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6 de Maio de 2024

Opinião: Quanto custa um advogado em 2023

Reflexão sobre o colapso da função de associado em escritórios

Publicado por Advobardo Brasileiro
ano passado

Vou te contar uma história bem comum nessa carreira, me formei em 2017 em uma boa universidade, por ter me esforçado durante a graduação fui aprovado no exame de ordem ainda antes de me formar, fiz duas pós-graduações que me custaram um carro popular cada.

Também não me faltou experiência, estagiei os 5 anos da graduação em instituições públicas e escritórios de advocacia, estudei um período fora do país para aperfeiçoar o inglês e em seguida comecei a trabalhar em escritórios em São Paulo, a remuneração era baixa, mas imaginei que isso fosse temporário por ser início de carreira.

Comecei a observar sinais vermelhos quando ao conhecer pessoas contratadas pelos melhores escritórios de advocacia de São Paulo, eles me confessaram que também recebiam pouco e tinham um volume de trabalho capaz de esgotar um workaholic homérico.

Para os que não sabem, o regime de associado desobriga os escritórios a assinar a carteira de associados. Mesmo com os elementos de relação trabalhista flagrantes, processar é inútil. Em 2023, a grande maioria das propostas em escritórios de advocacia, não importa se junior, pleno ou sênior, mal pagam o aluguel de uma kitnet em São Paulo próximo ao escritório (que é o que a vaga exige: fácil acesso ao local).

Com a média de R$ 2.000 à R$ 3.000 sem carteira assinada e sem benefícios, o candidato precisa participar de diversas etapas de processo seletivo, o que envolve horas de testes online de personalidade que por vezes o descartam por ter o perfil “leão” ao invés de perfil “águia”, que seria o "ideal" para a vaga, o que também conversa um pouco com a precarização dos profissionais de recursos humanos que estão sendo substituídos por testes online.

A remuneração é maior que a que recebe a grande maioria dos brasileiros, mas não faz o menor sentido considerando o esforço e sacrifício que a maioria dos brasileiros teria que passar para conseguir um diploma universitário, ainda mais em uma carreira que termina com um exame que reprova a maioria dos bacharéis. O custo com o associado é menor do que um salário mínimo de um empregado registrado.

Vagas com remuneração bruta de R$ 1.000,00 a R$ 2.000,00 como associado, exigindo inglês fluente, exclusividade e informando que “mestrado será considerado um diferencial” encontra candidatos e são relativamente comuns. Se você é uma minoria, mãe solteira ou periférico, o calvário é longo. Se você é bacharel e não conseguiu ser aprovado no exame de ordem, Deus tenha misericórdia.

As situações que saltam aos olhos são as que exigem que o advogado trabalhe uma semana gratuitamente como teste, remuneração de R$ 500 reais por mês, já fiz uma prova com mais questões e peças que o próprio exame de Ordem para um escritório que pedia exclusividade, três línguas fluentes e pagava menos do que a média.

Se o candidato consegue entrar na vaga, o assédio moral é cultural, não existe qualquer respeito com o descanso ao final de semana, os sócios tratam as carcaças de recém formados como self-service, o número de horas extras é ilimitado e não remunerado, qualquer sinal de indignação resulta em demissão.

Encontrar milagrosamente uma vaga boa, com remuneração proporcional e benefícios é algo tão incomum que tem um funil equiparado ao de um concurso público, exigindo um investimento no currículo que é para poucos, indicação e geralmente depende de uma família com recursos.

O cliente que vai até os escritórios de ponta e paga centenas de milhares por uma defesa ou ação, tem o trabalho feito por um estagiário ou recém formado no início de um burnout em alguns minutos, isso raramente reflete na remuneração ou melhoria na qualidade de trabalho do profissional ou em um trabalho de qualidade para o cliente.

O mito do empregado que pode negociar livremente com o patrão sobre os seus benefícios não encontra um exemplo que o derrube como o caso dos advogados, que apesar de possuírem todas as ferramentas argumentativas para essa negociação, não possuem nenhuma paridade de armas para reclamar de qualquer abuso.

Antes de culpar os trabalhadores que precisam sobreviver e por não ter direitos trabalhistas como associados não possuem reserva financeira alguma para lidar com o imprevisto de uma demissão, é preciso começar a enfrentar a ganância de escritórios que submetem seus colaboradores à essa situação.

Tenho alguns privilégios de poucos, por ter alguns ofícios que me garantem renda até que eu consiga um fluxo constante de clientes, posso me recusar a aceitar ser explorado dessa forma por enquanto, prefiro trabalhar em outra área do que usar todo o esforço para minha formação nesse sistema de assassinato de sonhos, mas não sei do dia de amanhã.

A situação é um prato cheio para discursos políticos, coaches online, “advogados empreendedores” ou “tiktokers”, juízes que ensinam advogados a deixar o trabalho deles mais fácil e cobram por isso, todos esses com a intenção de arrancar o pouco dinheiro que a classe conquista em troca de promessas vazias, "mentorias" e cursos online, sem nenhuma responsabilidade ou empatia no que entregam.

Mesmo os discursos mais marketeiros começam de um ponto que todos concordam: a grande maioria vai perecer, vão questionar milhares de vezes porque não escolheu qualquer profissão (qualquer outra). Isso não é razoável, a maioria dos advogados não são preguiçosos ou burros, ter estudado de forma disciplinada durante anos é uma demonstração disso.

Espero com pouca esperança pelo dia que ocorra alguma forma de “arrebatamento” da advocacia, como o Big Quit que ocorreu no setor de consultoria americano pós-pandemia, o que pode chegar mais cedo do que esperamos. Com essas cartas na mesa, qualquer mudança no cenário só pode resultar na ruína de um dos lados, que é o único que está ganhando algo nessa situação toda.

Enquanto isso não acontece, peço aos caros colegas que lutem, com as armas que possuem e na medida que podem, desde a graduação, para que isso não ocorra com vocês, levando em conta que se conquistarem um único cliente por mês, já vão receber mais do que a maioria. Sei que não é fácil, mas garanto que é melhor do que espera vocês como associados.

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Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/opiniao-quanto-custa-um-advogado-em-2023/1740841439

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Não entendo como a nossa classe, nossa entidade, à OAB, não faz absolutamente nada para melhorar a nossa Vida! Com mais de 1 milhão de Advogados no Brasil, e apesar de receber de todos os estados. A Nossa entidade não fornece um plano de Saúde, um plano previdenciário, sequer há um único beneficio em pagar a nossa anuidade!! Penso que Advogar é quase uma Pirâmide, toda uma Base sustenta todo o sistema dos diretores. Ser um "reclamão" é a uma forma de rebeldia, mas o sucesso é à única saída, o esforço, e a habilidade vencem qualquer barreira. Desistir Jamais! continuar lendo

Ainda existe muito egoísmo e ganancia na nossa profissão. Mas acredito que tudo que você enxergou de errado na advocacia seja um convite para nós, novos advogados, fazermos diferente e dar um futuro melhor do que aquele que recebemos. continuar lendo

Boa tarde
Para quem conhece o direito já não faz direito, imaginamos quem não sabe os seus direitos, como exemplo: as pessoas de baixo poder econômico, como também de pouca escolaridade. Ai sim, viram escravos do trabalho e nem sequer ganham horas extras. continuar lendo

Excelente texto, muito esclarecedor. continuar lendo