“Prender para obter confissão é tortura”, afirma defesa de Lula sobre preventivas
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
A legalidade e o caráter excepcional de algumas medidas adotadas ao longo destes três anos de Operação Lava Jato são temas recorrentes em debates dentro e fora da comunidade jurídica. Isso porque, no decorrer da operação – que investiga um esquema de corrupção em diversas empresas de todo o país – foram quase 2 mil procedimentos instaurados, com números exorbitantes de conduções coercitivas, prisões preventivas e temporárias, e o uso excessivo de delações premiadas.
Uma das mais medidas mais criticada é a prisão preventiva, considerada por muitos juristas como sendo a mais extremada no ordenamento jurídico. Somente o juiz Sérgio Moro, da 13ª vara federal de Curitiba, já decretou 97 prisões preventivas desde o início da operação, das quais 62 (63,9%) foram revogadas ou substituídas por medidas cautelares, como prisão domiciliar, pagamento de multa e uso de tornozeleira eletrônica.
Ao Supremo Tribunal Federal (STF) chegaram recursos de ao menos 34 réus ou investigados, como mostra o levantamento do site Poder 360. E em 19 casos, o Supremo relaxou a prisão.
Ainda assim, “tem presos sem julgamento há mais de dois anos, o que é um escândalo numa sociedade democrática, é uma tortura. Prender para obter confissão é tortura”, diz a advogada do ex-presidente Lula, Valeska Teixeira Martins.
Para ela, as prisões preventivas estão sendo utilizadas como forma de coagir o preso a delatar, fato que retira a voluntariedade da delação. “Toda e qualquer obtenção de confissão ou delação sob tortura não pode ser validada nos parâmetros da lei”, afirma.
O delator, de acordo com Valeska, “tem que estar ali como arrependido e não coagido (…) Agora nós observamos essa ‘indústria de delação premiada’ que não é somente a delação, mas uma ‘mentira premiada’ já que se dá fora dos ditames da lei”. Ela critica: “Os fins justificam os meios na Operação Lava Jato”.
A crítica, no mesmo sentido, já foi feita pelo Supremo Tribunal Federal. Em abril deste ano, em entrevista à Rádio Gaúcha, o ministro Gilmar Mendes afirmou que “[a prisão preventiva] não é para que a pessoa delate ou faça a confissão de crimes (…) Não me parece que nós devamos admitir um estado excepcional apenas por conta da Lava Jato. O combate da corrupção não é mérito da Lava Jato”.
O ministro também criticou o longo período das prisões. Segundo Mendes, “a prisão preventiva alongada, por si só, em casos em que já houve busca e apreensão, documentos estão a salvo de destruição, não se justifica”.
A corrupção como fratura exposta no início da Operação Lava Jato não deve ser ignorada, mas, para Valeska, um dos problemas decorrentes disso é o que chama de “espetacularização a Justiça”. “Juiz aplica a lei, não faz da Justiça. Não deve existir esse protagonismo”, afirma.
De acordo com a Constituição Federal, até que seja concluído o processo ou a investigação de inquérito policial, é direito do cidadão responder o processo em liberdade. Somente quando condenado definitivamente, o que é o conhecido como “trânsito em julgado”, sem possibilidades de recursos, é que a pessoa pode ser presa.
Já a prisão preventiva pode ser decretada, segundo o Artigo 312 do Código de Processo Penal, quando há necessidade de:
A especialista em Direito Processual Penal, Maíra Zapater, explica que a prisão preventiva está inclusa nos direitos e garantias previstos na prisão provisória, em que são abordadas todas as hipóteses legais para prender uma pessoa antes de um processo terminar.
Maíra aponta que existem 3 tipos de prisão provisória: “em flagrante (apenas quando a pessoa está praticando o crime), a temporária (que abrange uma lei especial e cabe inquérito policial) e a preventiva (sem previsão de recurso, apenas o pedido de Habeas Corpus)”.
Apesar de ser determinação em lei que a prisão preventiva seja excepcional, ou seja, priorize a liberdade, ela é aplicada em grande escala e não é um fenômeno singular da Operação Lava Jato.
“Aproximadamente 40% dos presos do Brasil estão encarcerados sem decisão judicial condenatória”, relembra o professor de Direito Constitucional da FGV, Rubens Glezer.
De acordo com Glezer, “isso significa que o instrumento é utilizado em excesso, mas especialmente para as camadas mais vulneráveis da população”.
Neste sentido, segundo o professor, a Operação Lava Jato se consolida como uma investigação que subverte essa realidade, haja vista que “é capaz de atingir qualquer partido político, além de sinalizar que o mesmo garantismo ausente para os mais vulneráveis, possa também vir a faltar para os poderosos”.
A prisão preventiva de parlamentares é uma exceção tanto na regra quanto na realidade. Segundo Glezer, a própria Constituição estabeleceu “critérios mais rigorosos para a proteção do mandato”.
“A Constituição Federal determina que deputados e senadores só podem ser presos em flagrante de crime inafiançável, sendo a ordem de prisão sujeita à avaliação pela respectiva casa do Congresso Nacional”, explica a também professora de Direito Constitucional da FGV, Eloísa Machado de Almeida.
Desta forma, um senador pode ter a suspensão de seu mandato e ainda está protegido por estas regras. “Eles só poderão ser presos preventivamente se ficarem provadas a flagrância de um crime e a sua inafiançabilidade”, explica Eloísa.
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