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17 de Junho de 2024
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    Provas testemunhais frágeis afastam cassação de prefeito de Barão de Melgaço

    (Cuiabá/MT - 24/06) - Inconsistência nos testemunhos que levaram à cassação em primeira instância do prefeito eleito de Barão de Melgaço, Marcelo Ribeiro, motivou o Pleno do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso a decidir, por 4 votos contra 3, pela reforma da sentença que afastou o líder do executivo municipal eleito em 2008. O voto vencedor, proferido pela Juíza Maria Abadia Aguiar, aponta diversas divergências entre os depoimentos que levaram o Juízo de primeiro grau a cassar o diploma de Ribeiro.

    Para Abadia, "após análise das provas que amparam a condenação, torna fácil perceber diversas inconsistências que ensejam dúvidas acerca da alegada compra de votos". A juíza defende sua decisão citando diversos julgados de diferentes Tribunais Eleitorais, e do Tribunal Superior Eleitoral, que embasaram a decisão que reformou a cassação. "Não se pode inferir, com a segurança necessária, que tenha ocorrido a alegada captação ilícita de sufrágio", conclui Maria Abadia em seu voto, cuja integra pode ser conferida abaixo:

    Com a vista dos autos, aproveitei também para me inteirar sobre o mérito da demanda e, com isso, tive a oportunidade de tomar conhecimento das provas constantes nos autos.

    Compulsando os autos, percebo que pesa sobre os Recorrentes a acusação de captação ilícita de sufrágios, o que teria se dado mediante pagamento em dinheiro, distribuição de vales combustíveis e transporte irregular de eleitores no dia do pleito de outubro passado.

    De acordo com os documentos carreados com a inicial, todo o aparato da suposta captação ilícita de sufrágios foi montado de modo cuidadoso, com o cadastramento dos eleitores que supostamente venderiam seus votos em fichas cadastrais individualizadas.

    A condenação dos Recorrentes, no caso, baseou-se fundamentalmente nas declarações de testemunhas ouvidas durante a instrução.

    Nesse aspecto, releva acrescentar que os demais elementos de prova apresentados direta ou indiretamente pela Acusação restaram desconsiderados pelo Juízo Eleitoral, a saber, as listas contendo os nomes de eleitores de Barão de Melgaço e uma CPU apreendida na residência de um cabo eleitoral.

    O que mais me chamou a atenção nestes documentos usados pelo juiz de piso, foi o fato deles já terem sido objetos de investigação, em procedimento próprio Mandado de Busca e Apreensão, que após a análise feita pela Douta Promotora, esta concluiu não haver indício de irregularidades que tivessem ligação com tais documentos, caso em que opinou pelo arquivamento do feito, sendo o parecer ministerial acolhido pelo MM. Juiz da 38ª Zona Eleitoral o qual determinou o arquivamento.

    Entretanto, estranhamente o mesmo magistrado ao julgar a Ação de Investigação Judicial Eleitoral, se baseou também em tais documentos, encartados às fls. 462/463 e 465, usando-os, inclusive, para fundamentar sua sentença.

    Ao contrário, porém, da visão então prevalecente sobre essas provas e as testemunhais, entendo que as mesmas são insuficientes para amparar o decreto de cassação do mandato eletivo dos Recorrentes.

    É preciso destacar que esta Corte Eleitoral já desconstituiu várias condenações dessa natureza quando baseadas somente em provas testemunhais, haja vista a necessidade de preservar a vontade do eleitor nas urnas em detrimento do manifesto desejo daquele que noticia fatos que não podem ser comprovados com robustez e segurança.

    Então, como dito anteriormente, o conjunto probatório que motivou a condenação dos Recorrentes funda-se nas provas testemunhais colhidas na instrução.

    Destarte, cabe analisar se essas provas são capazes de comprovar a ocorrência do ilícito.

    Em detida análise às provas que amparam a condenação, torna fácil perceber diversas inconsistências que a meu ver ensejam dúvidas acerca da alegada compra de votos.

    Para descrever essas inconsistências, passo a pontuar alguns desses depoimentos.

    A exemplo: cito a testemunha Jhones Campos Alvez Queiroz (fl. 181), que ao ser ouvido perante o Juízo Singular assim consignou em seu depoimento:

    "Que conhece a pessoa de Waldemir e este estava trabalhando para o então candidato Marcelo e pediu que votasse neste, sendo que para tanto, lhe daria combustível, em troca do voto; Que o depoente aceitou a proposta e recebeu vinte litros de combustível; Que alguém foi na sua casa, dizendo que uma escrivã estava atrás de sua pessoa porque seu nome estaria em uma lista, mas não viu nenhum documento oficial; Que procurado, se dirigiu até a Delegacia de Polícia e narrou os fatos ocorridos".

