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16 de Junho de 2024
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    Três especialistas dão sequência ao debate sobre a reforma do CPP

    há 16 anos

    Claudia Zardo R11. Jornalista e acadêmica em Direito

    Como já é de costume, ao nascer de novas leis, a academia, os legisladores e os aplicadores da Lei se debruçam sobre elas para analisar as dicotomias entre técnica e prática. Sendo que o Presidente da República sancionou no dia 9 de junho três projetos de lei (4.203/01, 4.205/01, 4.207/01) que alteram alguns pontos do Código de Processo Penal , três especialistas da área penal - Eugênio Pacelli de Oliveira, Elias Mattar Assad e Rodrigo Iennaco - puxam o debate.

    Reforma justificada

    As novas leis do CPP devem entrar em vigor a partir da publicação no Diário Oficial da União e objetivam maior celeridade nos trâmites processuais, além de simplificação das decisões judiciais. As mudanças estão relacionadas ao Tribunal do Júri, à produção de provas e às audiências. E, por extensão , de acordo com o Ato nº. 11 /08, o Senado Federal criou uma Comissão Externa de Juristas que, a contar de 1º de agosto, terá 180 dias para apresentar um anteprojeto de reforma do CPP .

    Um dos integrantes da Comissão, o Mestre e Doutor pela UFMG, Procurador da República em Minas Gerais, autor de diversos livros e professor universitário Eugênio Pacelli de Oliveira.

    Na visão dele, a sociedade brasileira precisa de um Código de Processo Penal R20;que seja a expressão da emancipação civilizatória e que represente mais que um agrupamento de normas jurídicas, um sistema bem definido de garantias individuais e (e não, mas!), também, um sistema de aplicação efetiva do Direito vigente e válido, referido às opções da democracia nacionalR21;.

    Segundo Eugênio Pacelli de Oliveira, no âmbito das Constituições de Estados soberanos, o Direito ocupa função proeminente, não só no ponto em que com ele se constitui normativamente o modelo político escolhido e o paradigma social pretendido, a todos subordinando, mas, particularmente, pela abertura principiológica inerente a textos desta natureza (valorativa, fundante e constituinte).

    R20;Essa abertura se dirige exatamente ao contexto, social e político, em que se irá construindo o sentido do Direito a ser aplicado, em cada momento histórico de cada época. Nossa Constituição da República completa 20 anos. Nosso Código de Processo Penal , quase 50 anos. E o descompasso entre ambos sequer é temporal. Pior. É de conteúdo, de cultura, de forma e, em síntese, de essência normativa. Passa da hora a sua modificação integral, ainda que se venha a colher alguns de seus eventuais bons frutos. Algumas reformas pontuais já vieram; outras estão em andamento e em discussãoR21;, justifica.

    Pacelli comenta ainda que, apesar dos pesares, alterações dessa natureza, ainda que para melhor, trazem o inconveniente da ausência de unidade, gestada no início do processo de reforma legislativa e perdida na tramitação dos procedimentos legislativos, cujos textos, modificados ao longo dos anos sem a perspectiva da unidade sistemática da matéria, não se prestam mais às razões de sua justificativa.

    R20;Daí a necessidade inafastável de uma reforma integral, ou seja, de uma reforma que estabeleça um novo sistema de processo penal brasileiro, em que se ofereça, com clareza, o modelo escolhido para a gestão da prova, com a definição acabada do papel do juiz no processo criminal; o princípio do sistema acusatório relativamente ao Ministério Público, no que toca à oportunidade ou, se assim se quiser, à obrigatoriedade da persecução; a delimitação dos procedimentos conciliatórios e restaurativos, de modo a diminuir os inúmeros danos daquel'outros danos já causados pela infração penal; e, enfim, mas, sobretudo, da constitucionalização do processo penal, em atenção às determinações constituintes, com a roupagem das necessidades de nosso tempoR21;, argumenta.

