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17 de Junho de 2024

Porto de Itajaí.

A decadência em três atos.

ano passado

Resumo da notícia

Nota histórica e crônica de um desacerto anunciado.

Preâmbulo.

A cidade e a sua vocação marítima. Entre o rio e o mar nasceu e floresceu a Freguesia de Itajahy. E se a terra, como se pensava, não era rica em ouro, a privilegiada localização foi circunstância que favoreceu a ocupação permanente da área, instalada em uma quina ou confluência entre o Itajaí, rio que batizou o futuro município, e o Atlântico Sul.

Não há um marco fundacional, um momento histórico exato, mas é comum a indicação de 1938, logo após a instauração do Estado Novo varguista, ano em que se iniciou a construção de um cais que viria posteriormente a se transformar no atual Porto de Itajaí. Mais precisamente, a 14 de maio.

Outras fontes, porém, nos dão notícia de que nesses arrabaldes já havia trapiches desde meados do século XIX e que faziam a função, improvisada, desse porto ainda inexistente. Registros ainda mais antigos existem. Antes inclusive do estabelecimento da Freguesia ocorrido em 1833, há informação sobre a exploração econômica madeireira nas cercanias, cuja produção era levada à cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro por via marítima. Esse transporte realizava-se por navios de porte considerável, tendo em conta a distância e o peso bruto da valiosa carga em questão.

Pois bem, dos improvisados trapiches, do primeiro molhe, das embarcações e estruturas que não mais existem ou aquelas que jamais saíram dos projetos e discursos, muita coisa mudou.

São, ao menos, dois séculos ininterruptos em que essa relação homem e mar se estabeleceu, trazendo prosperidade a toda uma região que sempre foi dependente das águas.

De fato, grande parte da economia local está vinculada à atividade portuária, cuja riqueza produzida reverbera de forma positiva, direta ou indiretamente, para o estado de Santa Catarina.

O declínio.

Dezembro de 2022: notável a diminuição contínua do movimento no Porto. Naquele momento, já estava instalado um quadro de incerteza e preocupação. A preocupação, muito mais do que um alerta, era mensurável ante as escassas operações e sem perspectiva de incremento, uma espécie de paralisia consciente e atônita.

A situação havia sido antevista pelo mercado e o que era risco de total esvaziamento, afinal, concretizou-se definitivamente nos três meses iniciais de 2023.

O atraso do edital e do leilão de concessão, em efeito multiplicador, desembocaram no estado de penúria, de letargia, que passou a exigir criatividade e esforço extra para devolver a confiança aos operadores e conquistar novas linhas de carga, ante a barreira contratual de reaver as parcerias desfeitas por conta das incertezas estoicamente erigidas pelas autoridades públicas responsáveis. Encerramento do primeiro ato.

O silencioso Porto de Itajaí.

Então chegamos a 18 de abril de 2023 quando, finalmente, através dos esforços da OAB de Santa Catarina por intermédio da Comissão de Direito Portuário e Marítimo, é realizada uma reunião aberta para tratar do futuro do Porto.

Esse debate transcorreu em alto nível, contando com as participações do senhor Ministro de Portos e Aeroportos (MPA), do Diretor-Geral da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), do Secretário Adjunto dos Portos de Santa Catarina e do Superintendente do Porto de Itajaí, entre outros seletos intervenientes.

Em resumo, 10 dos pontos tratados durante esse encontro:

1º. Não se considerou a privatização como uma alternativa politicamente viável. Itajaí é um porto municipalizado e a concessão a um terminal privado haverá de ser acompanhada a seu tempo pelo Governo Federal.

2º. De acordo com o MPA, o roteiro para a retomada das operações passaria pela renovação do contrato com a Prefeitura Municipal de Itajaí e a modernização do Porto, através de recursos federais, para torná-lo mais competitivo.

3º. Declarada a intenção de aproveitamento de todos os estudos já realizados para agilizar a retomada da atividade do Porto cujo cálculo de movimentação em perspectiva chegava a 2 milhões de TEUS.

4º. Pela ANTAQ, sublinhou-se a necessidade de um canal de acesso aquaviário condizente às necessidades do Porto. A Infra S.A., de acordo com as indicações do MPA, faria no projeto os ajustes pertinentes a tal desiderato.

5º. Os passos para a retomada das operações do Porto deveriam seguir o roteiro de: (a) estudos, (b) processo licitatório, (c) audiências públicas, (d) edital, (e) pregão e (f) assinatura do novo contrato.

6º. Tempo previsto para o regresso à normalidade: cerca de um ano, cálculo efetuado a partir da soma de dois prazos estimados, a saber: da conclusão dos passos a, b, c, d e e previsto para o final de 2023, acrescidos de três a quatro meses até a efetiva assinatura do instrumento contratual.

