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30 de Abril de 2024

O advogado que fez sua própria defesa no júri... e foi absolvido!

há 9 anos

Por Jean de Menezes Severo

O advogado que fez sua prpria defesa no jri e foi absolvido

Às vezes, em nossas vidas, ocorrem situações difíceis, quando achamos que não vamos nos recuperar nunca mais. Que o final chegou e tudo está perdido. Se você está passando por um momento complicado como este, apresento-lhe esta história real e simplesmente fantástica de um dos maiores criminalistas do Rio Grande do Sul e do Brasil: Dr. Mathias Nagelstein, um fenômeno da advocacia criminal e principalmente do plenário do júri, orador sem igual, mas acima de tudo um ser humano especial de muita luz.

No final dos anos sessenta, em plenos Anos de Chumbo, Mathias Nagelstein havia sido eleito o vereador mais votado da cidade de Bagé no Rio Grande do Sul, cidade essa que fazia fronteira com o Uruguai, afastada há centenas de quilômetros da Capital, Porto Alegre; uma típica cidade do interior gaúcho, para aqueles que conhecem. O jovem Mathias ocupava um lugar de destaque em seu partido político, ao lado de nomes como Alceu Collares, Leonel Brizola e Pedro Simon, na época, jovens idealistas que lutavam por um país livre e, principalmente, por mais igualdade entre os gaúchos.

No entanto, naquela época, quem lutava por liberdade não ganhava só amigos; pelo contrário, Mathias Nagelstein ganhou um terrível inimigo e mal sabia ele que seus caminhos em pouco tempo iriam se cruzar de maneira trágica.

Bagé, por ser uma cidade fronteiriça, possuía um quartel bem equipado, tanto em número de soldado quanto armamento. Havia um coronel aquartelado na cidade que não via com bons olhos a grande projeção política que o jovem Mathias ganhava a cada discurso inflamado que fazia na Câmara de Vereadores de Bagé, sempre discursando pela liberdade, o que o tornava uma ameaça para os defensores do regime ditatorial.

Foi então que, um dia esse, esse mesmo coronel, aproveitando-se certamente de sua condição como oficial superior, bem como sendo proprietário de uma rádio local, cometeu o maior erro de sua vida ao ofender um homem com coragem e honra e da pior maneira possível: ofendeu publicamente seus diletos pais, dizendo ele: “O que Mathias Nagelstein pensa que é? Não passa de um filho de judeu e de uma negra! O que ele acha que esta fazendo em minha cidade?”

A partir daquele momento, Bagé tornou-se uma cidade pequena para ambos. Aquela ofensa que o coronel havia feito aos pais do Dr. Mathias criou uma terrível ferida no coração daquele rapaz, mexendo com os seus sentimentos mais profundos e mais caros a um homem: sua honra, sua dignidade. Não era apenas uma ofensa, mas sim o início de uma guerra, tendo os dois se jurado de morte.

Naquele dia, o jovem Mathias Nagelstein caminhava tranquilamente pela rua Sete de Setembro, principal rua da cidade, quando, de forma repentina, surgiu a sua frente a figura do coronel e de um aliado seu. Nenhum dos dois mostrou qualquer sinal de hesitação e um tiroteio ocorreu ali mesmo. Naquele verdadeiro faroeste gaúcho, apenas Mathias restou vivo.

Imediatamente, Mathias saiu do local, voltou para casa e contou tudo o que ocorreu para seu pai. Enquanto isso, a perícia deslocou-se até o local das mortes. Pelo fato estar relacionado às Forças Armadas e envolver um militar de alta patente, os peritos tentaram esconder a arma que portava o coronel, a fim de dificultar a defesa de Mathias na instrução do processo criminal que, com certeza, seria decido perante o Tribunal do Júri. Porém, os peritos não esperavam que, antes da sua chegada, os populares já haviam tirado fotos do local, nas quais apareciam nitidamente a arma utilizada pela “vítima”.

Depois de sair de casa, Mathias apresentou-se na delegacia de livre e espontânea vontade. Após narrar o que havia acontecido, foi preso, tendo ficado preso preventivamente por dois anos, seis meses e oito dias, eis que, naquela época, a regra era que o acusado aguardava o julgamento pelo júri preso, situação modificada apenas com a promulgação da Lei nº 5.941 em 1973. A Lei Fleury, como ficou conhecida, “permitia a todos os réus primários e de bons antecedentes responder ao julgamento em liberdade, inclusive se fossem condenados em primeira instância ou se seus processos não tivessem sido julgados em instância superior”.