    Reforma questionada

    Em análise das novas leis sancionadas em 9 de junho, o advogado criminalista e Presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (ABRAC), Elias Mattar Assad, acredita que a mais recente reforma será inaplicável por falta de aparelhamento do Judiciário. R20;Ou seja, a mesma lei não dota o Judiciário e o Executivo dos Estados para seu cumprimento. Segundo os teóricos do desconhecido, há urgente necessidade de dar prioridade aos processos de crimes dolosos contra a vida. Nasce um novo rito para os feitos da competência do Tribunal do Júri (um R16;novo ovo de ColomboR17;) R21;, critica .

    Conforme explicações do criminalista sobre as mudanças, recebida a denúncia, o acusado citado terá dez dias para oferecer resposta escrita e elencar suas provas. A acusação terá cinco dias para se manifestar sobre essa defesa prévia. Segue-se com diligências em, no máximo, dez dias e audição de testemunhas. A instrução observará princípios da oralidade e concentração máxima de atos em audiência, pois nela serão produzidas todas as provas, esclarecimentos de peritos etc.; delibera-se por acareações necessárias, atos de reconhecimento e, por último, o acusado será interrogado já tendo presenciado o desfile de provas contra sua pessoa ampliando a autodefesa. Nessa mesma cerimônia, ultimam-se os debates orais em tempo de vinte minutos, prorrogáveis por mais dez quando presente assistente do MP. O juiz presidente deverá pronunciar ou não o acusado imediatamente ou nos dez dias seguintes.

    R20;Algumas previsões otimistas de que R16;nenhum ato poderá ser adiadoR17; ou de que R16;serão conduzidos coercitivamente os que não comparecerem ao atoR17; e que R16;o prazo de conclusão será de noventa diasR17; serão de difícil absorção pelo precário sistema reinante. Descumpridos tais prazos, o juiz ou tribunal reconhecerá excesso e outorgará liberdade ao réu preso?R21;, questiona ele

    Elias Mattar Assad dá seqüência à explicação dizendo que o libelo desaparece nesta fase que antecede ao julgamento pelo júri. Intimam-se as partes para arrolarem suas testemunhas de plenário, mais provas e requerimento de diligências, juntada de documentos etc. Em despacho preparatório do julgamento, o juiz saneia o processo deliberando sobre as propostas probatórias, podendo determinar diligências que entenda esclarecedoras. Este despacho, contendo relatório do feito, será entregue por cópia aos jurados. Será excluído da lista de jurados aquele que tiver integrado o conselho nos últimos doze meses, para evitar habitualidade na função. Além das atuais causas de desaforamento, o instituto também poderá ser aplicado caso o julgamento não possa ser realizado no prazo de seis meses, a requerimento exclusivo do acusado.

    R20;Nesta hipótese, não havendo excesso de serviço, o acusado poderá requerer ao tribunal que determine imediata realização do julgamento. No julgamento, o juiz, promotor, assistente e o defensor inquirirão diretamente as pessoas chamadas a depor. Jurados o farão por intermédio do juiz presidente com possibilidade de acareações, reconhecimentos, esclarecimentos de peritos, leitura de peças etc. O uso de algemas será R16;excepcionalíssimoR17; no julgamento e, neste caso, não se poderá fazer referência nos debates este detalhe, nem para beneficiar nem para prejudicar o acusado. Há vedação expressa, sob pena de nulidade, do uso dos termos da pronúncia como argumento prejudicial ao acusado. Simplifica-se a quesitação para melhor captação da real intenção do jurado. O tempo destinado para a acusação e defesa será de uma hora e meia com mais uma hora de réplica e tréplica. Havendo mais de um acusado é prevista uma hora adicional para cada um e dobra-se na réplica...R21;, completa.

