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3 de Maio de 2024

Róbson Vargas: normatização da delação premiada é imprecisa e problemática

Publicado por Consultor Jurídico
há 12 anos

Conceitualmente, a delação premiada, que também é conhecida como colaboração premiada, é um instituto de Direito Penal que garante ao colaborador voluntário uma redução ou até a liberação da pena, pela sua confissão e ajuda nos procedimentos persecutórios conduzidos pelo Estado. Para Adalberto Aranha[1], a delação consiste na afirmativa feita por um acusado, ao ser interrogado em juízo ou ouvido na Polícia, e pela qual, além de confessar a autoria de um fato criminoso, igualmente atribui a um terceiro a participação como seu comparsa. Obviamente que visando obter algum benefício na sua pena.

A comunidade jurídica diverge acerca dos seus benefícios, a ponto de alguns a chamarem de extorsão premiada. Entretanto, sob o argumento de que a delação é uma contribuição nas investigações policiais e, por consequência, no serviço da Justiça, a sua adoção vem ganhando espaço, especialmente pela proposta de uma solução mais rápida para os processos-crime.

Por outro lado, desperta inúmeras críticas, principalmente por ser um procedimento que expõe vícios de caráter e que não aperfeiçoa a capacidade do Estado em apurar as mais variadas formas de ações criminosas, a ponto de ser admitida como um mal necessário.

Divergências à parte, o que se observa é que a delação premiada está prevista no ordenamento jurídico brasileiro de forma imprecisa, necessitando, portanto, de maiores estudos e reflexões que permitam pensar o processo legislativo em torno do tema, assim como a utilidade desse procedimento para a justiça penal.

A delação premiada no contexto histórico: uma proposta inquisitorial sedutora

A inquisição restou marcada pela perseguição aos hereges[2], pessoas que em crise de fé, ameaçavam o poder do catolicismo. Para os teóricos e historiadores da igreja católica Michael Baigent e Richard Leigh[3], a delação premiada, na sua origem, guarda uma conotação religiosa. Ao tratarem da origem da inquisição, mais especificamente das técnicas da inquisição, eles asseveram que os suspeitos de heresia recebiam por parte do inquisidor um tempo de graça para poderem denunciar-se, o qual em geral durava de quinze a trinta dias.

Se o fizessem dentro desse período, eram geralmente aceitos de volta no seio da igreja sem pena mais severa que a penitência, mas eram obrigados a nomear e fornecer informações detalhadas sobre todos os outros hereges que conheciam, o que não deixava de ser uma proposta sedutora e conveniente segundo os interesses de cada um. O interesse último da inquisição era pela quantidade, pois estava disposta a ser branda com um herege, desde que pudesse colher uma dúzia ou mais de outros.

Como resultado dessa mentalidade, os indivíduos de um modo geral, culpados ou inocentes, eram mantidos num estado de constante pavor que conduzia a manipulação e ao controle. E, todos com oposição ou não, se transformavam em verdadeiros espiões uns dos outros. Os castigos mais brandos eram impostos por misericórdia àqueles que confessavam voluntariamente seus pecados e delatavam outros.

Ainda, segundo esclarecimentos de Baigent e Leigh, as informações obtidas dos delatores eram anotadas em abrangentes detalhes, sendo que se estabelecia um imenso banco de dados, ao qual interrogatórios posteriores acrescentavam mais documentação, sendo que, ao final, todo esse material era eficientemente arquivado e catalogado para fácil recuperação das partes interessadas. Deste modo, os suspeitos podiam assim ser confrontados com transgressões ou crimes cometidos, ou supostamente cometidos, trinta ou quarenta anos antes.

Atualmente, não é difícil associar a delação a práticas inquisitoriais, especialmente no Brasil, onde o instituto não possui um regramento específico e claro. Segundo entendimento de Mauricio Zanoide de Moraes[4], sem regulamentação, a delação premiada sofre dos mesmos males que o interrogatório na época da inquisição (reedição dos autos de fé da inquisição), com coação, ameaça e tortura, mesmo que psicológica, além de contrariar, por exemplo, o direito de todo cidadão de não produzir provas contra si mesmo. A prerrogativa ficar em silêncio deixa de ser um direito garantido pela Constituição e a confissão passa a ser o objetivo a ser alcançado a qualquer custo.

A normatização no direito estrangeiro (Espanha e Itália)

Segundo observa Walter Barbosa Bittar[5], a figura do réu colaborador com a Justiça passou a chamar maior atenção da doutrina, não só no Brasil como em todo o mundo, a partir de julgamentos envolvendo a chamada criminalidade mafiosa, ocorridos principalmente na Itália nas décadas de 70 e 80. Ao final da década de 80, o mesmo fenômeno pode ser observado na Espanha, agora em procedimentos penais oriundos da prática de atividades terroristas, versando sobre a possibilidade de concessão de benefícios para aqueles acusados que fornecessem informações às autoridades legais, confessando a autoria do fato criminoso, indicando coautores e fornecendo provas desconhecidas pela investigação ou processo.

Na Espanha, a delação foi instituída em 1988, para os participantes de crime de terrorismo que colaborassem com a Justiça, sendo que no novo Código Penal de 1995 a delação foi estendida para os delitos relacionados ao ...

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