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21 de Maio de 2024
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    Menos tese, mais prova: a importância da perícia no contencioso tributário

    Publicado por Junco Advogados
    há 11 meses

    Em 2021, uma estimativa da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado Federal, calculava em R$ 108,6 bilhões o valor de créditos tributários devidos aos contribuintes que haviam acionado a Justiça contra a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins.

    Ainda naquele ano de pandemia, celebrada a vitória do contribuinte na “tese do século” e a posterior modulação de seus efeitos da decisão pelo STF, a estratégia da defesa tributária finalmente saiu do campo do possível para a concretude: recuperar o que foi pago a mais.

    A mesma preocupação também passou a valer para o contribuinte que não ajuizara nenhuma ação até 15 de março de 2017, data de julgamento da tese do século no RE 574.706, mas que igualmente ganhava, pela via administrativa e sem processo, o direito de reaver seus valores.

    Um momento crucial, para o contribuinte que ainda não o havia feito, de reunir todas as provas do ICMS destacado em suas notas fiscais. Ou de descobrir, como diz o ditado, que “ganhou, mas não levou”.

    “Foi a hora em que muitos clientes perceberam o tamanho da contradição”, diz a advogada Priscila Faricelli, sócia do departamento de contencioso tributário do escritório Demarest. “Tinham o direito em tese, mas a contabilidade da empresa não demonstrava com clareza todos os eventos econômicos e financeiros para convencer a autoridade julgadora”.

    Para esse contribuinte, restou apelar ao velho e bom meio de prova. No caso, a perícia contábil, instrumento autorizado a buscar a verdade dos fatos numa disputa. Para, por exemplo, demonstrar um direito (como prova solicitada pelo juízo, num pedido de restituição ou compensação), discutir uma obrigação (como elemento de convicção, a exemplo da tentativa de anular um lançamento ainda pela via administrativa) ou apurar valores (numa fase de liquidação ou num procedimento arbitral). Do ponto de vista da defesa, uma estratégia prudente. Ou mesmo necessária.

    “Como várias questões jurídicas tributárias importantes foram se sedimentando na última década, a atenção foi se voltando para o campo probatório, para a qualidade documental”, diz o advogado e contador Felipe Reis, sócio do escritório de perícias Porto & Reis. “E isso não vale só para a tese do século. É um fenômeno generalizado”.

    Um exemplo é o conhecido “caso do adquirente de boa fé”. Situação em que o comerciante não pode ser responsabilizado pela nota fiscal inidônea emitida por um fornecedor e, por isso, mantém seu direito de creditar ICMS, desde que fiquem comprovadas as transações de compra e venda.

    Solucionado pelo STJ em 2009 no REsp 1.148.444, com direito a súmula editada em 2014, o caso volta e meia assusta o contribuinte em forma de autuação fiscal tardia, que fatalmente sobe aos tribunais quando há dificuldade de demonstração da boa fé desse contribuinte.

    Nessas hipóteses, a perícia costuma ir longe: livros de escrituração contábil, entradas de mercadorias, controle de estoques, lançamentos de notas, guias de apuração de imposto e obrigações acessórias, protocolos da autoridade fiscal, pedidos de compra, comprovantes de pagamento.

    O cruzamento de todas essas informações costuma render um bom retrato material do caso. Esse princípio também tem orientado a perícia na discussão recente de outras teses jurídicas, como na exclusão do ISS da base de cálculo do PIS e da Cofins (uma tese filhote da tese do século), ou na dedução de ágio da base de cálculo da CSLL (que ocorre em casos de fusão, aquisição ou incorporação de empresas e leva o perito contábil a também verificar a documentação dessas operações).

    Qual o alcance da perícia contábil nas disputas tributárias?

    Do ponto de vista dos contadores, um sinal da valorização da perícia contábil está no número em atividade de profissionais, necessariamente graduados em Ciências Contábeis e registrados em algum conselho regional de contabilidade. Segundo o Cadastro Nacional de Peritos Contábeis (CNPC), administrado pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC), havia 2,1 mil inscritos em dezembro de 2016. Hoje, são 3,3 mil peritos ativos.

    As principais áreas de atuação vão da perícia judicial à extrajudicial. No litígio judicial, o profissional atua geralmente como perito nomeado pela corte (com objetivo de produzir um laudo pericial imparcial) ou assistente técnico da parte (auxiliando a defesa, acompanhando o trabalho realizado pelo perito e emitindo pareceres contábeis).

    No campo jurídico tributário, o reconhecimento é similar. “O papel da perícia, principalmente a contábil, cresceu em casos relacionados a quase todos os tributos e obrigações acessórias”, diz o advogado tributarista Guilherme Loureiro, do Mannrich & Vasconcelos. “Há uma revalorização do aspecto fático, ao menos na estratégia dos grandes escritórios”. Além da área tributária, têm destaque os casos de Direito Societário e Civil.

    Segundo a pesquisa “Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário Brasileiro”, publicada em 2022 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e Insper, a existência de perícia ou diligência complementar foi identificada em 9,4% dos processos judiciais tributários em tramitação, considerando tanto ações ajuizadas pelo contribuinte como execuções fiscais da fazenda pública.

    Esse percentual é composto, em sua maioria, de perícias contábeis. Não exclui, no entanto, outras perícias especializadas recorrentes na disputa tributária, a exemplo das perícias química, econômica ou de engenharia.