    Por fim, o criminalista prevê: R20;Vamos ver como será colocado em vigor o novo instituto e observar o esmeril da prática e da jurisprudência. Uma coisa é certa, sem um completo reaparelhamento do Judiciário, nada mudará! Para justificar meu pessimismo (não tendo em mãos estatísticas oficiais de outras localidades), o jornal R16;Tribuna do ParanáR17; noticiou que apenas em um fim de semana na cidade de Curitiba foram registrados 28 casos de homicídios; enquanto as duas varas do Tribunal do Júri da capital, trabalhando em um mesmo recinto, a R16;pleno vaporR17; e vigor de seus magistrados, conseguem julgar no máximo cinco processos por semana. Previsível, portanto, ao menos no caso do exemplo, uma represa de processos, famílias, cadáveres e acusados à espera de justiça, em meio a uma enxurrada de R16;habeas corpusR17; por excessos de prazos...R21;.

    Debate continuado

    Para os interessados no tema, Rodrigo Iennaco , bem como Eugênio Pacelli de Oliveira responderem a alguns questionamentos daquilo que o Governo chamou de R20;reformaR21; do CPP . Confira a seguir.

    (*) As perguntas sobre a parte técnica da reforma doCPPP foram orientadas pelo professor universitário de Direito

    Penal, Mestre em Direito Público, especialista em Processo Civil pela UFU, Promotor de Justiça André Luís Alves de Melo.

    ENTREVISTA

    Eugênio Pacelli de Oliveira - Mestre e Doutor pela UFMG; Procurador da República em Minas Gerais; autor de diversos livros, professor universitário e um dos membros integrantes da Comissão Externa de Juristas que, a contar de 1º de agosto, terá 180 dias para apresentar um anteprojeto de reforma do CPP .

    Rodrigo Iennaco - Mestre em Ciências Penais pela UFMG, com atualização em Criminologia Transdisciplinar em Cuba (UFMG - BRA) e criminologia com ênfase em Direitos Humanos (UCCI - Costa Rica); Promotor de Justiça em Sete Lagoas, MG; autor de diversas obras jurídicas e coordenador do Conselho Editorial do site www.direitopenalvirtual.com.br.

    INTERESSE PÚBLICO

    Muita mídia foi feita sobre o que os Poderes (Executivo, Legislativo, Poder Judiciário) chamam de reforma do Código de Processo Penal , quando na verdade não passou de uma minirreforma. De qualquer modo, dentro de sua experiência e prática, a R20;reformaR21; tornará a justiça de fato mais célere e eficiente?

    RODRIGO IENNACO - Essa reforma foi bastante pontual, representada na verdade por duas leis. Uma que alterou a sistemática processual sobre a maneira de produção e apreciação das provas no processo criminal R11; tornando o texto legal compatível com a Constituição R11; e outra que implementou significativas mudanças no Tribunal do Júri R11; que cuida apenas dos crimes intencionais contra a vida (homicídio, aborto etc.). Sendo assim, a timidez e limitação das alterações praticamente não serão sentidas pelo cidadão comum e a percepção da justiça, sobretudo a criminal, como lenta e ineficiente, não será significativamente alterada. Isso não significa que, a médio prazo, as modificações implementadas, sobretudo na reforma do júri, não trarão celeridade e economia de recursos para a Justiça. Não tenho dúvidas de que a reforma do júri, se bem interpretada e administrada pelo Judiciário, contribuirá para diminuir a sensação de impunidade que graça em relação a estes crimes mais graves, os quais terão tratamento diferenciado pela Justiça doravante.

    O Código de Processo Penal passou por pequenas alterações aqui e acolá. Outras, além da que estamos questionando nesta entrevista, estão a caminho. Por outro lado, é fato que partes do CPP não mais se encaixam na realidade contemporânea, tendo inclusive alguns textos que fazem uso de expressões e orientações de condutas embasadas em costumes vigentes no tempo da R20;CarochinhaR21;. Diante disso, sabendo que boa parte do CPP já não serve mais à realidade dos fatos, por que as reformas seguem sendo feitas no sistema de conta-gotas, de forma burocrática e lenta, e surgem especialmente quando há clamor social por algum caso isolado e exaustivamente explorado pela imprensa, ao invés de serem feitas em sua totalidade, de uma vez?

