Pobres, sem direito à moradia
"O direito à moradia é fundamental e intransferível." Palavras contidas no artigo 182 da Constituição Federal . Apesar de estar na lei maior do país, o direito não é garantido para muitas famílias. O deficit habitacional - soma de moradias inadequadas, impróprias e sem infra-estrutura - atinge 8 milhões de domicílios - 110 mil a mais do que em 2004.
Em 12 de setembro, o governo anunciou um novo pacote habitacional para reverter a situação. Criticado como eleitoreira, já que divulgada três semanas antes do pleito presidencial, o conjunto de propostas não beneficia famílias cuja renda mensal seja inferior a cinco salários mínimos, o equivalente a R$ 1.700. De acordo com um estudo da Fundação Getúlio Vargas, baseado em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2004, 92% das famílias que vivem em moradias inadequadas recebem menos do que cinco salários mínimos. Pessoas que não atingem o patamar não têm acesso a financiamentos para moradias,e não vão ser contempladas pelo pacote governamental.
"Em São Paulo, por exemplo, uma moradia digna não sai por menos de R$ 40 mil. Pessoas que recebem até cinco salários mínimos não têm como pagar as prestações de um financiamento desse valor. O cidadão precisa ter algum subsídio ou não vai ter moradia digna", afirma o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil de São Paulo (Sinduscon), João Cláudio Robusti. Para o pacote habitacional, o governo pretende liberar R$ 8,7 bilhões em 2006 para financiamentos, recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo que não vão estar acessíveis às famílias mais pobres. A nova política também prevê repasse de verbas a construtoras.
Taxa de juros extorsiva
Quando adquire financiamento, a população de baixa renda enfrenta outro problema: a dificuldade no pagamento das parcelas. Nos financiamentos habitacionais, as taxas de juros são acrescidas pela Taxa Referencial (TR). O pacote do governo torna facultativa a cobrança, mas a taxa de juros continua alta, em torno de 15%.
A TR, usada para a correção dos empréstimos do Sistema Financeiro da Habitação, foi criada por Fernando Collor. No governo de Fernando Henrique Cardoso, a taxa atingiu índices mais altos do que o da inflação. Ocorreu um encarecimento do custo do crédito, além de um aumento da inadimplência.
Para a população de baixa renda ter acesso à moradia, a taxa de juros deveria estar entre 6% e 7%, revela o Instituto de Orientação às Cooperativas Habitacionais do Estado de São Paulo (Inocoop). As altas taxas benefi ciam os bancos, que tiveram lucros recordes no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Não por acaso as ações do setor bancário cresceram no dia em que o pacote foi lançado - as do Itaú e do Bradesco subiram mais de um por cento. A avaliação dos analistas financeiros é que as medidas criaram um cenário favorável para o crescimento do crédito imobiliário em médio e longo prazo.
Para a classe média
O governo vai destinar R$ 1 bilhão neste ano para construtoras. Os recursos vão ser repassados pela Caixa Econômica Federal. Mesmo com a possibilidade de financiamentos, as chances de as empresas financiarem a construção de moradias populares são reduzidas, avalia o diretor superintendente do Inocoop de São Paulo, Richard Moreton Treacher, já que as pessoas de baixa renda possuem muitas vezes uma renda informal, o que não dá garantia às construtoras.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vai disponibilizar uma linha de crédito de R$ 100 milhões para empresas financiarem a construção de casas para seus empregados. Treacher considera que essa medida não altera significativamente as condições adequadas de moradia para a população pobre: "Os complexos industriais não estão nos centros urbanos ou nas áreas onde é mais significativo o deficit habitacional".
Sem incentivo
Políticas para amenizar a falta de moradias parecem não receber tanto incentivo quanto o dado às construtoras. Foram reduzidos os recursos previstos do Fundo Nacional de Habitacao de Interesse Social para 2007. Criado por meio de projeto de lei sancionado por Lula em junho do ano passado, o Fundo gerencia os recursos destinados a políticas habitacionais para famílias de baixa renda, por meio de ações como a urbanização de favelas.
Os recursos do sistema nacional de habitação e do fundo são formados com verbas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e do Orçamento da União. O Fundo em 2006 recebeu R$ 1 bilhão, já em 2007 terá R$ 400 milhões.
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