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16 de Junho de 2024
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    O Estado Laico é um ensinamento de Jesus

    Publicado por Justificando
    há 6 anos

    Foto: Wikipédia. “O Dinheiro dos Impostos”, obra de Masaccio na qual retrata o episódio de Mateus 22:21. Atualmente na Capela Brancacci de Santa Maria del Carmine, em Florença, Itália.

    Texto para a Coluna féministas.

    No último dia 22 de agosto, foi publicada na Imprensa Oficial do Município de Osasco a Lei N.º 4.094, sancionada pelo Prefeito Rogério Lins (PODEMOS) e proposta pelo Vereador Cláudio Henrique da Silva (PV). Esta lei institui o dia da Escola Bíblica Dominical, a ser comemorado em todo terceiro domingo do mês de setembro. De cara, achei um absurdo e me manifestei nas redes sociais questionando a laicidade do Estado e por qual motivo a Câmara de Vereadores achou por bem incluir, no calendário comemorativo oficial da cidade, o dia da Escola Bíblica Dominical. Para os desavisados, o calendário oficial da cidade enseja comemorações que podem ser custeadas com dinheiro público. Ou seja, os interessados em organizar a comemoração podem requerer lugares públicos, apoio do município e demais recursos públicos cabíveis, além de contar com a promoção do evento por meios de comunicação oficiais da cidade.

    Porém, após o desabafo nas minhas redes, resolvi fazer um tour pelo calendário oficial da minha cidade e descobri que até o dia do Nascituro (LEI Nº 4504) Osasco tem no seu calendário oficial – o que é uma provocação direta aos movimentos feministas que lutam veementemente contra o Estatuto do Nascituro (PL 489/2007) e contra a PEC181/2015. Nesse tour, me detive às datas comemorativas que pudessem fazer menção às religiões. No frigir dos ovos, Osasco tem cerca de 38 datas com fundo religioso explícito – fora outras como dia do nascituro ou o dia da família osasquense, que têm fundo religioso, mas não tão explícito.

    Ao fazer esse breve levantamento, me deparei com os 38 dias comemorativos que podem ser ligados a religiões, dos quais 35 tinham sido instituídos por leis e 3 por decreto. Os três dias que foram instituídos por decreto, ou seja, por uma ação do Executivo, eram dias referentes às religiões de Matrizes Africanas ou Africanidades, quais sejam: Decreto 3323, Dia do Umbandista – Dia 23/04; Decreto 4039, Festa de Ogum – Todo o Mês de Abril; e Decreto 9455, Semana da Capoeira – De 14 a 20/11. E uma única Lei, ou seja, uma única ação do legislativo de Osasco que se referia à cultura africana: Lei 1809, Semana da Cultura Negra – De 18 a 25/11.

    Evidentemente, vê-se um desrespeito com a população negra e com a cultura africana na cidade. Em outras palavras, há descaso em garantir que essas populações comemorem seus dias e que protejam suas culturas. Assim como os povos indígenas que, segundo o calendário, contam apenas com a semana do dia 19 de abril para promoverem sua cultura nas atividades oficiais da Cidade (Lei 4538).

    O que isso quer dizer? Se quiser conhecer o legislativo da sua cidade, veja os dias comemorativos que são instituídos por meio de Leis. Neste levantamento, 3 datas comemorativas eram Cristãs de modo geral; 7 datas católicas; 4 datas espíritas; 1 dia da Cultura Racional; 1 dia de Seicho-No-Ie e 1 dia do Maçom. O que chama a atenção, dentre as datas que selecionei, é que 18 delas têm fundo Evangélico (fazem menção a nomes de Igrejas, dia de Oração, mês da Marcha para Jesus, etc), sendo que uma delas promove uma semana de evangelização no calendário oficial (Lei 4082/2006).

    Esse calendário sequer representa a religião mais professada na Cidade de Osasco, segundo o site do IBGE (por estimativa, a partir do censo de 2010): dos 696.850 mil habitantes da cidade, 366.964 são católicos, 187.638 são evangélicos e 18.493 são espíritas. Ou seja, proporcionalmente, esse calendário não é representativo, de fato, da fé partilhada pela maioria dos habitantes da cidade.

    Contudo, qualquer religião professada pelos habitantes de uma cidade (mesmo que majoritariamente) não deve de modo algum influenciar em sua política. O que temos visto em Osasco, e em muitos legislativos do país como na própria Câmara Federal, é o uso indiscriminado do aparelho público para comemorações religiosas dominantes (católico-evangélicas). Na Marcha para Jesus, ocorrida em 14 de junho, a cidade de Osasco disponibilizou toda a infraestrutura para que o evento ocorresse. Políticos subiram ao palco do evento para se promoverem, o Prefeito Rogério Lins (que é um capítulo a parte da política conservadora da cidade) espalhou faixas pela cidade saudando os participantes do Evento. Um absurdo!

    Segundo o artigo 19 da Constituição Federal:

    É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

    I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

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    Didaticamente: os pastores/pastoras, missionários/missionárias, irmãos/irmãs de Osasco não podem instituir por meio de Lei 18 datas comemorativas explicitamente evangélicas, pois não há interesse público algum nessas datas. O que a população tem de interesse no dia do Assembleiano, no dia do Presbiterianismo ou no dia do Quadrangular? Sabe no que a população osasquense se interessa? Em saber por que o Hospital Antônio Giglio não tem leitos; por que as urnas com os restos mortais de centenas de cidadãos caíram no meio da rua; por que não há vagas em creches; médicos nas UBS; por que o salário de um professor da rede municipal de Osasco é miserável.

    Como evangélica repudio todos esses “políticos evangélicos”, porque uma cidade como Osasco, que está um caos, é justamente governada por homens que dizem governar em nome de Deus e da família! Jesus, sabiamente, separou o Estado da Igreja em Mateus 22:21, justamente para que não se fizesse esse descalabro em nome de Deus.

    Que Ele tenha misericórdia de nós!

    Simony dos Anjos é graduada em Ciências Sociais (Unifesp), mestranda em Educação (USP) e tem estudado a relação entre antropologia, educação e a diversidade.

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