    Eugênio Pacelli de Oliveira - Todas as questões atinentes à criminalidade, aí incluída a legislação penal e processual penal, configuram temas extremamente sensíveis e nem sempre bem compreendidos pela população em geral. Por exemplo: é pensamento comum na sociedade brasileira que o agravamento das penas e a celeridade do processo penal - fim da impunidade, em resumo - resolveriam o problema da criminalidade, o que está longe de ser verdadeiro, ou, pelo menos, inteiramente verdadeiro. As causas da violência transcendem ao Direito; mais, localizam-se, prioritariamente, no âmbito da política, da economia e da vida social. As desigualdades sociais, a miséria largamente distribuída, por inúmeros fatores, impedem uma análise mais criteriosa das razões da violência. O Direito Penal jamais conterá a totalidade do crime, já que este (o delito) não surge apenas como rejeição do Direito, mas muitas vezes como sobrevivência marginal. Por isso tudo, o Parlamento não parece ainda decidido a reformular a legislação penal levando em contas a profundidade das questões subjacentes. Reformas "a conta-gotas" são contraproducentes já que, com elas, perde-se a visão do todo, em prejuízo da unidade do sistema penal e processual penal. Por isso, há de ser recebida com otimismo a iniciativa do Senado, de instituir uma Comissão de Juristas para a elaboração de um novo Código de Processo Penal . As reformas que estão chegando foram tão modificadas ao longo dos anos (são de 2001) que já perderam a unidade de sentido.

    Se o Legislativo e o Executivo pararam para propor mudanças em alguns pontos, por que não parar para reformar todos os dispositivos ultrapassados de uma só vez e assim economizar tempo e dinheiro aos cofres públicos?

    E.P.O. - Exatamente. Reformas pontuais, apesar de parecerem mais facilmente absorvidas, podem gerar um quadro de contradições, na medida em que, a cada momento em que são analisadas uma a uma, perde-se a idéia que motivou o seu conjunto. Com isso, produzem-se leis (alteradas na sua redação original) em desacordo com a lógica das anteriores, que também receberam modificações. E, pior: gasta-se muito nas adaptações às novas leis, seja no âmbito dos órgãos públicos envolvidos (Juiz, Ministério Público, Polícia), seja no âmbito privado (Advocacia, currículos escolares, produção bibliográfica etc.).

    No senso comum, dizem que quem tem pressa come cru. Para retirar do seio social a sensação de impunidade, a minirreforma objetivou uma maior rapidez no trâmite processual e decisões judiciais da área penal. Mas, afinal, o excesso de rapidez pode ou não levar à insegurança jurídica ou mesmo a outras injustiças?

    E.P.O. - O apressado como cru somente quando o alimento deve ser "cozido ou assado". Quando se trata de alimento que se come originariamente cru, o forno ou a panela são mais que improdutivos. Há sempre o risco de insegurança na diminuição do tempo dos ritos processuais, o que não quer dizer que não se possa fazê-lo. As mudanças atuais, frutos da minirreforma, não causarão nenhum problema dessa natureza, segundo me parece, até porque as alterações nesse sentido não são tão significativas assim.

    A Constituição está acima do CPP . O inciso LXXVIII , do art. da Constituição Federal , acrescentado pela Emenda Constitucional nº. 45 , de 08.12.2004, prevê expressamente o princípio da duração razoável do processo, assegurando o direito à rápida prestação jurisdicional, que deve ser o mais pronta possível, a fim de conservar sua utilidade e adequação ao interesse reclamado. O que, no entender do Poder Judiciário, em especial dos que atuam na área penal, pode ser entendido como R20;duração razoávelR21;?

    R.I. - Para o Tribunal do Júri, a reforma previu que a instrução deve ser encerrada em 90 (noventa) dias e que o acusado tem direito de ser julgado no prazo de 6 (seis) meses desde que o juiz admita a acusação contra ele formulada no processo, determinando que ele seja submetido a julgamento pelo tribunal popular. De uma maneira geral, pode-se dizer que o tempo razoável é incompatível tanto com a espera indefinida de resolução da situação quanto com a possibilidade concreta de prescrição. Noutras palavras: ao acusado interessa ver sua situação jurídica definida o mais rápido possível; à sociedade que não haja impunidade e que a justiça seja feita em período próximo ao fato, contribuindo para a restauração do equilíbrio social rompido com o crime.

