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3 de Junho de 2024
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    Porque a Cesta do Povo ainda está em atividade?

    Por José Alberto Sampaio*

    Criada pelo governo do Estado da Bahia com o objetivo inicial de aumentar a oferta de produtos que compõem a cesta básica de forma a oferecer produtos mais baratos e em quase todo o território do Estado, através do aumento da concorrência comercial e se estabelecendo em localidades onde a iniciativa privada não se interessava, a Ebal Empresa Baiana de Alimentos S/A, cujo nome de fantasia é Cesta do Povo, nasceu em 1979.

    Embora essa seja a versão oficial da sua história, há comentários de que tal empresa teria sido criada pelo então governador Antonio Carlos Magalhães, para fazer concorrência à principal empresa do ramo supermercadista da época, o Supermercado Paes Mendonça, cujo dono ou acionista majoritário era o senhor Mamede Paes Mendonça, com quem ACM tinha uma rusga pessoal, por conta de possível não colaboração do empresário com o seu projeto político-partidário.

    Seja por um motivo ou outro, é razoável admitir que a Cesta do Povo foi de grande importância social no momento da sua criação e por muitos anos foi responsável pela regulação dos preços e pela oferta de produtos em regiões menos desenvolvidas do Estado, cumprindo assim a sua missão original.

    Tal inserção estatal na economia baiana se deu a um custo considerado alto, pois não foram poucas as denúncias e os escândalos em relação à Cesta do Povo, que vão da sua utilização como cabide de empregos distribuídos generosamente (e até irresponsavelmente) pelos governantes (ressalvado os casos de realização de concursos públicos para a admissão de muitos funcionários), passando pela má administração da empresa, cujos principais postos de comando sempre foi ocupado por indicações político-partidárias, muitos sem nenhuma experiência no ramo e chegando, inevitavelmente, aos escândalos atinentes ao uso da empresa para todo tipo de malversação dos recursos públicos, conforme se pode ver nos arquivos de jornais e revistas ao longo da existência da empresa.

    Antes de analisar a viabilidade atual da empresa, é necessário que se faça a ressalva que trata-se de uma empresa que embora comercial, não se rege pela busca pelo lucro e sim pela análise entre o seu custo social e o fim a que se propôs e que, no caso e como já mencionado no início do texto, foi instituída para criar ou aumentar a concorrência e assim baixar preços e, adentrar regiões e cidades onde a oferta de alimentos e demais produtos da cesta básica era insuficiente ou inexistente.

    Saliente-se também que não se trata de uma abordagem conclusiva, mas pretende-se a partir de alguns argumentos que se supõe razoavelmente lógicos e de fácil percepção, que se estabeleça uma discussão sobre a continuidade da destinação de vultosos recursos públicos na continuidade dessa empresa.

    Análise rápida do ponto de vista contábil da Cesta do Povo (exercício de 2009)

    Do ponto de vista da estática patrimonial, que é uma espécie de fotografia num determinado momento sobre o aspecto econômico financeira de uma entidade (empresa que vise ou não o lucro), a situação da Cesta do Povo é uma das piores possíveis: Passivo a descoberto.

    Para se ter uma ideia do caos contábil em que a empresa se encontrava naquele momento, só há uma situação pior do ponto de vista contábil: Insolvência absoluta, em que a empresa já não tem nenhum bem ou direito, mas possui dívidas.

    Esta situação contábil (Passivo a Descoberto) evidenciada no último Balanço Patrimonial da empresa disponível em http://www.ebal.ba.gov.br/novagestao/arq/BalançoAnual2009Ebal.pdf), mas que vem se repetindo a cada ano, equivale a dizer que se ela vendesse todos os seus bens e recebesse todos os seus créditos, os recursos obtidos não seriam suficientes para pagar todas as suas dívidas (faltaria mais de R$ 30 milhões), nem daria para devolver nenhum dos R$ 634 milhões que o governo baiano colocou na empresa a título de capital até aquela data.

    Não fosse uma empresa do governo em que não se espera que venha dar um calote na praça, não teria mais nenhum fornecedor vendendo fiado um único quilo de alimento ou de outro produto a empresa. Nenhum estabelecimento bancário emprestaria um único centavo à empresa.

    Tampouco funcionários estariam acreditando que receberiam os seus salários ao final do mês e os seus direitos trabalhistas nos prazos e nas situações estabelecidas em lei.

    Da mesma forma, se o dono da empresa não fosse o governo, nenhum empresário, investidor ou acionista colocaria mais um único real no negócio, pois, como já dito, tudo que foi colocado lá, já escoou pelo ralo e, o pior, com remotíssima chance de recuperação.

    Vamos aos números do último balanço publicado pela empresa, relativos ao exercício de 2009:

    Total do Ativo (Bens e Direitos): R$ 170 milhões

    Total do Passivo Exigível (Dívidas): R$ 202 milhões

    Passivo a descoberto (diferença entre quanto teria e quanto devia): R$ 32 milhões

    Prejuízo apurado no exercício de 2009: R$ 52 milhões

    Prejuízo Acumulado até aquele momento: R$ 667 milhões

    Para os fins a que se propõe o presente trabalho, essa situação contábil da empresa necessariamente deverá ser analisada em conjunto com outros aspectos relativos à sua missão social, mas mesmo que isoladamente, essa análise contábil já suscita a necessidade de uma discussão sobre os benefícios sociais disponibilizados pelo governo através da empresa ou se seria mais racional a continuidade da disponibilização dos mesmos benefícios através de outros instrumentos e vias existentes, com maior abrangência, com maior eficiência e menor custo.

