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2 de Maio de 2024
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    O incêndio do Museu Nacional: Alexandria 2.0

    Publicado por Justificando
    há 6 anos

    Imagem: EBC Arte: Daniel Caseiro

    O incêndio da biblioteca de Alexandria possui pelo menos três versões sobre sua causa. A mais nova culpabiliza o conquistador árabe Amir Ibne Alas, que supostamente teria dito que se aqueles 400 mil rolos de texto estivessem de acordo com o Corão, estes seriam inúteis diante da grandiosidade do texto religioso e poderiam ser queimados – e que se fossem contrários ao que prega o Corão, seriam queimados de qualquer forma. Esta versão é a menos confiável, levando-se em conta datas e registros, e a maior parte dos historiadores reputa que esse mito foi construído como forma de alimentar o ódio contra muçulmanos durante as Cruzadas. Há outras duas versões, mais críveis. Uma indica que o incêndio adveio de uma ordem de Júlio César durante a Guerra Civil com Pompeu; e a outra de que teria partido de um decreto do imperador romano Teodósio no intuito de eliminar qualquer incentivo ao paganismo.

    Em todas as versões o patrimônio cultural foi julgado dispensável pelos governos que se sucederam, o que no Egito antigo resultou em mais de dois séculos de retrocessos no campo econômico e filosófico. Contudo, a história moderna refuta a ideia de um incêndio único como causa da destruição da biblioteca de Alexandria. O que parece mais próximo do que aconteceu foi um processo paulatino que durou anos, em meio a cortes de recursos, alguns pequenos incêndios causados pela falta de cuidados, já outros manifestadamente intencionais, mas tudo resultando na diminuição do acervo que no fim acabou tendo os seus últimos resquícios varridos por chamas.

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    Se não fosse tudo isso, toda a filosofia como conhecemos hoje seria diferente, de Platão, Sócrates, passando por Aristóteles. Textos fundamentais desses pensadores foram perdidos, junto de muitas outras coisas que sequer chegamos a conhecer. Talvez todo esse conhecimento nos esteja fazendo falta, neste exato momento da curta história da humanidade, em que parece ser tão difícil optar pela viabilidade da espécie humana, ou reduzir o nosso consumo de bens e a forma como nos relacionamos com a natureza.

    Senso assim, é dolorido pensar que a minha filha jamais poderá conhecer o que eu conheci dentro do Museu Nacional.

    É preciso dizer que o incêndio do Museu Nacional do Rio de Janeiro não é uma metáfora, não é uma alegoria de uma distopia que se avizinha. O fogo de ontem foi real. Ardeu e reduziu a cinzas mais de 20 milhões de bens culturais insubstituíveis para o Brasil, para a América latina e para a humanidade. O crânio de Luzia conservado fossilizado pela natureza por mais de 11 mil anos -a mais importante descoberta arqueológica no Brasil – foi destruído em menos de 2 anos de um governo de “doutrina do choque”, como ensina Naomi Klein. E esse é só um exemplo dentre outros 20 milhões de memórias, riquezas, registros e obras de arte perdidas no mais importante acervo da América latina.

    Isso é muito grave.

    Leia também:

    Um grande acordo de queima, com museus, com tudo!

    O que acontece ontem não é fruto do acaso, ou um acidente lamentável. É um projeto bem pensado de desmonte do país, que reduz a qualidade do serviço, vulnerabiliza funcionários, e que se não se incendeia no caminho, entrega um museu inteiro à iniciativa privada construído com mais de 200 anos de contribuição tributária da população. Justamente essa população que hoje não poderia arcar com os custos de um bilhete de entrada se não fossem os subsídios estatais à cultura. Exatamente esses subsídios que foram reduzidos drasticamente para atender os auspícios da nova ordem neoliberal sangue-puro imposta em 2016.

    Por tudo isso, é preciso pensar de que lado você está. Do fogo que barbariza e queima indiscriminadamente o que vê, de quem corta recursos e esperar ver “no que dá”, ou de quem joga água e corre para salvar o que ainda pode ser salvo?

    Escolham as suas armas e o seu lado.

    E que a tristeza não paralise nossas ações.

    Alessandra Devulsky

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/o-incendio-do-museu-nacional-alexandria-2-0/621061496

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    1 Comentário

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    Mas se o problema vem de 15 anos atrás, como a culpa é do atual governo?

    Ademais, não realizaram a copa e as olimpíadas com dinheiro público? Tinha um ministro de um tal sapo barbudo que tá preso que falou que não usaria dinheiro público, mas custeou só 80% das obras da copa.

    Isso pra não falar do dinheiro do BNDES aplicado no aeroporto fantasma de Moçambique, do porto de Cuba, do metrô incompleto de Caracas, da compra de Pasadena por 25 vezes o valor de mercado, dos gastos de mais de 20 bilhões com Abreu Lima, das desonerações de mais de 458 bilhões em apenas 7 anos.

    Petistas só comprovam ignorar a cultura ao tentar reescrever a História em seu favor. continuar lendo