    Nossa legislação engloba mais de mil leis da área penal. A porcentagem de criminosos que estão na cadeia é menor que 1%. Em Minas Gerais temos superlotação carcerária em diversas cidades; sem contar os sérios problemas que afrontam os Direitos Humanos. No Poder Judiciário temos ausência de magistrados em algumas comarcas e falta de serventuários. Alguns Tribunais podem ser comparados a palácios suntuosos, por fora; por dentro funcionam como instituições da Idade Média. Diante do exposto, ao sr. questiono, em nome do povo: o que o cidadão comum tem a ganhar com a tão alardeada R20;reforma do CPPR21;?

    E.P.O. - A pergunta vem ou está na direção da resposta à primeira (pergunta). De fato, no Brasil gasta-se muito com o que importa pouco. Prédios luxuosos existem e são inteiramente dispensáveis. O orçamento seria muito mais produtivo se fosse destinado aos recursos humanos do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Polícia, por exemplo. Tais instituições cometem os mesmos erros cometidos pelo Executivo e pelo Parlamento: direcionam recursos materiais para o desenvolvimento de atividade "meio", em desprestígio da atividade "fim". Obviamente, isso não ocorre em todas as instituições e nem em todos os momentos da vida pública, mas, não obstante, é fato comprovado em muitas situações. Para que tenhamos mais juízes, mais policiais e mais membros do Ministério Público, o que agilizaria a atuação de cada um deles, dependemos de leis, é verdade. No entanto, possibilitar um melhor desempenho dos que já atuam, com um mais adequado aparelhamento dos recursos necessários às respectivas atividades, é um imperativo da boa administração pública. Em relação às penitenciárias e às delegacias, o problema não é diferente do que ocorre nos hospitais e demais serviços públicos; a carência de recursos e de investimento é fato notório. O que a legislação penal pode fazer em relação a isso é diminuir os malefícios da intervenção penal, diminuindo a incidência de penas privativas da liberdade, que deveriam ser reservadas, em princípio, para crimes de maior gravidade, evitando-se a proliferação de prisões cautelares. A prisão, em si, é bastante problemática, gerando, por si só, violência e reprodução de violência. Por isso deve ser evitada o quanto possível. Os crimes para os quais a população brasileira exige punição, de modo geral, são crimes violentos e envolvendo a criminalidade econômica (colarinho branco, corrupção etc.). Para esses últimos, então, há unanimidade quanto aos efeitos deletérios na vida social (acumulação de riquezas e privatização dos bens públicos) e, por isso, devem merecer maiores cuidados na legislação.

    O sr. tem dados de quanto custa ao país cada vez que param para fazer uma minirreforma como essa?

    R.I. - Numa democracia, não se deve medir o custo (e o benefício) das Instituições e Poderes públicos apenas com olhos voltados para a despesa, mas contabilizando-se os benefícios sociais para o aprimoramento da cidadania. A rigor, o custo da reforma está disseminado na manutenção do próprio Poder Legislativo R11; sua estrutura, pessoal etc. Quando uma reforma como essa é afinal aprovada e sancionada, a economia (de recursos) gerada para o funcionamento dos processos na Justiça soma-se ao benefício para os cidadãos que necessitam do Judiciário para a garantia de seus direitos.

    A nova forma de conduta processual economizará quanto aos cofres do Judiciário?

    R.I. - Não há uniformidade de método ou consenso entre administradores e pesquisadores sobre o chamado custo-judiciário. Por intermédio do Judiciário, por exemplo, o Governo consegue reaver passivos fiscais importantes. O mesmo Judiciário que, noutras oportunidades, restitui ao cidadão tributos pagos indevidamente. De tal forma que o custo para manutenção de um Poder sempre poderá ser apreciado de maneira relativizada. Quanto à reforma do júri, especificamente, a concentração da instrução em audiência única, a restrição a formalidades estéreis e a adoção de novos mecanismos para evitar adiamento de julgamentos trarão economia de recursos, que poderão ser disponibilizados para a tramitação de outros feitos, tornando a administração da Justiça mais ágil. Isso não significa a solução dos problemas estruturais do Poder Judiciário, enfrentados por todos os Estados da Federação. Urge uma reforma mais ampla, legislativa e administrativa, que passa sobretudo pela capacitação e investimento em recursos humanos e melhor aproveitamento (eficiência) dos recursos físicos já disponíveis.

