Se o jurista tem inconsciente, o diálogo com a psicanálise é fundamental
Buscar a literatura como metáfora da leitura do jurídico não pode se dar de maneira automática[1]. É certo que os discursos filosófico, psicanalítico, literário e jurídico apresentam especificidades e devem ser colmatados a partir da perspectiva da diversidade construtiva, ou seja, não são idênticos, nem antagônicos[2]. Reside justamente na capacidade de diálogo, a partir de categorias explicitadas, o sentido que poderá advir sempre singularmente. Não acolher essa advertência significa confundir os registros e como diz Miranda Coutinho “arriscar a identidade é ceder à comodidade, mas incorreto, para não dizer falso. Atitude empulhadora, deslumbra na primeira aparência pelas fórmulas fáceis, mas oferece o cadafalso no momento seguinte.”[3] Mesmo assim, podemos realizar algumas aproximações, sentando-nos para um diálogo proveitoso.
A partir de Freud[4] se deu os diálogos entre Psicanálise e Literatura. Homem de seu tempo, não tinha à disposição, ainda, as percepções decorrentes do giro linguístico, da importância da pragmática e, portanto, ainda indagava o ente. O perigo de indagar o ente (texto) é confundir os registros e se cair num falso dilema: entre objetivismo e subjetivismo[5]. Não há vontade do texto e muito menos vontade do autor. Porque para assim acolhermos, deveríamos acreditar, piamente, como quer a epistemologia da modernidade, no sujeito universal[6]. A eventual indicação de conteúdo manifesto, no caso do texto literário, não poderia jamais ser confirmado. Nem mesmo o autor poderia. Existe no texto uma outra cena que o próprio enunciador não domina. Logo, as pretensões de validade sobre o texto, no máximo, podem obter assentimentos. A verdade verdadeira é empulhação imaginária capaz, reconheçamos, de apaziguar muitos. Não é o caminho a se perseguir. A contingência e o inesperado nos seduzem, dado que a compreensão da realidade será sempre fragmentária e dinâmica, a partir de fluxos. Fluxos que dialogam desde a perspectiva do sujeito que olha o mundo e a tradição linguística da qual faz parte, ou seja, há uma imbricação entre o sujeito e o simbólico que o antecede. Daí que uma visão de mundo pressupõe a compreensão, articulando fronteiras com diversos saberes, sem a possibilidade de um todo consciente e completo, senão pela incompletude[7].
O campo psicanalítico não pode, assim, jogar-se nefelibatamente nas verdades duras do texto Literário, porque seria somente capaz de apaziguar a falta. A falta intransitiva de onde elegemos, com Lacan, nosso ponto de saída. A aproximação com a Literatura se dá, muitas vezes, para se buscar aquilo que a psicanálise não alcança. É bem verdade que alguns procuraram analisar o texto literário, supondo imaginariamente a existência de um desejo inconsciente do texto literário. Resgatando-se o sujeito, aponta-se o que foi semidito, balbuciado, na hiância. Acontece que, depois, se resgatou o leitor, porque o texto diz no limite em que é lido, por um outro. O texto como “fato gráfico” somente diz quando dito pelo leitor, porque, com Barthes[8], sabe-se que o sentido migra.
Discorrer-se sobre o sentido com a outra cena pressupõe falar sobre o inconsciente e, necessariamente, de um retorno a Freud, já que foi ele quem franqueou sua abertura/construção[9]. A leitura cruz...
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