Na prisão, Mathias começou a advogar para outros presos, principalmente em casos de execução penal, ganhando, assim, a admiração e o respeito dos demais apenados que, inclusive, lhe garantiram proteção na prisão, pois havia boatos na cidade que seria morto no presidio de Bagé.

Quem realizou a defesa de Mathias durante a instrução processual foi o grande advogado e plenarista, Dr. Cláudio Deibler. Deibler atacou a denúncia mal feita, que omitiu propositalmente o fato das vítimas estarem armadas, juntando as fotos dos populares, bem como relatos de testemunhas ao contrário. Deibler atuou na defesa de Mathias apenas na fase processual, alegando que não poderia realizar o júri do amigo que tanto estimava, porque, em caso de uma condenação, não se perdoaria jamais. Mathias compreendeu os motivos, não lhe sobrando alternativa: sustentar sua PRÓPRIA defesa no Tribunal do Júri.

Fazendo um parêntese na nossa história, fazer o júri de alguém é difícil, mas defender a si mesmo em plenário é algo quase que inimaginável. Sempre digo que um réu entra em plenário 80-90% condenado, tamanha a dificuldade de se defender alguém no júri popular, então, defender a si próprio, onde as chances são ainda menores, havendo um ditado que diz: Quem auto se defende em um processo criminal tem como advogado um idiota. Esse ditado não valia para MATHIAS NAGELSTEIN.

Mathias foi a júri e sustentou, basicamente, legitima defesa própria, prevista no art. 25 do CP, com relação aos disparos que levaram a óbito o coronel e legitima defesa putativa quanto aos tiros que atingiram o seu acompanhante, lembrando-se que a defesa putativa é aquela na qual o acusado tem certeza absoluta que sofrerá uma injusta agressão. Também é bom lembrar que, anos atrás, era comum os homens andarem armados, especialmente nas regiões de fronteira e com a existência de um bem equipado quartel, logo, a legítima defesa própria e a putativa serviram como excludente de ilicitude neste caso, vindo a absolver Mathias Nagelstein dos dois homicídios.

Inconformado com a decisão dos jurados, o Ministério público recorreu da sentença absolutória para o antigo Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, que determinou que Mathias Nagelstein fosse submetido a novo júri, vindo este gigante da tribuna, mais uma vez, a ser absolvido, porém, em definitivo.

Mathias Nagelstein, depois desses terríveis episódios, achou que sua carreira estaria destruída; que não teria espaço para atuar como advogado e que tudo estaria perdido em sua vida, contudo, aconteceu justamente o contrário. De advogado “clínico geral” de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, Mathias especializou-se em Direito penal, começando a defender e absolver acusados de crimes de toda espécie. Sua fama transpôs os “rincões” de Bagé. O, agora, “Dr. Mathias” transformou-se em um dos mais notórios e competentes criminalistas do Brasil, dizendo ele: A pessoa que fez seu próprio júri não deve ter receio de fazer o júri dos outros.

O Dr. Mathias Nagelstein exerceu a profissão por mais de trinta anos, sempre com o mesmo afinco e dedicação. Além de advogado, foi vereador, Procurador da República, Juiz-Presidente do Tribunal Militar (que ironia, podem pensar alguns), Procurador-Geral do Município, Chefe da Casa Civil, professor de Direito Penal e Processo Penal, mas sem nunca deixar de ser um pai de família exemplar, esposo da Sra. Helenara, pai dos filhos Valter, Paulo, Gustavo, Rossana, Valeska e Suzi (in memoriam). Deixou um legado de trabalho, honra, fé, amor pela família e pela profissão; uma fantástica história de vida.

Atualmente, o Dr. Mathias já se aposentou, cuidando apenas de sua saúde, gozando do merecido descanso de todo guerreiro. O escritório continua, firme e forte, comandado pelos filhos e demais sócios, deixando como herança seus ensinamentos, que estão lá presentes em cada canto do escritório. Sua força e energia nos acompanham no dia a dia. Ele pode não estar lá fisicamente, mas suas ideias, suas atitudes, seus ideais são para a eternidade.

Obrigado velho Mathias. Obrigado GIGANTE da tribuna e parabéns por honrar teu pai e tua mãe, Efésios 6:1-4!