    O número é considerado baixo, mas a percepção qualitativa de contadores e advogados segue válida. Realizada pela primeira vez, a pesquisa do CNJ ainda não permite comparações de períodos. Chamou a atenção, no entanto, para outros aspectos relevantes da perícia.

    Um deles é a suposta relação entre o prazo para a realização de perícia e a duração do litígio tributário brasileiro, estimado em 19 anos pelo Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO) e pela consultoria EY – uma das causas do elevado estoque processual dessa natureza no Brasil. A pesquisa do CNJ afastou qualquer relação de causalidade necessária. Ou seja, as perícias não são a causa da morosidade da tramitação dos processos tributários.

    “Na prática, identifica-se exatamente o contrário. Quando há boa conexão entre defesa técnica e perícia contábil, as decisões costumam ser até mais céleres”, diz a perita contábil Sandra Batista, conselheira do CFC. Uma das razões está na força do argumento técnico, principalmente para aquele julgador que não possui conhecimentos contábeis: a maioria.

    Como e quando a perícia contábil influencia as disputas tributárias?

    O grau de eficácia do trabalho pericial, quando existe, parece significativo. “Sustento que os magistrados são muito sensíveis aos laudos contábeis e tem reconhecido a sua influência nas decisões”, diz o contador, advogado e professor André Bortolino de Mendonça, sócio da ABM Perícias.

    Em 2022, Mendonça realizou uma pesquisa de campo, a título de mestrado em Ciências Contábeis na PUC-SP, com 9 dos 13 juízes titulares responsáveis pelas 13 varas do Fórum de Execuções Fiscais Federais, em São Paulo, que julgam disputas entre contribuintes e União exclusivamente em processos tributários federais, relacionados a tributos como IRPJ, CSLL, PIS, Cofins, IPI, SIMPLES e outros.

    O trabalho apontou, após a realização de entrevistas padronizadas, que os magistrados admitem, de forma unânime, “que o laudo pericial contábil foi essencial à constituição de elemento probante e serviu como suporte para embasar suas decisões, ainda que em desfavor ao solicitante”.

    Essa conclusão reforça a tese da influência da perícia contábil sobre os decisores. Não possui, no entanto, amplo valor estatístico. Nem prova que magistrados de outros tribunais atribuam a mesma importância à perícia.

    Pensar que nada atribuem, no entanto, seria um erro. Nas palavras de um juiz entrevistado, quando perguntado sobre o papel da contabilidade: “para mim, certas questões eram grego. Se eu não tivesse o auxílio dos contadores peritos, a sentença ficaria muito mais frágil. Já fiz substituições na vara porque não conseguia entender o que o perito estava falando”.

    De fato, a qualidade da perícia não depende só do perito imparcial. Também é responsabilidade do assistente técnico. Na função, ele pode orientar o advogado da parte desde a véspera de uma disputa, apontando seus fundamentos contábeis. “Esse papel preventivo antecipa muitos dos riscos da linha estratégica escolhida”, diz Priscila Faricelli, do Demarest.

    Já no andar do processo, deferida uma perícia, o assistente técnico faz a intermediação entre a parte e o perito nomeado, cuida da comunicação e da “tradução” de questões contábeis, formula quesitos técnicos a serem observados no laudo pericial e também avalia seu resultado.

    O objetivo é o mesmo em qualquer das etapas: subsidiar a parte com argumentos para o convencimento da autoridade que decide, respeitados a independência técnica e os limites éticos da profissão contábil.

    Quais são as dificuldades para um maior uso do trabalho pericial?

    Por outro lado, na percepção de advogados e contadores, o argumento técnico nem sempre basta ou tem espaço na disputa tributária. Uma primeira razão é óbvia: apesar da forte conexão entre Direito Tributário e contabilidade, nem toda discussão tributária exige uma discussão contábil.

    Outra dificuldade antecede a estratégia jurídica. “Falta ainda uma cultura da prova e da perícia, que idealmente deveria preceder o trabalho contencioso”, diz Sthefano Cruvinel, sócio do escritório de perícias EvidJuri. De fato, as maiores dificuldades para o uso da perícia contábil parecem, hoje, deslocadas para o interior do tribunal e do processo.

    Um exemplo é a alegada dificuldade de juízes para a nomeação de peritos com perfil técnico específico, em razão da ausência de efetivo intercâmbio institucional entre tribunais e conselhos de contabilidade, de acordo com a mencionada pesquisa de campo de André Bortolino de Mendonça.

    Esse mesmo estudo aponta ainda alguns últimos entraves ao maior uso da perícia tributária, como a ausência de requerimento de produção de prova pericial pela parte, quando surgem dúvidas materiais no processo.

    Embora a legislação autorize o requerimento de ofício, a maioria dos juízes opta por não fazê-lo e prefere esperar a provocação das partes. E a hesitação da defesa, motivada por estratégia ou mesmo pelo receio do custo dos honorários periciais, pode eventualmente levar à perda do direito de requerer o uso da perícia como meio prova.

    Fonte: https://www.jota.info/tributoseempresas/tributario/menos-tese-mais-provaaimportancia-da-pericia-...

    • Sobre o autorAdvogados Especialistas áreas Cível, Previdenciária, Trabalhista e Tributária
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