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29 de Abril de 2024
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    O Populismo Penal e o Estado Penal: onde iremos parar?

    Publicado por Justificando
    há 9 anos

    O sistema penal brasileiro adota o modelo tripartido formulado por Roxin em 1997 com relação à função social da pena. Nas palavras de Luiz Flávio Gomes[1]:

    No momento da cominação legal abstrata, a pena tem finalidade preventiva geral (seja negativa: intimidação; seja positiva: definição ou chamada de atenção para a relevância do bem jurídico protegido);

    Na fase da aplicação judicial, a pena tem finalidade preventiva geral (confirmação da seriedade da ameaça abstrata, assim como da importância do bem jurídico violado), repressiva (reprovação do mal do crime, fundada e limitada pela culpabilidade) e preventiva especial (atenuação do rigor repressivo para privilegiar institutos ressocializadores alternativos: penas substitutivas, sursis etc.);

    Na última etapa, na da execução, prepondera (formalmente) a finalidade de prevenção especial positiva (proporcionar condições para a ressocialização ou para a realização de um processo de diálogo – Dotti –), porém, na prática, o que se cumpre é a função preventiva negativa da inocuização (mero enclausuramento, sem nenhum tipo de assistência ao recluso, sem a oferta das condições propícias a sua reinserção social).

    Deste modo, os reclusos do Brasil não tem assistência nos presídios e muito menos depois de cumprirem sua pena. As chances de reinserção social tornam-se escassas, e formam exceções aqueles que voltam ao trabalho e não se tornam reincidentes. Porém, a grande dificuldade é causada, entre outros fatores, pela mídia.

    A mídia, no seu eterno looping de informações exatamente iguais e com as mesmas mensagens subliminares de que os “cidadãos de bem” devem ser imensuravelmente e radicalmente contra a violência, tem criado, ao longo dos anos e em uma tarefa árdua, um estereótipo criminoso e o instituído como inimigo da sociedade. Deste modo, o direito penal do inimigo tomou forma dentro das pessoas que vivem bombardeadas com esse tipo de informação, rejeitando qualquer tipo de ressocialização do apenado, bem como cultivando o desejo incansável por vingança.

    Neste patamar, a mídia desenvolve a ideia de que não basta somente o cumprimento da pena e o “castigo” do delinquente; a pena deveria gerar comemoração para os “cidadãos de bem”, para que estes fiquem satisfeitos de que a vingança foi feita, e que aquele que infringiu a lei está sofrendo com a crueldade e com o massacre da pena que ele merece. A cobertura da execução do castigo, desde que suficientemente vingativa, cria uma falsa sensação de “justiça feita”, ainda mais se a prisão for superlotada ou se resultar em morte do “inimigo social”.

    Em um decorrer óbvio de fatos, a mídia dissemina o hiperpunitivismo radical e, aliada aos agentes do populismo penal, ludibriam a população de que impunidade é sinônimo de ausência de leis. Então, soma-se isto à ideia de que vingança é necessária e à realidade emocional fraca da população, e os agentes do populismo penal, agora, exercem o controle social de acordo com seus interesses pessoais, e não com os interesses sociais que deveriam vigorar.

    A pior consequência vem, sobretudo, quando, ao momento do clamor social por leis mais rígidas que controlem a criminalidade desenfreada que gera medo e insegurança para a população, os agentes do populismo penal são chamados para uma solução. Porém, ao criarem as tais leis rígidas, percebem os operadores do direito que, muitas vezes, elas vêm acompanhadas da inobservância da Constituição Federal e dos Direitos Humanos, e, por vezes, de outras leis ordinárias.

    Entretanto, esquece-se de que o populismo penal clamado pela sociedade cuida dos efeitos, e não das causas do problema da criminalidade. O rigor da norma penal para a solução da criminalidade descarta o uso da criminologia e da política criminal, ciências essas que surgiram para estudar as causas daquilo que causa tanto medo na população, em função da disseminação das mazelas sociais pela mídia. Porém, o ato de legislar desenfreadamente só traz mais problemas para a sociedade brasileira, como a hipertrofia do sistema penitenciário e o alto incide de reincidência dos apenados.

    Há, no fim, a inversão da finalidade da pena que, antes, era de ressocialização e mudança da consciência do criminoso e, nos dias de hoje, é de vingança popular e sofrimento daquele que infringiu uma norma penal. A dor sofrida pelo criminoso deve ser extravagantemente maior do que a ofensa praticada por ele.

    Posteriormente a toda essa trajetória iniciada pela mídia, a população, depois de orar dia e noite pela edição de leis mais rígidas, espera que estas sejam cumpridas. E mais do que isso: aguarda pelo seu cumprimento desenfreado e sem o tão importante respeito aos princípios do devido processo legal e da ampla defesa. E que absurdo se nós, operadores do Direito, respeitarmos os Direitos Humanos! Considerando que os Direitos Humanos são para humanos direitos...

    E, nesse patamar, entramos em mais uma temerosa consequência do discurso populista punitivo, que abarca agora o Poder Judiciário. O populismo penal já vem atacando o judiciário por meio do chamado “apedrejamento midiático”, fazendo com que a realidade se inverta: se, antigamente, o juiz tinha que ter muita coragem para condenar, nos tempos atuais ele deve ter o dobro de coragem para absolver. Ademais, segundo alguns autores, é legítima a crítica às decisões judiciais, porém inadmissível que os juízes e os tribunais sejam desqualificados quando tomam decisões contrárias a vontade popular.

    Sob esta perspectiva, o foco central da característica do Poder Judiciário de ser independente em uma democracia constitucional é o de não se entregar ao populismo penal da vontade do povo. O populismo penal que fere o direito constitucional garantista é o mesmo que vem deixando de lado o Estado Social e dando lugar a um Estado Penal sem precedentes.

    Bruna Bastos é Estudante do 5º semestre do curso de Direito da Faculdade de Direito de Santa Maria – FADISMA, Rio Grande do Sul. Trabalhadora voluntária na 4º vara criminal da 3º Defensoria do Estado do Rio Grande do Sul.
    REFERÊNCIAS [1] GOMES, Luiz Flávio. Funções da pena no direito penal brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1037, 4 maio 2006. Disponível em: . Acesso em: 27 de agosto de 2015.
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