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Bem interessante, mas so faltou o mais importante: como foi a defesa nas duas instancias, que discurso ele usou e como se comportou a promotoria... continuar lendo

Também fiquei bastante curiosa pra saber... continuar lendo

Caro Zico,
O recurso em segunda instância é levado a efeito apenas através de petições (razões de apelação e contra razões de apelação), podendo o advogado interessado (se quiser) sustentar oralmente perante a câmara julgadora pelo prazo de 20 minutos, diferentemente, portanto, do plenário no Tribunal do juri, onde as razões da acusação e defesa são aduzidas oralmente e dirigidas ao conselho de sentença (jurados). continuar lendo

Isso sobre o aspecto técnico do processo criminal. Bem servida seria a democracia brasileira se a mídia televisiva levasse a público esse caso. Tenho 73 anos de idade. Vivi a época do acontecimento e atuei como juiz de fato em pelo menos um caso em que o advogado Jeremias de Oliveira Lobato apresentou na defesa do réu prova testemunhal de oficial do exército a torturar com charutos acesos. Nada lhe aconteceu sequer quando criticou no forum o caso da morte do Cigano (fronteira Paraná-Mato-Gross-Paraguay).
Em discursos inflamados na Câmara Municipal de Vereadores Jeremias criticava acirradamente atos de militares praticados na fronteira Brasil/Paraguay. Atuava no Banco do Brasil, no tribunal do júri e na Câmara Municipal de Vereadores – jamais atacada ou fechada pelo regime militar.
Cito este fato em paralelo ao tema em debate para contraditar ataques infundados contra a postura ética dos militares de bem – guardiães da liberdade do povo brasileiro desde os primórdios da História do Brasil. Sem Benjamin Constant, Deodoro e os pracinhas da Praia Vermelha certamente ainda viveríamos o regime monárquico. A própria Republica só foi plebiscitada depois da Constituição de 1988. E esse episódio de um civil a matar um coronel no efervescer da ditatura militar - e lograr absolver-se no júri popular - é prova quantum satis do respeito ao due process of law.
A concessão dos serviços públicos de comunicação gera a subserviência do sistema de rádio e televisão. Isso esclarece a troca de favores entre os políticos que nesse setor dominam o noticiário nacional. Honeste vivere (Justiniano)... só a honestidade p’ra reverter o triste cenário da Pátria Brasileira. Não esperemos, entretanto, ver o que não existe. A honestidade não parte da classe política contaminada. É do eleitor que a honestidade há de partir... continuar lendo

Muito legal.
Precisa de grande coragem, talvez neste caso tenha sido falta de opção, mas não é qualquer um que vai encarar o próprio juri e ter fleuma para ser absolvido.
Imagino na época a imensa pressão, meramente decorrente do fato de o morto ser um militar de alto escalão, só isto já é o suficiente para o jurado ter medo de dar um voto correto, mesmo que não tenha havido ameaça real, naquela época ela era implícita. continuar lendo

O ilustre advogado fez uma narrativa digna de um futuro filme. Contudo, há controvérsias. À época morava em Bagé e tinha outro lado da história que hoje não foi contado. É sempre assim, um lado emociona, outro incita ódio. Hoje foi contada a que emociona o público e incita ódio aos que não podem se defender. Obrigada. continuar lendo

Será que a outra versão é a que está na edição do dia 06 de fevereiro de 1971 do Correio da Manhã do Rio de Janeiro e que pode se consultada em http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=089842_08&pagfis=16930&pesq=&url=http://memoria.bn.br/docreader# continuar lendo

Dentre as características do fato histórico, está a impossibilidade de revertê-lo ou modificá-lo. Evidente que isto se refere ao fato real e não às versões dos seus atores e pósteros, porque estas sempre acabarão manipuladas conforme interesses diversos. Não estou dizendo que este relato se trata de uma manipulação, assim como reconheço as qualidades do Dr. Mathias como pessoa, profissional e tribuno. Mas, como diz a Vera, seria interessante conhecer outras versões que certamente existem, não que duvide do relato acima como já disse, mas por razões de justiça e de respeito para com os demais envolvidos. continuar lendo

Só espero que não apareça que foi baseado a defesa por fotos que as testemunhas tiraram em poucos instantes, isso era antes dos anos 70, vamos melhorar a história para o filme, essa não ficou legal. continuar lendo

A sorte dele é que, nesse caso, as autoridades e corpo de jurados não estavam comprados, senão, ele teria que esperar pela justiça divina, que tarda mas não falha! continuar lendo