    Em seguida, essa mesma testemunha afirma:

    "Que foi registrar a ocorrência juntamente com Waldemir e seu irmão; Que foi juntamente com Waldemir, porque foi ele quem o cadastrou; Que quis ir com Waldemir na Delegacia e foi com ele lá; (...) Que não trabalha em Barão e nem mora nesta cidade, mas é filho de lá e faz parte de família tradicional; Que a proposta foi feita no início da campanha e Waldemir disse que trabalhava e pediu voto para Marcelo; Que quando chegou perto da eleição, foi até Waldemir e foi cobrar o combustível prometido e reafirmou que ia cumprir e votar em Marcelo, mas que precisava do combustível e recebeu; Que não sabe se nesta ocasião, quando da entrega do combustível, Waldemir ainda trabalhava para Marcelo".

    Ouvido em Juízo (fls. 188/189), Waldemir Dores da Silva disse em seu depoimento:

    "Que trabalhou para o candidato Marcelo durante três meses e sua função era cadastrar eleitores para nele votar e em troca, seria fornecido combustível aos eleitores; (...) que recebeu R$ 220,00 pelo seu trabalho e havia uma promessa de emprego, como sendo um ponto de táxi; Que achou que estava errado e caiu fora".

    Adiante, ele afirma:

    "Que ficou sabendo que as pessoas cadastrados receberam o ticket combustível, mas o depoente só fez a entrega do vale para Jhones, porque este ficou cobrando o combustível; Que depois que parou de trabalhar para Marcelo não trabalhou para nenhum outro candidato; (...) Que Jhones é seu conhecido; (...) Que mesmo não estando trabalhando para nenhum candidato, quando jhones foi lhe cobrar o combustível, lhe entregou, porque ainda tinha vales para uso próprio de quando trabalhava".

    Primeiro, chama a atenção o fato de Waldemir e Jhones serem conhecidos, mas este não sabia que aquele já havia se desligado da campanha do Recorrente Marcelo quando foi receber o vale que lhe tinha sido prometido.

    Ainda segundo Waldemir, disse ele ter cadastrado umas dezessete pessoas, e que a maioria das pessoas daquela lista eram seus familiares, sendo que o restante tratava-se de amigos de Cuiabá e Várzea Grande. Waldemir reconheceu ainda o nome de sua mãe, pai, irmão, dentre os nomes constantes das fichas de cadastro, conforme se infere do seu depoimento, porém entregou pessoalmente vale combustível somente a Jhones.

    Observei também que existem nos autos às fls. 265/268, declarações de próprio punho de 04 pessoas que constam nestas fichas de cadastro que atestam que foram procuradas pelo Sr. Waldemir e que este solicitou dados pessoais sob a alegação de que vários títulos eleitorais estavam sendo cancelados e que iria verificar junto ao cartório se os títulos dessas pessoas estavam regulares. Declararam ainda que Waldemir em momento algum ofereceu qualquer vantagem para que votassem em quem quer que fosse, portanto, dada à fragilidade não merecem ser valoradas como prova robusta como entendeu o juízo "a quo".

    E, principalmente, porque não há um único VALE COMBUSTÍVEL juntado no feito?

    Por sua vez, a testemunha Carmen da Silva Taques, igualmente arrolada pela Acusação, assim prestou suas declarações ao ser inquirida em Juízo (fl. 187):

    "Que no dia da eleição, foi abordada pela Deputada Chica Nunes e um companheiro e perguntou se a depoente e seu irmão já haviam votado e disseram que não e então ele ofereceu vinte reais para cada um e a depoente e seu irmão aceitaram e pegaram o dinheiro; Que era para pegar o dinheiro para votar no candidato Marcelo".

    Ao ser reinquirida, respondeu:

    "Que o pagamento foi feito nos fundos de uma casa antiga, próximo da Escola Coronel; Que acha que foi um Hotel lá; Que a casa estava movimentada. (...) Que sabia que pegar dinheiro era crime; (...) Que sua família apoiou o candidato Ribeiro Torres; Que com seu irmão decidiu ir para a Delegacia e conversou com seu cunhado sobre o assunto; Que sabe que Juarez também recebeu dinheiro; Que estava por perto, mas não viu Juarez receber dinheiro; Que resolveu ir até a Delegacia porque viu notícia na televisão sobre compra de votos, mas não ouviu sobre Barão".

