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23 de Maio de 2024

Retrospectiva 2011: STF foi permeável à opinião pública, sem ser subserviente

Publicado por Consultor Jurídico
há 12 anos

Introdução

A presente retrospectiva encontra-se dividida em três capítulos. No capítulo I, faz-se uma reflexão doutrinária acerca do papel desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no cenário institucional brasileiro contemporâneo. No capítulo II, faz-se breve menção às duas novas nomeações feitas para a Corte ao longo de 2011 pela presidente Dilma Roussef: dos ministros Luiz Fux e Rosa Weber. Por fim, no capítulo III, faz-se um levantamento de dez decisões emblemáticas da Corte, cada uma delas acompanhada de um comentário sumário. I. O Supremo Tribunal Federal, representativo e contramajoritário

Um comentário sobre o ano do Supremo Tribunal Federal precisa dividir sua atenção em, pelo menos, dois aspectos. O primeiro, e mais óbvio, diz respeito ao conteúdo das principais decisões, tema que merecerá um tópico específico. O segundo aspecto, mais sutil, tem a ver com a postura da Corte perante as demais instituições e a sociedade em geral. O Supremo, de forma mais visível do que os demais órgãos constitucionais, molda continuamente o seu próprio desenho institucional, contendo a si mesmo ou expandindo o alcance e a relevância de suas intervenções. Isso acontece, em parte, pelo fato de ser o próprio Tribunal que delimita concretamente suas competências, ao mesmo tempo em que estabelece os limites em que os demais poderes exercem as suas. Da mesma forma, o caráter abrangente e a textura aberta da Constituição de 1988 potencializam a judicialização de quase todos os temas centrais da política e das relações sociais, colocando o STF na permanente iminência de ser provocado a dar a última palavra sobre quase tudo.

O cenário descrito acima tem permitido ou mesmo conduzido o STF a assumir um papel de destaque na vida nacional, reproduzindo tendência que se tem verificado na quase generalidade dos Estados democráticos. Tal circunstância gera automaticamente um debate acerca da legitimidade da jurisdição constitucional. Em rigor, a maior visibilidade do STF traz ao grande público a discussão, tradicional na academia, acerca da chamada dificuldade contramajoritária , que se origina da competência, atribuída aos juízes, para declarar a nulidade de atos produzidos por agentes eleitos, e até mesmo para determinar a linha de ação que eles deverão adotar em determinadas matérias. A cada vez que o STF decide um tema controverso, renovam-se tanto as críticas quanto os elogios. As primeiras afirmando que a Corte estaria ocupando um espaço tipicamente político. Os segundos defendendo o acerto das decisões individualmente consideradas ou, cada vez com maior frequência, a própria atuação do STF como agente decisório mais equilibrado do que os demais e, por vezes, até mesmo mais afinado com a vontade popular.

A presente retrospectiva não é a sede adequada para investigar em profundidade esse fenômeno, que é verdadeiramente complexo. O próprio conceito de vontade popular pressupõe uma série de idealizações e apresenta nuances diversas, ainda mais quando estejam ausentes mecanismos formais de exteriorização (como são as eleições). De toda forma, o objetivo é lançar duas ideias que poderão fomentar o debate e que deverão ser tomadas em conta quando da análise das decisões [1] . Em primeiro lugar, a questão contramajoritária deve ser colocada em perspectiva. Nesse ponto, nem sequer é necessário embora fosse possível questionar a suposta congruência permanente entre a vontade de representantes e representados. Mais importante do que isso é constatar que juízes e tribunais exercem uma modalidade de poder que, em alguma medida, também é representativo.

Com efeito, o processo judicial permite que os cidadãos e grupos sociais submetam questões e deduzam seus pontos de vista no espaço público. Em alguns casos sobretudo quando se trate de segmentos não representados ou que sofram rejeição nos ambientes de decisão majoritária , a judicialização acaba sendo o canal de discussão mais acessível. Adicionalmente, o dever de fundamentar as decisões faz com que o Judiciário estabeleça um diálogo direto e explícito com a sociedade, que deve ser baseado em argumentos colhidos na ordem jurídica e justificados racionalmente. Isso não garante aceitação universal e certamente não afasta o risco de equívocos e distorções, mas facilita o controle. Mais do que isso, a lógica da decisão judicial incorpora plenamente a premissa de que todo destinatário de uma decisão estatal tem o direito a ser informado das razões que lhe servem de fundamento e a questionar sua consistência, racionalidade e legitimidade. Isso não é pouco em um momento histórico marcado pelo triunfo da ideia de democracia e do discurso dos direitos fundamentais, ao menos na condição de dogmas teóricos.

