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20 de Maio de 2024
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    MPF em Uberlândia pede anulação de matrícula de candidatos que fraudaram sistema de cotas na UFU

    Estudantes se autodeclararam pardos, mas suas características físicas não indicam traços mínimos dessa etnia racial

    há 5 anos

    O Ministério Público Federal em Uberlândia (MPF) ingressou com duas ações civis públicas contra dois estudantes da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) que, ao se autodeclararem falsamente como negros (pretos ou pardos), fraudaram o sistema de cotas na seleção para ingresso na instituição.

    O MPF pede que a Justiça Federal anule a matrícula desses alunos, com o consequente desligamento deles da universidade, impedindo-os liminarmente ainda, até a decisão defintiva, de se matricularem no próximo semestre letivo e frequentarem as aulas dos cursos em que estão inscritos, sem prejuízo do aproveitamento das disciplinas já cursadas caso queiram prosseguir seus cursos em outras instituições de ensino.

    A ação também pede a condenação dos réus à reparação de danos materiais causados à universidade, em valor equivalente à mensalidade dos seus cursos em instituição de ensino equiparada à UFU (segundo o MPF, com mesmo status e prestígio desta que está em as 30 melhores instituições de ensino do país), e também ao pagamento, cada um, de indenização por dano moral difuso e coletivo à sociedade brasileira e por dano moral individual à UFU no valor de 200 mil reais.

    Outros três estudantes recém-ouvidos na sede do MPF em Uberlândia continuam sob investigação, assim como outros que foram denunciados pela comunidade acadêmica em relação aos quais a UFU está em fase de conclusão dos processos administrativos de verificação de fraude na matrícula em razão da fraude na autodeclaração.

    Além disso, a UFU fará o controle administrativo dos atos de matrícula de todos os estudantes cotistas que ingressaram na universidade sem serem fiscalizados pela Comissão de Heteroidentificação, inclusive de modo a garantir igualdade de tratamento, atendendo a recomendação do MPF.

    Os fatos – Em janeiro de 2016, a UFU publicou edital para seleção de candidatos por meio do Sistema de Seleção Unificada (SISU), com o estabelecimento de critérios para o preenchimento do questionário socioeconômico-cultural, entre os quais, a responsabilização do candidato por eventual incorreção ou falsidade nas informações prestadas.

    O mesmo edital, em atendimento à Lei 12.711/2012, que instituiu o sistema de políticas afirmativas nas universidades e institutos federais, previu a reserva de vagas para pessoas autodeclaradas pretas, pardas ou indígenas em duas modalidades: I – aqueles que tenham cursado integralmente o Ensino Médio em escolas públicas brasileiras e possuíssem renda familiar igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo per capita e II – os egressos de escolas públicas, sem limite de renda. Uma terceira modalidade ainda previa a reserva de vagas considerando-se apenas a renda, sem qualquer vínculo racial.

    Os dois réus foram aprovados na modalidade I, sendo um no curso de Medicina e outra no curso de Psicologia.

    Posteriormente, chegaram ao MPF representação contra tais alunos, sob o argumento de que não se enquadrariam no requisito racial: todos eles haviam se autodeclarado pardos para concorrerem às vagas reservadas ao sistema de cotas, mas suas características físicas não corresponderiam ao fenótipo racial da pessoa parda.

    Oficiada para se manifestar a respeito, a Universidade Federal de Uberlândia afirmou, à época, que utilizava como critério de controle da etnia/raça declarada pelos candidatos apenas a autodeclaração, como dispõe o art. 3º da Lei n. 12.711/2013. Ou seja, o cumprimento de um dos requisitos para a matrícula ficava sem qualquer tipo de controle pela administração, salvo se houvesse alguma denúncia.

    O MPF, então, recomendou à universidade que criasse mecanismos de controle de eventuais fraudes ao sistema de cotas e às ações afirmativas. A UFU acatou a recomendação e adotou duas medidas: criação da Comissão de Acompanhamento e Averiguação da Implementação das Cotas Raciais para ingresso de discentes, com o objetivo de apurar o caso das denúncias individuais, e adoção do procedimento de verificação (heteroverificação) complementar à autodeclaração dos candidatos que concorrem às vagas reservadas para negros, implementada a partir do 2º Semestre de 2017.

    No caso das denúncias individuais, a UFU abriu processo administrativo para analisar a autodeclaração prestada por cada aluno, no curso do qual eles foram submetidos a uma entrevista em que a Comissão de Acompanhamento e Averiguação das Cotas Raciais avaliou a autodeclaração prestada. Os alunos que já tiveram sua autodeclaração invalidada foram desligados da UFU por portaria expedida pelo reitor e seus nomes, encaminhados ao Ministério Público Federal.