    A minirreforma do CPP R11; por ainda não ter sido testada na prática - talvez melhore os procedimentos para os que militam no Poder Judiciário. Visto que um sistema é feito da reunião de outros pequenos sistemas e que todos estão interligados, como a R20;reformaR21; pode afetar ou melhorar a vida do cidadão comum?

    R.I. - A lei processual se dirige imediatamente aos profissionais do Direito, ao contrário do que acontece, por exemplo, com as regras do Direito Penal. Sendo assim, a vida do cidadão comum nada ou pouco muda com a reforma. Porém, de maneira mediata, espera-se que com a melhor distribuição da Justiça o acesso dos cidadãos a tais serviços seja aperfeiçoado.

    Leis podem ser demagogas e não-práticas, em especial as novas; podem ainda exprimir a vontade do legislador, mas nem sempre condizem com os preceitos constitucionais. São as leis, pois, perfeitas no papel, já na prática... Enfim, o sr. aposta na eficácia das novas leis?, que elas, R20;no popularR21;, serão aceitas?

    R.I. - Nosso país, se quiser afirmar-se como nação culta e próspera, precisa livrar-se da herança da colonização. É preciso superar a lógica do R20;jeitinhoR21; e esquecer definitivamente a idéia de que R20;há leis que não pegamR21;. No caso de leis processuais, de qualquer forma, não há muito espaço para infringi-las em vão, pois a conseqüência seria a declaração de nulidade dos processos R11; e desperdício do tempo e do dinheiro do cidadão. É fundamental que o Poder Judiciário assimile a mensagem do legislador e implemente mecanismos que tragam efetividade para as alterações almejadas, sobretudo estabelecendo prioridades em relação à persecução dos crimes dolosos contra a vida.

    Quais as críticas e elogios que o sr. tem a fazer sobre as mudanças no Tribunal do Júri, produção de provas e audiências?

    R.I. - As mudanças do Tribunal do Júri vieram em boa hora. Destacam-se positivamente a eliminação do protesto por novo júri, a previsão de hipótese de desaforamento para controle do tempo no processo e a simplificação da quesitação. De uma maneira ampla, pode-se dizer que o procedimento foi desburocratizado ao se tornar menos solene e simbólico. Quanto à produção de provas, digna de louvor a produção da prova testemunhal ser, agora, fruto do debate e da dialética das partes à luz do contraditório, exercendo o juiz R20;apenasR21; instrutória complementar e, fundamentalmente, fazendo o que dele se espera constitucionalmente: julgar. A lei poderia ter dado um passo além, afirmando essa posição do juiz como garantidor das liberdades fundamentais e impedindo iniciativa sua no campo das provas.

    PARTE TÉCNICA

    A R20;reformaR21; prevê a intimação da vítima acerca de atos como sentença, audiências, acórdãos. Embora isto seja um avanço, não seria o caso também de avisar quando eventualmente o promotor arquivar ou oferecer a denúncia criminal? Também não seria bom este procedimento na fase policial?

    Eugênio Pacelli de Oliveira - A ciência da vítima em relação tanto ao oferecimento da denúncia quanto da condenação e de outros atos é bem-vinda, na medida em que poderá estimular o exercício de uma maior fiscalização da sociedade aos poderes públicos envolvidos na persecução penal. E isso, em última análise, integra o rol de atributos da cidadania, até mesmo para que se possam perceber, mais de perto, as eventuais vantagens e desvantagens do sistema penal estatal. Acho, então, que a vítima, em alguns crimes, quando perfeitamente identificada, deve mesmo ser cientificada acerca das decisões emanadas da persecução penal, incluindo a atividade policial.