7º. O tema indissociável da segurança jurídica foi levantado. Não há como estimular a atividade portuária sem que os protagonistas, utentes e trabalhadores, tenham o mínimo de previsibilidade do futuro próximo. É essencial reestabelecer essa confiança para a retomada das cargas ao Porto de Itajaí.

8º. Pela Superintendência, salientou-se a preocupação pela demora do processo licitatório.

9º. A alternativa jurídica de se efetuar um arrendamento simplificado de até 10 anos no âmbito da ANTAQ estava em pauta, ainda que nada indicasse ser esse o caminho futuro.

10º. Até aquele momento, os trabalhadores portuários não contavam com nenhum auxílio financeiro, mas aventou-se com a possibilidade de um projeto de lei de renda mínima aos afetados.

Garantir, por instrumentos provisórios, a continuidade da atividade portuária até meados ou o final de 2024 estava e está longe de ser uma solução sequer “tampão”: a perda da confiança, o justificável receio por parte dos armadores e a cautela do mercado fariam com que a ínfima movimentação do Porto de Itajaí verificada nesse início de 2023 – a taxa média de ocupação quedou-se na casa dos 2%, gerando como consequência direta a perda entre 70 a 90% da renda média dos trabalhadores locais – se mantivesse indefinidamente e isso é um imenso problema. Final do segundo ato.

O encerramento das operações por parte da arrendatária.

A confirmação feita pela APM Terminals sobre o encerramento das operações no Porto de Itajaí é um novo capítulo, um desdobramento natural, dessa novela cujo final ainda parece distante. É o terceiro ato de uma tragédia anunciada.

O recente anúncio por parte da arrendatária, parceira nesses últimos 20 anos e operadora dos dois principais berços de atracação do Porto, não surpreende.

Afinal, e as novas linhas? Sem segurança jurídica e com o futuro incerto, a situação era insustentável e a sua manutenção inverossímil a qualquer operador no mercado. Um risco, se não pela viabilidade do Porto, pela inviabilidade momentânea da coordenação política para dar fim a essa paralisia economicamente catastrófica.

Enfim, no final das contas, as coisas se acomodam. É normal e sempre será assim, para o bem ou para o mal. Neste caso, para o mal, mas a acomodação é mesmo um mecanismo de defesa do ser humano e é o que parece estar a acontecer.

Ou, como com perspicácia assinalava Roberto Campos, "o Brasil nunca perde uma oportunidade de perder oportunidades." Uma vez mais, aqui confirma-se.

Por sua vez, a Prefeitura de Itajaí parece fazer o movimento óbvio: movimenta-se para lançar novo edital. O que também é óbvio ou previsível é reconhecer que a situação não é animadora e, sem perspectivas concretas ou à pala de discursos políticos sem efetividade prática, dificilmente o lançamento alcançará parceiros de excelência.

Estamos em meados de junho de 2023, mas não para o Porto que estacionou no tempo. Quem o visita ou o observa do alto presencia um triste retrato praticamente inalterado que se prolonga por meses a fio. A marcha do tempo parece não fazer diferença e as perspectivas para este terceiro trimestre já iniciados quais são? O futuro, como será? Por enquanto, tudo é possível, resposta que é dada sem nenhum otimismo.

Conclusão.

O Porto, como assinalam as autoridades públicas, deve ser entendido não apenas pelo seu viés econômico, mas também pelo aspecto social. Em assim sendo, urge uma definição imediata, definição essa que passa por um modelo simplificado, criativo, moldado às necessidades prementes de uma cidade que testemunha a míngua da principal atividade econômica regional e a depauperização de parte significativa da mão de obra local.

Aliás, se o porto público é estratégico para o país, é mais estratégico ainda para quem dele depende diretamente e os trabalhadores portuários, com toda a certeza, mais do que auxílio ou do que o necessário saque extraordinário do FGTS, querem mesmo é voltar à labuta.

Ademais, a necessidade por equipamentos portuários no estado de Santa Catarina é crescente. Essa demanda, em breve, ficará represada ou – pior e previsível cenário – irá se espargir para instalações e portos aptos a dar vazão a esse imparável e crescente volume comercial.

O regresso às atividades normais é uma emergência. A curto prazo, a paralisia já provocou uma cascata de demissões, a redução significativa de renda para todos os envolvidos na cadeia logística e de recursos financeiros ao município.

A obra até aqui já foi feita e também desfeita e o resultado é consequência natural da inércia. O passado não depende de ninguém e não é possível refazer o que já passou: há o discurso, mas a retórica não vence a concretude dos fatos. Quanto ao futuro, esse não se construirá sem a ação coordenada humana, que se espera racional e objetiva.

Imagem por druckfuchs (Pixabay).



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