Maioria dos acusados por tráfico no Rio não tem antecedentes nem foi investigada
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Réus primários e sem antecedentes criminais, presos em flagrante sozinhos, desarmados e com pouca quantidade de droga, durante operações policiais realizadas em locais que supostamente seriam dominados por organizações criminosas. Esse é o perfil da maioria das pessoas que mais têm chance de serem condenadas pelos crimes de tráfico e associação ao tráfico na cidade e região metropolitana do Rio de Janeiro.
Os dados são da pesquisa que a Defensoria Pública do Estado (DPRJ) e a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) do Ministério da Justiça divulgam nesta sexta-feira (23), no Seminário Tráfico e Sentenças Judiciais. O evento acontecerá na sede da Defensoria, no centro do Rio, a partir das 14h e contará com a participação do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal.
A pesquisa analisou 2.591 sentenças proferidas entre agosto de 2014 e janeiro de 2016, envolvendo 3.745 acusados de infringir a Lei 11.343/2006, que instituiu a Política Nacional Antidrogas.
De acordo com os dados, poucas foram as sentenças em que os juízes analisaram esses critérios para diferenciar as condutas de tráfico e porte de drogas para uso pessoal.
A pesquisa “Tráfico e Sentenças Judiciais – Uma Análise das Justificativas na Aplicação de Lei de Drogas no Rio de Janeiro” levantou os motivos que levam os juízes fluminenses a condenar pelos crimes previstos na Lei de Drogas, em especial nos artigos 33 (tráfico) e 35 (associação para o tráfico).
Segundo Carolina Haber, diretora de Estudos e Pesquisas de Acesso à Justiça da DPRJ, o objetivo foi verificar o tratamento conferido pelo sistema de Justiça às pessoas acusadas por esses crimes, tendo em vista o aumento expressivo da população carcerária após a entrada em vigor da Lei de Drogas, em 2006. A pesquisa identificou as 14 justificativas mais utilizadas pelos juízes na aplicação da referida lei.
Segundo o estudo, 91,06% das pessoas acusadas pelos crimes descritos na pesquisa são do sexo masculino e 59,39% estavam sozinhas no momento da prisão. Além disso, 77,36% não tinham antecedentes criminais, sendo que 73,85% eram réus primários. Em 48,04% dos casos analisados, os acusados foram presos com uma única droga: a cocaína (47,25% das apreensões foram de até 50 gramas) e a maconha (49,72% de apreensões foram de até 100 gramas).
De acordo com Ricardo André de Souza, defensor público e subcoordenador de Defesa Criminal da DPRJ, a pesquisa mostra que 82,13% das prisões decorrem de flagrantes nas operações regulares realizadas pela polícia, seja nas ruas ou em unidades prisionais. Apenas 6% das prisões resultam do trabalho de investigação.
Segundo o estudo, 53,30% das condenações referem-se ao crime de “tráfico”, previsto no artigo 33 da Lei de Drogas.
Em 26,33% dos casos, os juízes condenaram os réus também por “associação para o tráfico”, conforme o artigo 35 da lei. Carolina Haber explica que uma das justificativas utilizadas pelos juízes para condenar os acusados pelos dois crimes em conjunto foram a presunção de que o réu integra associação criminosa, em razão do local da prisão. Segundo a pesquisadora, esse argumento foi apresentado em 40,92% das sentenças analisadas.
A pesquisa também identificou outras razões que contribuíram para a condenação: comportamento suspeito (apontado em 31,07% das sentenças), modo de acondicionamento da droga (44,57%), dinheiro encontrado com o réu (22,40%), quantidade não condizente com uso pessoal (11,10%), tentativa de fuga (25,81%), droga na posse direta do réu (47,34%), droga na casa do réu (13,70%), droga encontrada com terceiros próximos ao réu (7,17%), droga encontrada próxima ao réu (15,46%), encontrado material para endolação (3,87%), drogas com identificação de facção criminosa (16,24%) e outras (15,95%).
Ainda de acordo com o estudo, em 62,33% das sentenças, o agente de segurança foi a única testemunha ouvida no processo e em 53,79% dos casos o depoimento dele foi a principal prova considerada pelo juiz para condenar o acusado.
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A justificativa usada pelos juízes para acolher o depoimento policial é a Súmula 70 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que estabelece: “o fato de restringir-se a prova oral a depoimentos de autoridades policiais e seus agentes não desautoriza a condenação”.
“A soma dos processos nos quais “agentes de segurança” figuram como testemunhas é de 94,98%. Esse número precisa ser destacado porque os agentes de segurança são arrolados pelo Ministério Público, portanto estão alinhados com a acusação. Com isso, concluímos que, na grande maioria dos casos, estes agentes são os juízes de sua própria atividade, pois são eles que fornecerão as declarações que o juiz tomará como base para condenar ou não o acusado“, ressaltou Ricardo André.
Outro ponto destacado pelo defensor diz respeito ao número de sentenças não condenatórias.
Na avaliação de Ricardo André, os dados admitem a conclusão de que tem havido um uso excessivo de prisões provisórias, na medida em que ao final do processo o aprisionamento se revela desnecessário.
Em 69,40% das sentenças analisadas, os juízes aplicaram a pena mínima, explica Carolina Haber. De acordo com ela, embora a média da pena prevista para os casos de condenação pelo artigo 33, parágrafo 4º, seja de dois anos e três meses, o regime fechado foi aplicado em 27,9% dos casos, e a pena não foi substituída em 15,69%, apesar da determinação legal em sentido contrário.
“Apesar do Código Penal determinar o regime fechado para o cumprimento de penas superiores a oito anos, muitos juízes aplicam esse regime para condenações que reconhecem a diminuição da pena quando o réu não tem antecedentes, nem ligação com o crime organizado, como é o caso do tipo penal previsto no artigo 33, parágrafo 4º”, destacou a pesquisadora.
Informações da assessoria da Defensoria Pública do Rio de Janeiro.
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