    Para valorizar a vítima, os crimes de furto também não deveriam ser ação penal condicionada à representação (queixa) como ocorre para a lesão corporal leve? Afinal, se a integridade corporal é disponível, não deveria haver o mesmo para a integridade patrimonial?

    Rodrigo Iennaco - É uma possibilidade e de certa forma um anseio de setor da doutrina. A questão se resolve no campo político-legislativo. Creio que qualquer reforma da legislação penal deveria pautar-se numa política criminal bem definida, mas ainda estamos distantes de alcançar seus parâmetros de maneira razoavelmente consensual. Estou convencido de que o Direito Penal deve ser democraticamente distribuído entre as camadas sociais de maneira mais justa, com maior repressão R11; inclusive com a privação da liberdade R11; dos criminosos R20;do colarinho brancoR21;, sonegadores, agentes políticos corruptos etc. Há necessidade urgente de superação, nesse campo, do mito da ressocialização.

    Não seria o caso de a legislação processual penal prever recurso contra qualquer decisão interlocutória no processo penal?

    R.I. - O Código de Processo Penal , tão criticado, descontada sua descaracterização pelo avanço da legislação extravagante e bem interpretado à luz da Constituição , funciona. Precisa avançar para se adequar aos tempos modernos, mas funciona da forma como foi idealizado. Uma das lógicas do processo penal é justamente a irrecorribilidade das interlocutórias, sendo que as questões normalmente se resolvem no próprio processo, em sede de nulidades e à luz do princípio da ampla defesa. Contaminar o processo penal, nesse aspecto, com a teoria geral do processo e com o tecnicismo artificial e pouco prático do processo civil e instalar a incerteza e dificultar ainda mais a administração da justiça criminal. O processo civil luta para se libertar das amarras da recorribilidade das interlocutórias restringindo a sistemática do agravo e o processo penal deve se nortear, neste aspecto, pela prática do processo e não por elucubrações teóricas que inviabilizaram, historicamente, o processo civil como instrumento idôneo à pacificação. Ao processo penal não satisfaz a resolução formal de litígios. Há um fundamento lógico e básico no processo penal: decidir de forma legítima, observado o devido processo penal, se o acusado é culpado ou inocente.

    A Lei 11.690 /08 prevê assistência psicológica, jurídica e à saúde da vítima, mas apenas na fase judicial, já que afirma categoricamente que cabe ao juiz encaminhar, mas quanto aos mais de 90% de crimes que nem viram processo por falta de conhecimento da autoria ou outros fatores, não seria o caso de se estender este benefício a todas as vítimas?

    E.P.O. - A meu aviso, esse é um dispositivo sem maiores repercussões práticas. Nosso sistema de atendimento às vítimas de crimes, incluindo de violência doméstica, não pode gozar de primazia em relação aos demais necessitados, que, a seu turno, se não são vítimas de crimes, podem ser vítimas da fatalidade, do destino, do acaso, enfim, mas, em todo caso, são portadores de necessidades de atendimento pelos órgãos do Estado. Espero, mesmo, que o Estado possa desempenhar a função ali mencionada. Não acredito nisso, a julgar pelo fato de que - para ficarmos apenas no âmbito penal - sequer a Lei de Execucoes Penais é rigorosamente cumprida no Brasil.

    O art. 156 da Lei 11.690 permite que o juiz produza provas contra o réu. Isto não viola o princípio acusatório (princípio do contraditório)? Afinal, o ônus da prova para condenar não seria do MP?

