Sistema de garantias, trabalho infantil e racismo pautam Congresso dos Direitos da Criança e do Adolescente
Os direitos da criança e do adolescente pautaram o I Congresso Estadual organizado pela Comissão dos Direitos Infantojuvenis, realizado na Secional (25/10). Com a participação de operadores do Direito e profissionais do ramo da psicologia, para citar alguns dos perfis presentes, especialistas abordaram trajetória e desafios do cenário brasileiro em temáticas que envolvem a legislação existente – eficácia e alcance; além de questões como trabalho infantil, bullying, racismo, violência doméstica e medidas socioeducativas.
A abertura do evento contou com a apresentação da Orquestra Antunes Câmara, formada por jovens instrumentistas. Em seguida, o presidente da Comissão, Diego Goularte, deu início aos painéis com histórico a respeito do sistema de direitos e garantias da criança e do adolescente. Rememorou que a Constituição Federal de 1988 rompeu com a situação irregular de arcabouço indefinido que havia no país, transformando essa parcela da população em sujeitos de direitos por meio do artigo 227. Conforme o texto constitucional é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar com prioridade esses direitos.
Goularte reiterou ainda que, em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi estabelecido para regulamentar o artigo da Carta Magna. Apesar de avanços obtidos desde então, comentou a conselheira Secional, Maria Sylvia Aparecida de Oliveira, distintos governos não deram conta da real implementação do Estatuto e, hoje, afirma, há agravamento do cenário. “Vivemos momento crítico, quando direitos de crianças e adolescentes têm sido duramente afetados. É preciso agir. Há vários projetos de lei que visam desconfigurar o Estatuto da Criança e do Adolescente”, alertou a advogada.
Já a advogada Denise Auad, membro da Comissão, discorreu sobre o problema de violência familiar. “É a maior frustração de um ser humano: ter imensa desilusão em relação a alguém em quem você confiava totalmente. Perder essa confiança afeta o desenvolvimento sadio”, resume. Violência não é apenas a física, mas também a psicológica.
Diante de cenário com tantos desafios, o papel da Advocacia se torna ainda mais essencial. Ao recepcionar situação de violação ou ausência de Estado e da família na vida de crianças e adolescentes, é fundamental que a advogada ou advogado olhe primordialmente para os jovens, à parte das questões financeiras e patrimoniais dos pais, reforçou Goularte.
Ademais, disse o dirigente, para o sucesso de políticas públicas não basta a crítica, é preciso participação. “Em minha cidade, e acredito que em muitas outras, há conselhos de direitos que não estão preenchidos. Como, então, conduzir debate e destinação de políticas públicas? De que modo, se não houver quórum, força, participação, exigir melhorias no sistema do poder público?”, ponderou.
Bullying, racismo e trabalho infantilA mestre em educação pela PUC-SP, Elenir Freitas, abordou bullying e racismo, destacando que o país tem muito a fazer em relação aos dois problemas, que destaca serem distintos. “Ambos causam danos profundos, porém não podem ser colocados no mesmo pacote”, disse. “O Brasil ainda vive, nos dias de hoje, negação do racismo: precisamos urgentemente entender que o problema existe e é sério, pois desumaniza tanto as crianças brancas como as negras”.
No campo da legislação, o país tem como instrumentos as Leis 13.185/2015, que combate o bullying, e a 10.639/2003, a qual tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira em todas as escolas. Porém é urgente, diz, ampliar ação e investir em articulação. “É preciso que escolas rompam silêncios sobre os problemas e pensem coletivamente. Precisamos de políticas afirmativas”. Ainda para a educadora, ouvir as próprias crianças e ajudá-las a dialogar tem enorme contribuição.
Já a temática do trabalho infantil contou com painel onde se expuseram iniciativas, entre as quais, as levadas a cabo pelo Ministério Público do Trabalho. A procuradora Elisiane dos Santos destacou que o país construiu um conjunto de políticas para combater o problema a partir dos anos 1990, quando o país tinha um dos piores índices relacionados à questão em todo o globo. Ela citou a construção do Plano Nacional para a Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil em meio às ações que contribuíram para a mudança nas estatísticas ao longo de alguns anos.
Segundo ela, em 1996 havia contingente aproximado de 9,6 milhões de crianças e adolescentes trabalhando, enquanto em 2015 o número somou cerca de 2,6 milhões. Mas ocorreu mudança de metodologia na apuração pelo IBGE e, segundo a procuradora, perdeu-se a série histórica. “Um dos desafios é justamente esse: como lidar com uma realidade social que não está tão bem expressa em dados?”, avaliou.
A especialista observou ser fator chave olhar para a causa. Além de ações diretas e/ou emergenciais para retirar as crianças e adolescentes do cenário de trabalho infantil, o país precisa trabalhar num contexto de redução de desigualdades sociais – movimento que passa por combate ao racismo estrutural e à promoção de igualdade de gênero. “Crianças em situação de trabalho infantil geralmente são de família de baixa renda, boa parte chefiadas por mulheres, e a maior parcela é negra”, disse.
“Vivemos vinte anos intensos na construção de estratégias e políticas e hoje, porém, temos outro cenário: adverso, de retrocessos – em termos de legislação inclusive”, observou.
Confira o evento completo no link abaixo:
https://www.youtube.com/watch?v=lSEKT41FZnc
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