    Como se percebe, a testemunha afirma, entre outras coisas, ser conhecedora de que vender o voto é crime, mas mesmo assim diz ter vendido o seu pela importância de R$ 20,00 (vinte reais). Além disso, diz que sua família é eleitora do candidato adversário.

    O mais importante, todavia, é o que se extrai do depoimento do cunhado dessa mencionada Depoente, Sr. Juarez Lopes Pereira, ouvido às fls. 185/186:

    "(...) Que Chica perguntou quem era o casal que estava no carro e o depoente disse que eram seus cunhados e que não sabia se os mesmos tinham votado; Que conversaram com Chica e os mesmos foram votar e da mesma forma, ao retornar, pegaram R$ 40,00 (quarenta reais); Que a casa faz fundo para o Hotel Barão Tur e há ligação entre eles, pois ambos pertencem à mesma família".

    Também afirmou à frente:

    "(...) Que sabia na data do fato que pegar dinheiro em troca de voto é crime; Que não procurou a Delegacia antes porque estava sem tempo e também quando se arrependeu, resolveu ir até a Depol; Que Carmen e Flávio também foram até a Delegacia; Que quando se arrependeu e resolveu ir até a Delegacia, comentou com seus cunhados e eles também resolveram ir até a Polícia; Que seus cunhados voltaram com o depoente para Várzea Grande; Que não foram na Delegacia no mesmo dia; (...) Que quando se encontrou com a Deputada Chica Nunes e esta pediu para votar em seu candidato, não se falou em dinheiro, mas que depois era para procurá-la; Que se arrependeu porque viu que era ilegal pegar o dinheiro e também porque pelos exemplos anteriores de Prefeitos que compraram votos, nada fizeram por Barão; (...) Que seus cunhados receberam os valores no mesmo local e pela mesma pessoa que o depoente;".

    As contradições entre as declarações da Sra. Carmen da Silva Taques e do Sr. Juarez Lopes Pereira extrapolam os limites das pequenas divergências que são toleradas nos depoimentos judiciais, porque enquanto á primeira pouco sabe informar sobre a maneira como foi abordada e como a compra de seu voto teria se dado, o segundo narra o episódio com detalhes, sobretudo com relação à cunhada, quando ambos, além do irmão desta última, encontravam-se juntos no fatídico dia.

    Também não se pode olvidar para o fato, igualmente contraditório, atinente à afirmação do mesmo Depoente de que a Deputada Chica Nunes não lhe teria oferecido dinheiro algum no primeiro encontro que tiveram.

    Num outro extremo às declarações até então citadas, é oportuno assinalar uma parte do depoimento da testemunha Domingas Gomes da Silva (fl. 184):

    "Que estava em sua casa e foi visitada por Marcelo e este pediu para que a depoente votasse em sua pessoa e para tanto lhe deu R$ 150,00 (cento e cinqüenta reais) e, como estava precisando, pegou o dinheiro; (...) Que quando vai até Barão, vai a casa do Sr. Ribeiro Torres, para visitar; (...) Que não sabe onde estava com sua cabeça para ir até a Polícia".

    Enquanto falávamos de compra de votos que realizadas mediante pagamentos de apenas R$ 20,00 (vinte reais), supostamente feitos a pessoas que conheciam que a prática em questão configura crime, surge uma testemunha que afirma ter recebido, para idêntico propósito, a importância de R$ 150,00 (cento e cinqüenta reais).

    Lembrando que todas as declarações foram prestadas sob compromisso, os Depoentes arrolados pelos Recorrentes afirmam categoricamente desconhecer a existência de compra de votos por meio de pagamento em dinheiro ou da entrega de vales combustíveis, para que eleitores de Barão de Melgaço votassem na chapa encabeçada por Marcelo Alves e Lino Gonçalves.

    Ademais, é necessário consignar que há testemunha que inclusive compareceu à Delegacia de Polícia para denunciar a venda do voto (fl. 36), mas teve seu depoimento dispensado pelo próprio Denunciante, como é o caso da Sra. Tafaeli Aparecida de Arruda.

