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16 de Junho de 2024
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    Souza Cruz é condenada a indenizar por morte causada pelo cigarro

    Publicado por Expresso da Notícia
    há 17 anos

    O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul condenou a Souza Cruz S/A a indenizar por dano moral a viúva e os cinco filhos de Vitorino Mattiazzi, que receberão, cada um, R$ 70 mil pela morte decorrente do consumo de cigarros. Os dois netos, R$ 35 mil cada. Para o Tribunal gaúcho, não há dúvida que produzir cigarros é uma atividade lícita. Contudo, a decisão destaca que a mera licitude formal da atividade comercial não exonera a empresa de reparar prejuízos gerados aos consumidores.

    Assim, a 5ª Câmara Cível do TJRS condenou a Souza Cruz a pagar a indenização com os valores corrigidos pelo IGP-M desde 27 de junho, data da sessão de julgamento do colegiado, acrescido de juros legais a contar do falecimento, em 24/12/01, na ordem de 6% ao ano, até a entrada em vigor do vigente Código Civil , em 11/1/2003, passando a incidir o porcentual de 1% ao mês.

    Vitorino Mattiazzi nasceu em junho de 1940 e começou a fumar na adolescência, motivado, na época, pelo “glamour” que o consumo de cigarros possuía à época, por causa, principalmente, da propaganda da indústria de cigarros, conforme descreveu a sua família à Justiça. O falecido fumava cigarros, principalmente, da marca “Hollywood”, todos produzidos pela Souza Cruz. Morreu por causa de um “Adenocarcinoma Pulmonar”. A família alegou que o único fator de risco do falecido era o tabagismo.

    A sentença do Juízo de Cerro Largo, no interior do Rio Grande do Sul, julgou improcedentes os pedidos dos familiares. Da decisão, houve recurso ao Tribunal.

    Doença comprovada

    De acordo com o relator, desembargador Paulo Sérgio Scarparo, a doença que acometeu Vitorino foi devidamente comprovada, “uma vez que o diagnóstico restou amplamente demonstrado". Scarparo assinalou que a doença provocada pelo tabagismo foi" determinada como causa mortis”.

    "Dessa forma, a doença que acometia Vitorino Mattiazzi encontra-se devidamente comprovada, uma vez que o diagnostico dela restou amplamente demonstrado no bojo do presente feito, inclusive sendo a determinada como causa mortis", declarou. O uso de cigarros da marca Hollywood desde os 18 anos e o falecimento em decorrência de câncer foram confirmados ao longo do processo.

    Scarparo argumentou que não procede a alegação da empresa a respeito da "suposta tuberculose que afligia" Mattiazzi. "Primeiro, não há provas suficientes nos autos a corroborar" este fato, frisou. "Segundo, o próprio médico indicado pela ré para ser ouvido em juízo, Dr. Eduardo Jorge Ferreira de Medeiros, embora tenha dado a entender, num primeiro momento, que padecida o Sr. Vitorino Mattiazzi desse mal, posteriormente aduziu que não tem como apontar se o paciente teve tuberculose".

    Outro ponto destacado pelo relator em seu voto foi o fato de que a Souza Cruz "não contestou pontualmente a alegação dos requerentes de que o de cujus se utilizava dos cigarros vendidos pela demandada". Segundo Scarparo, em momento alguma houve impugnação dessa afirmação. Além disso, prosseguiu, o depoimento pessoal da esposa de Mattiazzi, Sra. Sônia Maria Hoffmann Mattiazzi, confirma essa alegação, informando que o esposo passou a fumar aos 18 anos de idade.

    Assim, afirmou Scarparo, "resta confirmado que Vitorino Mattiazzi fez uso de cigarros fabricados e distribuídos pela demandada ― em especial da marca Hollywood ― desde os seus 18 anos de idade, bem como veio a falecer em virtude de câncer".

    Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), ressaltou o magistrado, “o tabagismo é a principal causa de morte evitável em todo o mundo”. Segundo a organização, 1,2 bilhão de pessoas no mundo são fumantes; 4,9 milhões de pessoas morrem anualmente em decorrência do tabagismo e casos mantidos os índices atuais de expansão do consumo de tabaco, o número de mortes será elevado para 10 milhões ao ano em 2030, sendo a metade dessas mortes de pessoas em idade produtiva (35 a 69 anos).

    Câncer e outras doenças

    O magistrado afirmou que está comprovada a relação entre o tabagismo e o câncer, uma vez que o produto oferecido pela Souza Cruz contém mais de 4.700 substâncias, muitas das quais são consideradas, cientificamente, cancerígenas. "Ou seja, evidente o liame causal entre o hábito de fumar e a propensão a doenças cancerígenas", observou.

    Conforme explicou, desde a década de 1950, as empresas tabagistas têm pleno conhecimento acerca de todos os malefícios decorrentes do uso do tabaco, afirmou. “É incontroverso o fato de não terem alertado os consumidores de tais males, sendo que só o fizeram depois de décadas, por determinação legal”.

    Vontade

    A respeito do argumento da empresa de que o falecido passou a fumar por sua livre e deliberada vontade, não podendo ser responsabilizada, o julgador entende que “ao comercializar seu produto, omitindo dos consumidores os malefícios gerados pelo seu consumo, assim como a existência de substâncias causadoras de dependência psíquica e química (nicotina, por exemplo), fez com que os usuários do produto fossem induzidos em erro na externação de sua vontade”.