    Far-se-á partir de agora uma análise sobre os dois principais pilares que justificaram a criação da Cesta do Povo, quais sejam a questão de mercado e o abastecimento em regiões não servidas pela iniciativa privada.

    Na época da sua criação, o comércio de gêneros alimentícios, produtos de higiene e de utilidades domésticas, comercializados por armazéns, vendas, quitandas e nos então recém-surgidos supermercados, ocorria com pouca e, não raro, nenhuma concorrência, o que elevava os preços e contribuía com a oferta de produtos de baixa qualidade e havia, além disso, muitas localidades em que a oferta de tais produtos era inexistente ou bastante precária.

    Naquele momento histórico e econômico se justificava plenamente a intervenção estatal na economia, com a criação de uma empresa que tanto viesse a contribuir com a redução dos preços dos produtos, sobretudo daqueles que compõem a cesta básica e são destinados à população de baixa renda (certamente nasceu daí a denominação das lojas de Cesta do Povo), quanto na oferta desses produtos de melhor qualidade e numa área mais abrangente do estado.

    Do ponto de vista operacional, a Cesta do Povo sempre contou com uma certa complacência do governo e da própria sociedade relativamente à sua ineficiência administrativa, econômica e contábil por conta da sua importância no equilíbrio de mercado e da capilaridade territorial na oferta dos produtos, porque, mesmo a duras penas e a um relativo alto custo, alcançava-se a eficácia (fazia os preços baixarem e chegava aos mais longínquos recantos baianos).

    Passados mais de trinta anos do surgimento da empresa, a realidade na oferta dos referidos produtos no estado da Bahia mudou - e para melhor.

    Atualmente, principalmente na Capital e nos grandes centros há uma visível concorrência acirrada nesse ramo do comércio, seja pela chegada de grandes redes nacionais e multinacionais, como a Wal Mart, Carrefour, Pão de Açúcar e tantas outras, como pela infinidade de mercadinhos existentes nos bairros centrais e periféricos, com as bênçãos do governo através do incentivo à criação de micro e pequenas empresas e do empreendedorismo individual.

    Em muitas dessas lojas, sejam de grandes redes ou nos pequenos mercadinhos de bairro, não é fácil encontrar produtos com menores preços e com qualidade semelhante ou até superior aos oferecidos pelas quase trezentas lojas da Cesta do Povo espalhadas pelo Estado.

    No mesmo sentido, embora ainda em menor intensidade, o interior também vem experimentando um crescimento importante na quantidade de micro, pequenas e médias empresas que aquecem o mercado local, ofertando tais produtos com preços bastante competitivos.

    Portanto, os dois pilares sobre os quais foram edificados as lojas da Cesta do Povo, atualmente não justificam a continuidade de uma gigantesca estrutura estatal de alto custo, acumulando prejuízos e consumindo anualmente um enorme volume de recursos públicos para tal mister.

    Será que o projeto Cesta do Povo não já atingiu o seu apogeu e precisa ser desativado ou substituído?

    Será que os recursos consumidos pelo programa não poderiam ser melhor utilizados através do uso de outras ferramentas e instrumentos que destinassem esses recursos à população de baixa renda de forma direta seja através de outros programas já utilizados pelo poder público como o Bolsa Família ou através de parcerias com a iniciativa privada como cartão de descontos ou algo semelhante?

    Outras questões subjacentes, que sem dúvida são muito importantes e merecem equilíbrio e responsabilidade na condução, como a existência de um imenso quadro de funcionários que contribuíram com a missão da empresa ao longo da sua existência e que precisam ter os seus direitos assegurados, mas que poderiam ser redirecionados para outras áreas carentes de pessoal para os quais se contrata provisoriamente através do REDA, principalmente da educação e na saúde.

    Os pequenos fornecedores que se beneficiam com a colocação dos seus produtos nas prateleiras da Cesta do Povo, poderiam ser incentivados a migrar para as redes comerciais e para o fornecimento da merenda escolar fornecida pelas escolas públicas.

    Outros serviços que foram sendo paulatinamente acrescentados ao negócio da Cesta do Povo, como a Farmácia do Povo, já podem ser totalmente migrados para as farmácias comerciais, pois já são fornecidos a preços subsidiados pelo governo na rede privada de farmácias.

    O cartão de crédito denominado Credicesta, pode tranquilamente ser redirecionado para convênios com cartões de crédito comerciais ou redes de supermercados com até mais vantagens para os servidores públicos, como descontos e outras vantagens como pontuação e milhagens, pela sua inexistente inadimplência, visto que tem os seus valores religiosamente descontados em folha de pagamento.

    Esta é uma contribuição do Instituto dos Auditores Fiscais do Estado da Bahia à discussão, entendendo que faz parte da sua responsabilidade social a reflexão sobre a destinação dos recursos públicos que os seus associados ajudam a arrecadar e fiscalizar.


    _____________
    (*) Funcionário Público Estadual (Auditor Fiscal da SEFAZ/BA), Bacharel em Ciências Contábeis pela UFBA, Especialista em Administração Tributária e em Gestão Tributária pela UEFS e UNIFACS e Mestre em Contabilidade pelo CEPPEV/FVC.

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    1 Comentário

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    Eu Valton Andrade, pai dedicado, trabalhador exemplar da Cesta do Povo de Cícero Dantas, apenas acho que o quadro de funcionários deveria ser mantido, podendo ser redirecionados para outros órgãos. É só o governo querer. CLT ou ESTATUTÁRIOS, para mim podem ser remanejados do mesmo jeito. É porque eles não querem.
    Agora eu me pergunto... Como ficão os pais e mães de família diante de tal situação? Qual será o nosso destino? continuar lendo