    Outra situação estranha diz respeito às pessoas de Neder Ribeiro do Nascimento e Vitorino da Silva Oliveira (fls. 37/38), eis que apresentaram declaração de punho noticiando o ilícito e também tiveram suas declarações dispensadas pelo Denunciante.

    O que se observa é que os fatos narrados pela inicial não foram demonstrados de maneira cabal. A prova apresentada nos autos, e, sobretudo os depoimentos colhidos durante a instrução processual, à evidência, não fornecem elementos suficientes para o pretendido decreto condenatório.

    Embora entenda como viável a comprovação de captação ilícita de sufrágio lastreada exclusivamente em prova testemunhal, esta deve ser harmônica e inconcussa a demonstrar de maneira inconteste a ocorrência do ilícito, situação que não verifico presente neste caso.

    Analisando situação semelhante, o Ministro Fernando Gonçalves asseverou no bojo do Agravo de Instrumento n. 9073/BA, julgado em 19.03.2009, verbis:

    "Destarte, embora não afaste a possibilidade de firmar um convencimento pela prova exclusivamente testemunhal, penso que para tanto ela deve ser totalmente harmônica, ainda mais ao considerarmos que nas pequenas cidades do interior, nas campanhas eleitorais para os pleitos municipais, os ânimos realmente se dividem. Temos os eleitores do candidato A e os do candidato B, sempre prontos para conformar suas declarações às situações de melhor interesse nesse tipo de disputa, ficando muito difícil encontrar pessoas completamente isentas, já que quase todas mostram preferência por uma das correntes dominantes.

    No caso desses autos, não vislumbrei a imparcialidade necessária às testemunhas ouvidas, cujos depoimentos se mostraram frágeis, não servindo de suporte para apoiar a condenação do Recorrente".

    Mais uma vez registro que sobre a prova testemunhal pairam incertezas sobre a veracidade de suas afirmações, o que no meu singelo modo de ver a torna incapaz de conferir evidencia induvidosa acerca da alegada captação ilícita de sufrágio e, portanto, insuficiente para demonstrar a conduta que se pretende imputar aos Recorrentes.

    Embora o tipo descrito pelo artigo 41-A da Lei das Eleicoes não exija a participação direta do beneficiado ou que seja demonstrada a potencialidade lesiva da conduta, o ilícito deve se assentar em prova firme e incontroversa, não em vagos indícios e presunções.

    Nesse sentido, é remansosa a jurisprudência:

    "Representação. Captação ilícita de sufrágio. Decisão regional. Improcedência. Recurso ordinário. Conjunto probatório. Insuficiência. A procedência de representação, por infração ao art. 41-A da Lei nº 9.504 /97, requer prova robusta da prática da captação ilícita de sufrágio cometida pelo candidato ou a sua anuência ao ilícito"(TSE, Recurso nº 1450/PA, Rel. Min. Carlos Eduardo Caputo Bastos, j. 23.09.2008).

    "Não é possível afirmar que as camisetas foram distribuídas com o intuito de obter votos de eleitores, nem tampouco que os candidatos tenham praticado as condutas a eles imputadas ou que a elas tenham anuído. A condenação fundamentada no artigo 41-A da Lei n. 9.504 /97 requer a presença de prova robusta da conduta ilegal..." (TSE, RCED nº 718/GO , Rel. Min. Eros Roberto Grau, j 26.08.2008).

    Sobre o transporte irregular de eleitores no dia do pleito, absolutamente nada se comprovou durante a instrução. Para ser mais precisa, sequer tal fato ultrapassou as barras da acusação inicial.

    Via de conseqüência, à luz do conjunto probatório, mormente pelo que se observa dos depoimentos colhidos durante a instrução processual, não se pode inferir, com a segurança necessária, que tenha ocorrido à alegada captação ilícita de sufrágio em favor dos Recorrentes.

    Para finalizar, não há nos autos elemento de prova seguro para que possa se concluir que houve a alegada captação ilícita de sufrágio.

    Ante os fatos e fundamentos expostos e, pedindo todas as vênias necessárias, abro a divergência para dar provimento ao recurso manejado e, por conseguinte, afastar na integralidade a condenação imposta, reformando-se in totun as sentenças a quo, anulando-se todos os seus efeitos jurídicos para que os Recorrentes sejam reconduzidos imediatamente aos cargos de prefeito e vice-prefeito respectivamente.

    É COMO VOTO.

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/provas-testemunhais-frageis-afastam-cassacao-de-prefeito-de-barao-de-melgaco/1476189

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