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16 de Junho de 2024
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    Pablo Stolze Gagliano

    Publicado por Carta Forense
    há 16 anos

    Você seria capaz de amar duas pessoas ao mesmo tempo?

    Esta indagação, quando nos referimos ao amor que une os casais, costuma surpreender o interlocutor, o qual, por vezes, culmina por tentar buscar - ainda que em breve (e quase imperceptível) esforço de memória -, em sua história de vida, na infância ou na adolescência, algum fato caracterizador desta complexa 'duplicidade de afeto'.

    Pondo um pouco de lado o aspecto eminentemente moral que permeia o tema, é forçoso convir que a infidelidade e os amores paralelos fazem parte da trajetória da própria humanidade, acompanhando de perto a história do casamento.

    Machado de Assis que o diga.

    Por isso, não se afirme que a discussão, em nível jurídico, dos direitos da (o) amante traduz a frouxidão dos valores morais de nosso tempo, pois, se crise ética e valorativa há no mundo de hoje - e, de fato, creio existir - deriva, sem dúvida, de outros fatores (sucateamento do ensino, desigualdade social ainda acirrada, níveis alarmantes de insegurança pública, falta de visão filosófica e espiritual da vida), e não da infidelidade em si, que, conforme dissemos, é assunto dos mais antigos.

    O fato é que, hoje em dia, a doutrina e a jurisprudência, sob o influxo da promoção constitucional da dignidade humana, resolveram enfrentar a matéria.

    A amante saiu do limbo jurídico a que estava confinada.

    Nesta linha, pois, poderíamos reconhecer direitos à (ao) amante?

    Inicialmente, não se diga que a fidelidade é um valor absoluto, porque não é.

    O que dizer, por exemplo, do casal que vive em poliamorismo?

    O poliamorismo ou poliamor, teoria psicológica que começa a descortinar-se para o Direito, admite a possibilidade de co-existirem duas ou mais relações afetivas paralelas, em que os seus partícipes conhecem-se e aceitam-se uns aos outros, em uma relação múltipla e aberta.

    Por mais que este não seja o padrão comportamental da nossa vida afetiva, trata-se de uma realidade existente, e que culmina por mitigar, pela atuação da vontade dos próprios atores da vida, o dever de fidelidade. Há, inclusive, notícia da jurisprudência neste sentido:

    "A 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça gaúcho reconheceu que um cidadão viveu duas uniões afetivas: com a sua esposa e com uma companheira.Assim, decidiram repartir 50% do patrimônio imóvel, adquirido no período do concubinato, entre as duas. A outra metade ficará,dentro da normalidade, com os filhos. A decisão é inédita na Justiça gaúcha e resultou da análise das especificidades do caso".

    Verificamos, pois, como é difícil estabelecer normas de observância obrigatória nos conturbados caminhos do coração humano.

    Por outro lado, a mesma dificuldade se apresenta quando enfrentamos a complexa tessitura da relação com a amante (o amante) e a possibilidade jurídica de reconhecimento de seus direitos.

    Qualquer tentativa de se apresentar uma resposta única ou apriorística é, em nosso sentir, dada a multifária tessitura dos caminhos da nossa alma, temeridade ou alquimia jurídica.

    Uma união paralela fugaz, motivada pela adrenalina ou simplesmente pela química sexual, não poderia, em princípio, conduzir a nenhum tipo de tutela jurídica.

    No entanto, por vezes, este paralelismo se alonga no tempo, criando sólidas raízes de convivência, de maneira que, desconhecê-lo, é negar a própria realidade.

    Tão profundo é o seu vínculo, tão forte é a sua constância, que a amante (ou o amante, frise-se) passa, inequivocamente, a colaborar na formação do patrimônio do seu parceiro casado, ao longo dos anos de união.

    Não é incomum, aliás, que empreendam esforço conjunto para a aquisição de um imóvel, casa ou apartamento, em que possam se encontrar.

    Configurada esta hipótese, amigo (a) leitor (a), recorro ao seu bom-senso e à sua inteligência jurídica, indagando-lhe: seria justo negar-se à amante o direito de ser indenizada ou, se for o caso, de haver para si parcela do patrimônio que, comprovadamente, ajudou a construir?

    Logicamente que não, em respeito ao próprio princípio que veda o enriquecimento sem causa.

    Nesse sentido, já decidiu o Superior Tribuna de Justiça:

    "Em decisão da 4ª Turma, do ano de 2003, o ministro Aldir Passarinho Júnior, relator de um recurso (REsp 303.604) , destacou que é pacífica a orientação das Turmas da 2ª Seção do STJ no sentido de indenizar os serviços domésticos prestados pela concubina ao companheiro durante o período da relação, direito que não é esvaziado pela circunstância de o morto ser casado. No caso em análise, foi identificada a existência de dupla vida em comum, com a mulher legítima e a concubina, por 36 anos. O relacionamento constituiria uma sociedade de fato. O Tribunal de Justiça de São Paulo considerou incabível indenização à concubina. Mas para o ministro relator, é coerente o pagamento de pensão, que foi estabelecida em meio salário mínimo mensal, no período de duração do relacionamento" Veja AQUI

    Firmada, pois, a tutela do Direito Obrigacional, indago se seria possível irmos mais além, para se admitir a proteção do próprio Direito de Família.

    Não nego esta possibilidade, em situações excepcionais, devidamente justificadas.

    Acentuo esta nota de "especialidade", pois, não sendo assim, criaríamos uma ambiência propícia à autuação de golpistas e aproveitadores, simuladores de relações de afeto.

    É acentuadamente simplista, e até socialmente desaconselhável, afirmar-se que em toda e qualquer situação a (o) amante concorrerá com a (o) esposa (o) ou com a (o) companheira (o).

    Não.

    Para que possamos admitir a incidência das regras familiaristas em favor da (o) amante, deve estar suficientemente comprovada, ao longo do tempo, uma relação socioafetiva constante, duradoura, traduzindo, inegavelmente, uma paralela constituição de um núcleo familiar.

    Tempo, afeto e aparência de união estável - com óbvia mitigação do aspecto da publicidade - são características que, em nosso sentir, embora não absolutas de per si, devem conduzir o intérprete a aceitar, excepcionalmente, a aplicação das regras do Direito de Família, a exemplo da pensão alimentícia ou do regime de bens (restrito, claro, ao patrimônio amealhado pelos concubinos).

    Vejamos caso levado à apreciação do Superior Tribunal de Justiça:

    "A Sexta Turma do STJ está apreciando um recurso especial (REsp 674176) que decidirá sobre a possibilidade de divisão de pensão entre a viúva e a concubina do falecido. A relação extraconjugal teria durado mais de 30 anos e gerado dois filhos. O homem teria, inclusive, providenciado ida da concubina de São Paulo para Recife quando precisou mudar-se a trabalho, com a família". Veja AQUI

    O desdobramento deste estudo você encontra no: AQUI

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