pessoa de representar contra o exercício abusivo do poder.

    Além disso, comparado com atual lei, o Projeto ganha densidade normativa ao explicitar de forma minudente e detalhada os possíveis comportamentos considerados como abusos de poder, além de estabelecer que a perda do cargo, mandato ou função fica condicionada a necessidade da medida e a ocorrência de reincidência (art. 4º, parágrafo único).

    É um importante instrumento normativo para consolidar a vontade constituinte de proteger as liberdades e os direitos fundamentais contra o exercício abusivo do poder.

    Não configura a priori um instrumento de enfraquecimento institucional dos membros de Poder ou agentes da Administração Pública, pois a aplicação de quaisquer das sanções é (a) precedida do devido processo legal (b) conduzido perante o Poder Judiciário.

    Silvio Luís Ferreira da Rocha é Mestre e Doutor em Direito Civil pela PUC-SP, Doutor e Livre-Docente em Direito Administrativo pela PUC-SP. Professor dos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito da PUC-SP. Chefe de Departamento de Direito Público da PUC-SP. Juiz Federal Titular da 10ª Vara Criminal Especializada em Crimes contra o Sistema Financeiro e Lavagem de Dinheiro. Ex-Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça por indicação do Superior Tribunal de Justiça.

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