Teoria do adimplemento substancial não deve ser usada em decisões penais
A recepção, o legal transplant e a circulação são alguns dos instrumentos de que se serve o Direito Comparado para classificar os processos de “importação” de institutos, conceitos, figuras, normas e categorias jurídicas. Em um extenso artigo sobre a influência do Código Civil alemão no Direito brasileiro, demonstrou-se que essas expressões são plurívocas e, para alguns autores, delas não se afasta a ideia de que a recepção do Direito estrangeiro é conatural a uma posição de preeminência do “exportador” em face do “receptor”, traduzível por uma relação de força ou de superioridade política, cultural ou econômica.[1]
Para além do debate sobre se a recepção e os fenômenos adjacentes fundam-se em uma relação de coordenação ou de subordinação entre ordenamentos jurídicos distintos, há algo mais sensível a ser examinado, que é a maneira criticável com que se dão esses processos na prática. A esse respeito, também não foram poucas as colunas escritas, como as intituladas Problemas na importação de conceitos jurídicos e Fonte estrangeira pode fundamentar decisão nacional?
Ambas as colunas dão maior ênfase ao Direito Privado Comparado, no entanto, Carlos Bastide Horbach examinou, em sua coluna, o tema sob a óptica do Direito Constitucional. Segundo ele, baseado no justice norte-americano Antonin Scalia, existe hoje o fator cherry-picking, uma espécie de falácia de supressão das provas ou de prova incompleta, por meio da qual se seleciona aquilo que se pretende citar com o objetivo de se comprovar o que já se predefiniu como o resultado adequado. Dito de outro modo: colhem-se as cerejas (as saborosas e elegantes referências ao Direito estrangeiro) de modo discricionário e com o propósito nada honesto de se demonstrar um resultado previamente conhecido (ou decidido).
Nas citadas colunas, o leitor encontrou vários exemplos de “importação” inadequada, ultrapassada ou falaciosa de institutos, normas e concepções doutrinárias do exterior. Em um país capitalista periférico como o Brasil, com menos de 20% da população com títulos universitários e com um sério “complexo de vira-lata”, como costuma denunciar Lênio Luiz Streck, há uma perversa conjugação de fatores, que agravam essa situação. E eis que ficamos entre o paroquialismo estéril e a subserviência cega, agravada pelo cherry-picking ou pela distorção de institutos estrangeiros. Esses dois caminhos são perigosos e têm ganhado adeptos cada vez mais aguerridos de cada lado.
O Direito Civil brasileiro, que vive uma das mais preocupantes fases de sua história, é um campo no qual esses problemas são salientes. Temas como as relações contratuais de fato, a eficácia dos direitos fundamentais, a violação positiva do contrato e o adimplemento substancial ocupam lugares privilegiados no catálogo de desvios e má aplicação de institutos e conceitos estrangeiros no Direito nacional.
Nesta coluna, porém, será examinado um caso particular de circulação jurídica: a utilização da teoria do adimplemento substancial no Direito Penal.
Em doutrina, começam a surgi...
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