    “Nos dias de hoje, efetivamente, fuma quem quer, à medida que público e notório todos os problemas decorrentes do uso do tabaco – todavia (...) tal consciência não existia 20 anos atrás, quando o falecido já era dependente da droga há muitos anos”, disse o Desembargador Scarparo.

    O falecido começou a fumar com 18 anos de idade, ou seja, em 1958, quando não eram veiculadas, por qualquer meio, informações a respeito dos malefícios do tabaco, sendo que, à época, a demandada já tinha ampla noção de tais informações. Assim, inviável falar-se em lisura no proceder da ré e em voluntariamente no consumo de cigarro pelo consumidor.

    Dependência

    Para o magistrado, “cigarro causa dependência psíquica, o que leva a concluir que improcede a afirmação da empresa – isso porque pára de fumar não quem quer, mas sim quem consegue”. Estudos da OMS estimam que apenas entre 0,5% a 5% dos fumantes que tentam deixar o vício, sem ajuda ou suporte, conseguem atingir uma abstinência duradoura, considerou.

    "Ora, manifesta a relação entre o tabagismo e o câncer, uma vez que o produto oferecido pela parte-demandada contém mais de 4.700 substâncias, sendo que, dentre elas, muitas são consideradas, cientificamente, cancerígenas. Ou seja, evidente o liame causal entre o hábito de fumar e a propensão a doenças cancerígenas", destacou em seu voto o relator, desembargador Paulo Sérgio Scarparo.

    “As tímidas e insuficientes informações que hoje são conhecidas pelo público em geral são oriundas de leis impostas pelo ordenamento jurídico pátrio e não de espontaneidade proveniente da requerida e das empresas afins, no intuito de exercitarem a necessária boa-fé objetiva”, considerou.

    O desembargador Umberto Guaspari Sudbrack acompanhou o voto do relator.

    Minoria

    Já o Desembargador Pedro Luiz Rodrigues Bossle, que presidiu o julgamento, ocorrido em 27/6/07, divergiu do relator. “Há muito tempo a sociedade conhece os malefícios do cigarro e obviamente que a propaganda associa o hábito de fumar com atividades prazerosas, o que não poderia ser diferente”, afirmou o magistrado.

    “Contudo”, observou, “o prazer do fumo vem mal acompanhado pelo risco do vício e por danos à saúde”, continuou. “Diante desse quadro em que é consabido que basta força de vontade para parar de fumar, não vislumbro espaço para a responsabilização da ré pela indenização pretendida, impondo-se a manutenção da sentença”.

    Fraudes da indústria tabagista

    O relator citou estudo feito pelo desembargador Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, do TJRS, ao decidir um caso similar, que identifica diversas fraudes cometidas pela indústria de cigarros, como forma de impedir a divulgação dos "malefícios" do fumo. "A indústria de tabaco em geral sempre soube e teve pleno conhecimento e consciência de todos os males que o consumo de fumo causa aos seres humanos, de modo que, nessas circunstâncias, a conduta das empresas é evidentemente dolosa, como bem demonstram os arquivos secretos dessas empresas", ponderou Cassiano.

    Conforme assinalou o desembargador Cassiano, ao julgar a Apelação Cível nº 70000144626, várias fraudes foram descobertas após a divulgação de arquivos nos Estados Unidos, em uma ação judicial movida por estados norte-americanos contra grandes empresas transnacionais de tabaco. "Demonstram, tais arquivos secretos, por um lado, o posicionamento público das empresas – posicionamento falso, doloso, para enganar o público – e comprovam, por outro lado, o real posicionamento das empresas, revelado na orientação, apenas para efeitos internos, das organizações fabricantes de cigarros, no sentido de que elas desde sempre tiveram o pleno conhecimento e a consciência de todos os males causados pelo fumo, arquivos esses dos quais adiante se transcrevem excertos, a título de demonstração exemplificativa", recordou.

    Cassiano citou um trecho do livro série “Folha Explica” (in O Cigarro, Ed. Publifolha, 2001, p. 14), de autoria de Mário César Carvalho, que comprovam a sucessão de fraudes da indústria do cigarro, que teve início para combater um pesquisador que pintava ratos com nicotina.

    "Em 1953, o médico Ernest Wynder, um judeu alemão que deixara seu país com a ascensão de Hitler, experimentou pincelar o dorso de 86 ratos de laboratório com uma substância obtida da condensação da fumaça do cigarro Lucky Strike. Ele queria ver o que acontecia. Cada rato recebeu, três vezes por semana durante dois anos, 40 gramas de alcatrão destilado (o equivalente à quantidade de alcatrão e nicotina encontrada num maço de cigarros), após ter o dorso raspado com um barbeador elétrico. O resultado foi assustador. Dos 62 ratos que sobreviveram, 58% tinham desenvolvido tumores cancerígenos. Entre os ratos pintados, 90% morreram nos 20 meses seguintes. No grupo dos ratos que não foram pintados, 58% sobreviveram durante esse mesmo período.” - destaca a obra.

    Proc. nº 70017634486

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