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16 de Junho de 2024
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    Questões processuais relativas às ações trabalhistas com origem no campo marcam o 2º painel

    O 2º painel do XV Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho Rural, com o tema “Questões processuais relativas às demandas trabalhistas rurais”, abriu a programação da tarde da quinta-feira, 6. Com apresentação do desembargador Manuel Soares Ferreira Carradita, presidente da 4ª Turma do TRT da 15ª Região, o painel contou com palestras do desembargador Alexandre de Souza Agra Belmonte, do TRT da 1ª Região (RJ), e do juiz José Roberto Dantas Oliva, diretor do Fórum Trabalhista de Presidente Prudente.

    Doutor em Justiça e Sociedade e mestre em Direito das Relações Sociais, pela Universidade Gama Filho, e especialista em Direito Privado Aprofundado, pela Universidade Federal Fluminense, Alexandre de Souza Agra Belmonte é responsável pela coordenação acadêmica do Centro Avançado de Estudos e Pesquisa em Direito e Processo do Trabalho da Universidade Cândido Mendes e leciona no mestrado da Universidade Presidente Antônio Carlos. Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho e do Instituto Cesarino Junior de Direito Social, Belmonte concentrou sua palestra no ônus da prova.

    “Por que um congresso sobre trabalho rural?”, questionou, inicialmente, o desembargador. “Pela especificidade das relações de trabalho no campo e pelo volume de trabalhadores do setor”, respondeu ele. Segundo o palestrante, atualmente, no Brasil, 17,8 milhões de pessoas estão envolvidas diretamente no trabalho rural, o equivalente a 21,1% da população economicamente ativa do País.

    Belmonte lecionou que ainda persistem divergências na própria definição do trabalhador rural. Enquanto a CLT relaciona o conceito ao método de trabalho ou às finalidades das atividades, a Lei 5.889 de 1973, o Estatuto do Trabalhador Rural, baseia-se na atividade do empregador. “E há quem, com fundamento no artigo 2º da lei especial, conceitue tomando por base o local da prestação de serviços.” Assim, exemplifica o magistrado, um motorista, administrador, pedreiro ou funcionário de escritório, cujos serviços são prestados na atividade agroeconômica, “ou seja, direcionados às funções típicas da lavoura”, são considerados trabalhadores rurais.

    Entre as peculiaridades do trabalho no campo, o professor destacou as especificidades de horário - hora noturna de 60 minutos, com adicional de 25% em relação à hora normal, contra 20% conferidos aos trabalhadores urbanos, para os quais a hora trabalhada entre as 22 horas de um dia e as 5 horas do outro é de 52 minutos e 30 segundos - e a grande incidência de contratos a prazo (de safra).

    Quanto às demandas trabalhistas que suscitam questões específicas relacionadas ao ônus da prova, Belmonte citou as doenças ocupacionais e os acidentes de trabalho, os contratos de parceria e de empreitada - que muitas vezes não passam de tentativas de mascarar o contrato de trabalho, advertiu o desembargador - e a terceirização, incluídas aí as contratações que envolvem cooperativas de trabalhadores. Nas doenças ocupacionais e nos acidentes de trabalho, se a responsabilidade for subjetiva (quando a atividade não é considerada de risco), o magistrado deve inverter o ônus da prova, se considerar que o empregador está mais apto a assumi-lo, observou o palestrante. No que diz respeito aos contratos de empreitada ou de parceria, em que pese a doutrina tradicional preconize caber ao autor da ação provar o fato constitutivo da relação de emprego, limitando-se o réu aos fatos impeditivos, modificativos e extintivos, lecionou o desembargador, “admitida a empreitada ou a parceria capaz de afastar o contrato de trabalho, tem-se que a quem se imputa o vínculo empregatício são dadas mais condições de provar a sua inexistência”, completou. Por fim, na terceirização, “vigora o princípio de que o vínculo se forma entre o trabalhador e o tomador de serviços, cabendo a este provar que os serviços prestados não se inserem em sua atividade-fim e que a subordinação cabia a um intermediário licitamente contratado”, ponderou o professor.

    “A prova deve recair sobre quem está mais apto, nas circunstâncias, à sua produção”, concluiu Belmonte.

    Acesso à Justiça

    “O acesso efetivo do trabalhador rural à Justiça: enfoques processuais”. Assim o juiz José Roberto Dantas Oliva intitulou sua palestra. Professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, na graduação e na pós-graduação, nas Faculdades Integradas “Antônio Eufrásio de Toledo”, em Presidente Prudente, Oliva é mestre em Direito das Relações Sociais, subárea Direito do Trabalho, pela PUC de São Paulo, e especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Unitoledo e pelo Inbrape.

    “Conquanto a Constituição Federal de 1988 os tenha equiparado aos trabalhadores urbanos, os trabalhadores rurais continuam com suas relações de trabalho reguladas por lei especial, a Lei 5.889, de 1973, a qual, por sua vez, foi regulamentada pelo Decreto 73.626, de 1974. Isso se justifica pelas peculiaridades do trabalho rural. Entretanto, tanto a lei como o decreto cuidam, exclusivamente, de direito material do trabalho”, lecionou o palestrante. “Assim, quais seriam as 'questões processuais relativas às demandas trabalhistas rurais', tema deste painel, se, a rigor, ao rural aplica-se também o processo do trabalho em geral?”, questionou ele, que se decidiu, então, por tratar do acesso à Justiça. “Mas não acesso meramente formal, e sim acesso efetivo, pelo ângulo de um cidadão trabalhador que muita vez nem sequer aptidão tem para reconhecer seus direitos e buscar a propositura de uma ação que os assegure.”

