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15 de Junho de 2024

Transcontitucionalismo

há 10 anos

O transconstitucionalismo tem ganhado grande repercussão nas universidades mundo a fora. Este fenômeno jurídico moderno se dá quando uma questão constitucional concreta é discutida simultaneamente em Cortes Constitucionais de países distintos, ou ainda entre tribunais nacionais e tribunais de Organizações Internacionais. Podemos encontrar designações de sinonímia doutrinaria como cross-constitucionalismo, ou ainda fecundação cruzada. Essa teoria foi proposta pelo professor Marcelo Neves e o nome que aparenta inicialmente sugerir uma supraconstitucionalização internacional, propõe na verdade, um diálogo de sistemas jurídico-constitucionais buscando o aprendizado e a validação de suas decisões.

Não se trata da criação de um metassistema jurídico, ou uma Constituição Mundial. O transconstitucionalismo de Neves busca uma harmonização de decisões, tendo em vista a particularidade da sociedade moderna, que é globalizada.

Podemos constatar essa transversalidade, quando, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal cita em seus acórdãos algumas decisões de tribunais estrangeiros. Nesse sentido podemos nos valer dos ensinamentos de Marcelo Dias Varella[1], que ainda que falando sobre solução pacífica de controvérsia, vale-se da ideia de transconstitucionalismo:

Isso ocorre não apenas entre os tribunais internacionais, mas entre os nacionais e internacionais e mesmo entre os tribunais nacionais entre si. Decisões da Corte Europeia de Direitos Humanos são comumente citadas na Corte Interamericana de Direitos Humanos e vice-versa. Estas duas servem de fonte para a Corte Internacional de Justiça e para o Órgão de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio. Os juízes da Suprema Corte Americana preocupam-se com as repercussões de seus votos em outros tribunais superiores de todo o mundo.

Marcelo Neves supera a compreensão tradicional do constitucionalismo e do direito internacional público, em sua obra não se preocupa em introduzir uma ideia que precisa ser perseguida, na verdade, diz que a transversalidade já ocorre, porém precisa ser trabalhada para que se aperfeiçoe.

Sua teoria se justifica como já foi dito anteriormente pelo momento social global em que vive a humanidade, donde impulsos provenientes de relações comerciais, culturais, econômicas e tecnológicas diminuíram virtualmente as fronteiras entre os povos. Tais impulsos trazem transformações significativas no mundo jurídico-político, que deve se atualizar constantemente para atender essa nova demanda. Outro ponto que parece favorecer esses diálogos transversais é a globalização dos direitos humanos, ou direitos fundamentais.

Para o pesquisador Vitor Soliano[2] a exemplo desta demanda global, temos os direitos humanos que irradiaram para todo o mundo ocidental em países que adotam o modelo constitucionalista:

Ainda, observamos que o discurso dos direitos humanos, que tem sua base idéia de proteção de direitos básicos, se espalhou pelo mundo ocidental e passou a fazer parte das ordens jurídico-estatais que assumem o modelo constitucionalista.

Não se trata, pois, de hierarquização ou de superposição jurisprudencial, visto ocorrerem paralelamente e simultaneamente de maneira não vinculativa, mantendo-se a autonomia e autoafirmação jurídico-constitucional de cada estado. Tais feitos ocorrem nos centros das ordens jurídicas (tribunais e juízes), independendo desta forma de tratados convencionais internacionais. Ressalte-se que seu principal centro são as Cortes Constitucionais, contudo, não se exaurem nelas.

Em consonância com o artigo de Vitor Soliano que corrobora o que acima foi dito, como podemos verificar no trecho de sua autoria:

Enfim, reconhece-se que os problemas nucleares do constitucionalismo são debatidos por diversas ordens jurídicas entrelaçadas, principalmente (mas não só) no interior das Cortes Constitucionais.

A norma máxima do poder soberano é a Constituição, sendo então soberana não há a necessidade de reconhecimento formal de normas alheias ao seu próprio sistema (operacional). Essa é escola clássica e predominante do Direito Constitucional. Apesar das Cortes Constitucionais sempre terem feito referência às decisões de outros Tribunais, sempre o fizeram como Direito Comparado, sem reconhecimento deôntico destas decisões.

O transconstitucionalismo versa sobre sistemas abertos, onde há não a obrigatoriedade supressiva hierárquica de questões constitucionais, mas sim a complementação, uma verdadeira conexão entre os sistemas jurídico-constitucionais visando o diálogo entre tais instituições, diálogo no sentido de aprendizado, de construção, não no sentido de conversação.

O transconstitucionalismo de Marcelo Neves baseia-se na teoria dos sistemas. Utiliza a transversalidade para assinalar um proceder de internalização recíproca realizado por sistemas que agem de forma cooperativa. Evitando desta forma que a autonomia/soberania não resulte em um encerramento dos referidos sistemas, em especial das novas e contemporâneas demandas oriundas da sociedade globalizada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Leal, Eliane. Monografia - O TRANSCONSTITUCIONALISMO COMO CONDIÇÃO PARA INTEGRAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NA SOCIEDADE MULTICÊNTRICA: uma visão crítica.Disponível em:

http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/article/viewFile/2815/2594

Lenza, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15ª ed. São Paulo. Saraiva, 2011.

Orrù, Romano. Informal judicial cross fertilization and the system of Conferences between Constitutional Courts and equivalent bodies. Disponível em:

http://www.juridicas.unam.mx/wccl/ponencias/12/206.pdf

Soliano, Vitor. Transconstitucionalismo, Interconstitucionalidade e Heterorreflexividade: alternativas possíveis para a proteção dos Direitos Humanos na relação entre ordens jurídico-constitucionais distintas – primeiras incursões. Disponível em:

http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/2147/1585.

Varella, Marcelo Dias. Direito internacional público. 3ª ed., São Paulo Saraiva, 2011.


[1] Varella (2011;433 e 434)

[2] Soliano, Vitor, Transconstitucionalismo, Interconstitucionalidade e Heterorreflexividade: alternativas possíveis para a proteção dos Direitos Humanos na relação entre ordens jurídico-constitucionais distintas – primeiras incursões. Disponível em http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/2147/1585.

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1 Comentário

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Raul Dias
9 anos atrás

Gostei o artigo, parabéns... continuar lendo