    Alguns alunos pleitearam judicialmente a restituição do vínculo e, como as situações são individualizadas, houve decisões deferindo e negando. Vários deles sustentaram que descendem de negros, chegando a apresentar documentos cartoriais nos quais consta a qualificação "pardo" para integrantes próximos de sua família, como pais e irmãos; buscando eles estender a mesma qualificação a si próprios.

    Reforço da Discriminação – Para o procurador da República Onésio Soares Amaral, autor das ações, “o fato dessa temática tratar de questão relativa a direitos de minorias (os verdadeiramente negros: pretos e pardos) e bastante sensível e complexa não pode ser utilizado como desculpa para omissão do Poder Público. É preciso ter a coragem de enfrentar as fraudes, as quais só contribuem para deslegitimar a tão importante política de ação afirmativa, realizadora da igualdade material e tendente a diminuir a odiosa discriminação dos negros no Brasil, e impedir que oportunistas se valham do instrumento”.

    O MPF ressalta ainda que ao se realizar o controle administrativo (e ou judicial, se necessário) da autodeclaração não se está inserindo novo critério para ser considerado negro (preto ou pardo) mas tão somente nova forma de controle “as regras de aprovação e matrícula continuam sendo as mesmas. O controle da autodeclaração poderia ser visto como a utilização de novas tecnologias em um exame antidoping. A implementação de critérios mais eficazes naquele exame, por exemplo, não alteraria as regras da corrida para os atletas em uma competição (não queimar a largada, não invadir a faixa do concorrente, chegar primeiro, etc), apenas melhoraria o controle sobre fraudes e é inconcebível alguém querer pleitear direito adquirido ao não-controle de atos administrativos e ou à melhoria da forma de fiscalização deles”, exemplifica o procurador.

    E complementa, nos dois casos concretos, “ao se analisar as fotos dos alunos, verifica-se que, independentemente de sua ascendência genética, trata-se de pessoas visualmente identificáveis, sem qualquer margem de dúvida, com o estereótipo racial branco”.

    Desse modo, conclui o procurador, “dificilmente essas pessoas terão sofrido discriminação por causa da sua cor de pele ou mesmo terão perdido oportunidades sociais em virtude de sua condição racial, que justifiquem acesso privilegiado em processos seletivos por meio de ação afirmativa voltada exatamente a igualar os desfavorecidos por condição fenotípica que os réus não ostentam”.

    A ação cita voto do Ministro Cezar Peluso, no julgamento da ADPF nº 196/STF, segundo o qual “ninguém discrimina alguém porque terá recorrido a exame genético e aí descoberto que a pessoa tenha gota de sangue negro. Isso não faz sentido. O candidato que sempre se apresentou na sociedade, por suas características externas, como não pertencente, do ponto de vista fenotípico, à etnia negra, mas que genotipicamente a ela pertença, a mim me parece que não deva nem possa ser escolhido e incluído na cota, pois nunca foi, na verdade, discriminado”.

    Segundo o MPF, ao agirem dessa forma, além da obtenção de vantagem à qual não fariam jus, os réus ainda contribuíram, com sua atitude, para o descrédito da política de ações afirmativas.

    "É importante lembrar que a reserva de cotas foi criada como instrumento de concretização do princípio constitucional da igualdade material", explica Onésio Amaral. “Ou seja, criou-se um instrumento para combater a discriminação e o racismo institucional, que dificultam o acesso de negros, pardos e indígenas a bens e posições socialmente valorizadas. Portanto, ao agirem com oportunismo, valendo-se de subterfúgios para angariarem o que não lhes foi destinado por lei, os réus acabaram desvirtuando a política pública e minando sua credibilidade aos olhos da sociedade”.

    A ação defende que os réus causaram “graves e inegáveis danos morais difusos e coletivos à sociedade brasileira e também individualmente aos cidadãos concretamente preteridos no sistema de reserva de vagas (que foram prejudicados pela autodeclaração fraudulenta prestada pelos réus) e individualmente em relação à UFU, que sofre com as críticas que deslegitimam todo o sistema de ações afirmativas por fraudes pontuais; os quais devem ser todos também ressarcidos”.

    Por entender que é totalmente nulo o ato de matrícula efetuado com base em autodeclaração ideologicamente falsa (um dos requisitos para tanto), em especial porque o candidato não preenchia os requisitos legais exigidos para o exercício do direito, o MPF pediu a anulação das matrículas dos réus em seus respectivos cursos na universidade.

    Clique aqui para ter acesso à íntegra das ações civis públicas:
    ACP nº 1011446-25.2018.4.01.3803
    ACP nº 1011447-10.2018.4.01.3803

    Clique aqui para acessar a íntegra da recomendação enviada à UFU

    Assessoria de Comunicação Social
    Ministério Público Federal em Minas Gerais
    Tel.: (31) 2123.9008 / 9010
    No twitter: mpf_mg

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