Naturalmente, a transparência e o dever de fundamentar seriam de pouca valia caso houvesse um descompasso exagerado e inconciliável entre a ideologia dominante nos tribunais e o sentimento social. Chega-se, com isso, à segunda ideia que se pretende apresentar. O Judiciário deve ser permeável à opinião pública, o que não significa que deva ser subserviente. O diálogo de que se falou não pode se converter em um monólogo à moda de sermão, em que magistrados iluminados revelam ao povo a verdade do Direito. Por outro lado, tampouco se espera que eles decidam pensando nas manchetes do dia seguinte ou reagindo às do dia anterior, o que os transformaria em oficiais de justiça das redações de jornal. O que se tem, portanto, é um equilíbrio delicado e dinâmico, em que se alternam momentos de ativismo e contenção, bem como momentos de alinhamento e desalinhamento com a vontade majoritária.

No Brasil, a ascensão institucional do Poder Judiciário, e especialmente do Supremo Tribunal Federal, não podem ser compreendidas adequadamente sem essa perspectiva. Em algumas matérias, notadamente nas questões relacionadas à concretização dos direitos sociais e à modernização das instituições políticas, o STF tem atendido anseios sociais antigos, inclusive alguns que jamais tiveram condição de se articular formalmente. Nessa linha, seria possível citar a decisão que declarou a inconstitucionalidade do nepotismo, ou ainda a decisão que pôs fim à troca oportunista de partidos políticos por parte dos parlamentares eleitos, logo após as eleições. Em ambos os casos, especialmente no primeiro, a percepção social foi majoritariamente positiva e passou pela ideia de que o Tribunal estaria solucionando questões que se encontravam obstruídas na agenda política.

No campo dos direitos sociais, em particular, é possível dizer que a Corte tem se posicionado à esquerda das instâncias representativas. Após inúmeras decisões relacionadas ao direito de cada indivíduo a exigir tratamentos médicos do Poder Público, o STF começa a sinalizar que está disposto a estender seu controle também a outros tipos de políticas públicas. Um dos julgados de 2011 que serão objeto de comentário assentou o dever estatal de fornecer creche acessível para as crianças com menos de cinco anos de idade, sob pena de multa diária. Outra decisão, também comentada, reconheceu a mora do Congresso Nacional na regulamentação do aviso prévio proporcional ao tempo de serviço e anunciou que formularia um regime jurídico temporário para permitir a fruição do direito. Antes mesmo da divulgação de tal regime, o legislador, com os representantes das classes empresariais às portas, se mobilizou para editar a lei esperada há mais de vinte anos.

Por outro lado, o STF teve a firmeza necessária para, em diversos momentos, atuar de forma genuinamente contramajoritária, e isso em questões de grande repercussão. Foi o caso da decisão histórica que reconheceu as uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo, em que a Corte se posicionou de maneira enfática a favor da tese que desagradava cerca de metade da população brasileira, em diferentes graus de intensidade. E mais ainda no julgamento em que se decidiu pela inaplicabilidade da chamada Lei da Ficha Limpa às eleições de 2010 por conta da anterioridade eleitoral prevista no art. 16 da Constituição. Mesmo no polêmico caso Cesare Battisti, o Tribunal não cedeu ao apelo do senso comum, que questionava a conveniência política de o Brasil contrariar os interesses da Itália em questão relativa a um nacional daquele país.

No apagar das luzes de 2011, o ministro Março Aurélio concedeu medida cautelar na ADI 4.638, ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), suspendendo dispositivos da Resolução 135, de 2011, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O processo aguardava julgamento desde setembro e, não tendo sido chamado até o início do recesso, o relator valeu-se da faculdade do pronunciamento liminar monocrático, a ser submetido ao plenário quando da volta da Corte, em fevereiro. Em sua parte mais relevante, a medida cautelar sustenta que a competência do CNJ, em âmbito disciplinar, é subsidiária, vale dizer: ela não é autônoma e não deve antepor-se ao exercício do poder correcional pelo Tribunal ao qual o magistrado esteja subordinado. Tal posição encontra precedentes no próprio STF (decisões monocráticas do ministro Celso de Mello, em relação ao CNJ, e do ministro Sepúlveda Pertence, em relação ao Conselho Nacional do Ministério Público CNMP) e tem o apoio de autores que escreveram sobre o tema [2] .

A posição do ministro Março Aurélio foi coerente com a visão crítica que alimenta em relação ao CNJ desde a primeira hora, bem como com uma judicatura que não hesita em ser contramajoritária. A questão, todavia, viu-se envolta em um turbilhão político, especialmente após o embate verbal verificado entre o presidente do STF e do CNJ, de um lado, e a corregedora Nacional de Justiça, de outro. A partir daí, a opinião pública e inúmeras entidades da sociedade civil passaram a defender a competência ampliada do CNJ. As entidades representativas da magistratura, por sua vez, opuseram-se vigorosamente à atuação do CNJ. Criou-se uma dualidade transparência versus corporativismo que não é capaz de contemplar todas as sutilezas envolvidas na questão. De todo modo, como não é incomum acontecer, o debate público trouxe novas luzes e nuances à questão. Por ocasião do início do recesso, especulava-se uma solução intermediária: a regra seria a da subsidiariedade, admitindo-se, por exceção, a atuação direta do CNJ, em hipóteses a serem especificadas.

A despeito das muitas diferenças entre esses casos e também da opinião que cada leitor formule acerca do mérito de cada decisão , um...

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