    E.P.O. - Não só viola o sistema acusatório, como incentiva uma cultura que deve ser superada no Brasil. O juiz criminal não deve ocupar função de proeminência na persecução penal. Existe um órgão específico para cuidar disso (o MP), no que é auxiliado suficientemente pela Polícia, indevidamente denominada "Judiciária". A Polícia atua com o Ministério Público e não com o Judiciário. O juiz deve ser o juiz das liberdades públicas, isto é, deve atuar preservando as garantias individuais, antes da decisão final, e aplicando o Direito Penal, quando for o caso, no exercício, então, de função tipicamente jurisdicional. Questões relativas à qualidade da prova, para fins de condenação e de acusação, não dizem respeito ao juiz, ao menos no que se refere à produção dela (prova). Jurisdição não é investigação e não é acusação. Tampouco é defesa, mas, sim, o julgamento de uma questão penal segundo o Direito válido.

    No caso do crime de júri, permitir ao juiz que desclassifique para crime mais grave na pronúncia - por exemplo, de homicídio simples ou lesão corporal seguida de morte para homicídio qualificado - sem ouvir as partes não viola o princípio da ampla defesa e sistema acusatório, ao retornar ao processo inquisitório?

    E.P.O. - Penso que a regra da definição jurídica diferente no Júri, por ocasião da pronúncia, nada tem de inconstitucional. A pronúncia é juízo de mera admissibilidade, feita por um técnico (juiz) para esclarecimento de um leigo (o jurado). A decisão se refere a um fato narrado, e sobre ele a defesa deve lançar todas as luzes que entender pertinentes, incluindo, por óbvio, a sua definição jurídica, independentemente da qualificação dada pelo Ministério Público. Mais. A decisão se submete a recurso e, por isso, pode permitir ampla argumentação, incluindo a do Ministério Público, que pode concordar com a defesa. Baixar os autos para nova manifestação, antes da pronúncia, é simplesmente antecipar uma decisão já tomada, ainda que sem a explicitação escrita dos motivos. Uma correção: não caberá a modificação de lesão corporal para homicídio, no âmbito do procedimento do Júri. Referida desclassificação, quando ocorrer, deverá ser feita no juízo singular, para o qual deve ser encaminhada a denúncia ou queixa pela prática de crime não doloso contra a vida.

    Para valorizar a vítima, os crimes de furto também não deveriam ser ação penal condicionada à representação (queixa) como ocorre para a lesão corporal leve? Afinal, se a integridade corporal é disponível, não deveria haver o mesmo para a integridade patrimonial?

    R.I - E uma possibilidade e de certa forma um anseio de setor da doutrina. A questão se resolve no campo político-legislativo. Creio que qualquer reforma da legislação penal deveria pautar-se numa política criminal bem definida, mas ainda estamos distantes de alcançar seus parâmetros de maneira razoavelmente consensual. Estou convencido de que o Direito Penal deve ser democraticamente distribuído entre as camadas sociais de maneira mais justa, com maior repressão R11; inclusive com a privação da liberdade R11; dos criminosos R20;do colarinho brancoR21;, sonegadores, agentes políticos corruptos etc. Há necessidade urgente de superação, nesse campo, do mito da ressocialização.

    Não seria o caso de a legislação processual penal prever recurso contra qualquer decisão interlocutória no processo penal?

    R.I. - O Código de Processo Penal , tão criticado, descontada sua descaracterização pelo avanço da legislação extravagante e bem interpretado à luz da Constituição , funciona. Precisa avançar para se adequar aos tempos modernos, mas funciona da forma como foi idealizado. Uma das lógicas do processo penal é justamente a irrecorribilidade das interlocutórias, sendo que as questões normalmente se resolvem no próprio processo, em sede de nulidades e à luz do princípio da ampla defesa. Contaminar o processo penal, nesse aspecto, com a teoria geral do processo e com o tecnicismo artificial e pouco prático do processo civil e instalar a incerteza e dificultar ainda mais a administração da justiça criminal. O processo civil luta para se libertar das amarras da recorribilidade das interlocutórias restringindo a sistemática do agravo e o processo penal deve se nortear, neste aspecto, pela prática do processo e não por elucubrações teóricas que inviabilizaram, historicamente, o processo civil como instrumento idôneo à pacificação. Ao processo penal não satisfaz a resolução formal de litígios. Há um fundamento lógico e básico no processo penal: decidir de forma legítima, observado o devido processo penal, se o acusado é culpado ou inocente.

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