    Oliva focou sua fala em três tópicos. O primeiro, a competência da Justiça do Trabalho em razão do lugar, quando da existência de horas in itinere, as chamadas “horas de percurso”. O juiz argumentou que, quando fornece a condução aos seus empregados, o empregador o faz “para viabilizar a própria atividade econômica, e não para oferecer comodidade aos trabalhadores, e frequentemente o trabalhador é deslocado da cidade em que reside para localidades distantes, que pertencem a outras jurisdições”. Assim, no entendimento do palestrante, “em que pese o artigo 651 da CLT estabelecer que a competência das varas do trabalho é determinada pela localidade onde o empregado prestou serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro, quando houver o pagamento ou até mesmo o simples pedido de horas in itinere, a competência deverá ser da vara do trabalho que tem jurisdição sobre os locais em que o trabalhador mora, pois lá ele é recolhido pelo empregador”. O professor pondera ainda que, “a partir do momento em que entra no ônibus, o trabalhador se encontra à disposição do empregador, e o tempo despendido no percurso integra, ainda que parcialmente, a sua jornada de trabalho”. Oliva adverte que, permanecendo a obrigatoriedade de o trabalhador só poder ajuizar a ação numa vara do trabalho sediada longe da localidade em que mora, “seu desestímulo em buscar judicialmente a satisfação de direitos que lhe foram sonegados servirá de estímulo ao empregador para contratar outras pessoas em idêntica situação”.

    No segundo ponto, o professor analisou a competência da Justiça do Trabalho em razão do lugar, quando o trabalhador submetido a condições análogas às de escravos retorna ao local onde mora, depois de libertado, mas sem ter recebido corretamente seus direitos. “Nessas circunstâncias, ele ainda pode se deparar com a dificuldade de acesso à Justiça. Seria ingenuidade imaginar que quem não tinha sequer como retornar à terra de procedência agora terá condição de buscar a satisfação de direitos numa vara do trabalho que tem jurisdição no local em que os serviços foram prestados. Assim, acolher exceção de incompetência eventualmente proposta caso a ação seja ajuizada na localidade em que ocorreu o recrutamento - onde o trabalhador mora, portanto - seria obstar o acesso à Justiça”, defendeu o juiz. Sobre o parágrafo 3º do artigo 651 da CLT, segundo o qual é assegurada ao trabalhador a opção de ingressar com a ação no foro em que foi firmado o contrato ou no da prestação dos serviços, “trata-se de exceção aplicável apenas a situações de atividades em locais incertos, eventuais ou transitórios, como os circenses, feiras regionais etc.”, lembrou Oliva. “O empregador que diretamente ou por meio de prepostos aliciou os trabalhadores é quem deve se deslocar para defender-se, caso queira”, arrematou.

    Por fim, o professor falou das eventuais “dificuldades de expressão e/ou comunicação, que podem resultar em julgamento injusto ou denegação de justiça”. De sua experiência de 15 anos na Magistratura Trabalhista, nove dos quais como titular da 1ª Vara do Trabalho de Presidente Prudente, completados em 12 de abril passado, Oliva lembra que numa sala de audiências, ambiente muitas vezes até então desconhecido para quem vai depor, frequentemente as partes ou testemunhas se veem tomadas pelo nervosismo, e as dificuldades, que já não seriam pequenas, acabam ficando ainda maiores. “Com raras exceções, essas pessoas não detêm conhecimentos jurídicos. Em se tratando de trabalho rural, principalmente, é comum o juiz se deparar com pessoas humildes, quer sejam empregados, quer sejam empregadores. As dificuldades de expressão e de compreensão são notórias. Perguntar sobre o estado civil de alguém para obter a qualificação pode redundar em esforço inútil. Indagar, durante a instrução de uma contradita, por exemplo, se o inquirido é amigo 'íntimo' da parte, pode soar como insinuação de envolvimento afetivo, ofensa até”, exemplifica o palestrante. “É recomendável e prudente que se opte por linguagem mais acessível. Assim, em vez de 'estado civil', pode-se questionar se o depoente é casado, solteiro etc. No lugar de 'amigo íntimo', o juiz pode perguntar se a testemunha e a parte saem juntos ou se são grandes amigos, de forma a buscar elementos que indiquem se há grau de intimidade que possa comprometer a fidelidade do depoimento, tornando a testemunha suspeita.”

    O magistrado lembrou também que o trabalhador rural “tem dialeto próprio, com vocábulos que não são de domínio geral”. Assim, se alguém que trabalha na lavoura de cana-de-açúcar disser que foi designado para “catar bitucas”, não está querendo dizer que recolhia pontas de cigarro, mas, sim, que, numa analogia, catava pedaços de cana, esclareceu Oliva. “Na área do Direito, problemas de comunicação são graves. Podem representar a fortuna ou o infortúnio de alguém. As partes e testemunhas têm o direito de compreender o que se passa numa sala de audiências e no processo como um todo e de se fazer entender. O chamado 'juridiquês' deve ser evitado.”

    Em relação à sentença, defende o palestrante, a linguagem simples deve prevalecer novamente. “O juiz, especialmente o do trabalho, sem prescindir do rigor técnico ao proferir suas decisões, tal qual o jornalista em relação ao leitor e o médico quando trata com seu paciente, deve também ser claro, objetivo, conciso.”

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