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2 de Maio de 2024
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    Um pouco da história de conquistas dos direitos das mulheres e do feminismo

    Publicado por Justificando
    há 7 anos

    “Não sou carne,

    Não sou santa,

    Não sou sua”

    O presente artigo é o início de uma série de textos que tem por objetivo retratar, de formas cronológica e resumida, as conquistas de direitos pelas mulheres ao longo da história do Brasil e do mundo, bem como o surgimento e a evolução do movimento conhecido por feminismo.

    A série é dividida em quatro partes, quais sejam, introdução, 1ª, 2ª e 3ª ondas feministas. O termo teórico “onda feminista” refere-se a um projeto inacabado, ainda em construção, e apresenta dois sentidos – o primeiro corresponde a um parâmetro cronológico, de gerações, enquanto o segundo diz respeito às sucessivas e contrapostas construções teóricas e práticas sobre o tema. (1).

    O feminismo é uma filosofia que reconhece que homens e mulheres têm experiências diferentes, e reivindica que pessoas diferentes sejam tratadas não como iguais, mas como equivalentes (2). A maioria dos historiadores feministas ocidentais afirma que qualquer movimento que lute pelos direitos das mulheres deve ser considerado feminista, mesmo que não se denomine como tal. (3,4,5,6,7,8)

    Essa reivindicação de direitos é tão urgente quanto necessária e antiga. Isso porque o patriarcalismo e o machismo não são conjunturais, mas estruturais, ou seja, estiveram presentes desde a Antiguidade em quase todas as civilizações e, portanto, constituem as relações nos seus padrões de normalidade e racionalidade, independente da violência direta, não obstante ela exista sobremaneira.

    O machismo é, portanto, uma forma de compreensão das relações e de agir consciente e inconsciente. Os sujeitos machistas não são anormais, doentes ou sofrem de falta de caráter, mas tão somente fazem parte de uma estrutura patriarcal, parafraseando o professor Sílvio de Almeida quando trata do racismo estrutural (9).

    O patriarcalismo foi pregado por diversas religiões, dentre elas o cristianismo, fundado na existência de um único Deus, que é masculino. A primeira representação da mulher de que se tem conhecimento é por meio da figura de Eva, apresentada pela bíblia como causadora do pecado original.

    Nos séculos VI e V a.C., no apogeu das pólis gregas, emergiram as bases das ideias sobre democracia, tendo Atenas desenvolvido o primeiro governo democrático da história. Aos cidadãos era dado participar diretamente das questões políticas da pólis, mas a própria ideia de cidadão era excludente, haja vista excetuar os escravos e as mulheres.

    A partir do século IV a.C., viveram em regiões norte e nordeste da Europa os povos célticos e nórdicos, os quais se destacaram, além de sua cultura e forma de vida, por abordarem a figura da mulher como de crucial importância no desenvolvimento de suas práticas sociais e religiosas, o que marcou profundamente a história desses povos.

    Além das funções domésticas – comum a todas as mulheres de todas as sociedades – as mulheres célticas e nórdicas aprendiam técnicas de combate, as sacerdotisas, conhecidas como Volvas, determinavam quem iria lutar ou não nas guerras, e a todas as mulheres era dado participar da vida política e escolher os seus maridos (2).

    Com exceção dessas sociedades, as mulheres assumiram, ao longo de toda a história, o papel de subordinadas, sem voz ativa e fadadas ao anonimato de suas residências.

    Durante o Império Romano, elas viviam sob o poder do pai ou do marido, o pater familias. A expressão “pátrio poder” foi utilizada pela lei brasileira até 2002, ano da promulgação do novo código Civil, quando foi substituída pelo termo “poder familiar”, o que significa dizer que, até então, o poder sobre os filhos era exercido exclusivamente pelo pai.

    Com o advento do cristianismo na Europa, as mulheres que exerciam a sua sexualidade e crenças de forma livre passaram a ser brutalmente assassinadas.

    Na Idade Média, a figura do guerreiro era incontestavelmente masculina, devido a uma masculinização proposta por diversos fatores, dentre eles o cristianismo como principal. À mulher cabia o papel de donzela, virgem e casta, à espera de marido (2).

    Consagrou-se, então, o dualismo do papel feminino na sociedade: a santa ou a puta, Maria ou Eva, as resignadas ou as bruxas. Atualmente, esse dualismo está presente na classificação contemporânea de mulher: para casar ou para ficar.

    No renascimento, ouviam-se os ecos medievais que consideravam a mulher um ser inferior ao homem. São Tomás de Aquino, um dia questionado se um escravo liberto poderia ser sacerdote, respondeu que sim, pois um escravo é socialmente inferior, enquanto a mulher é naturalmente inferior e, por isso, não poderia exercer nenhuma função de poder.

    Três intelectuais italianas de Veneza do século XVII despontaram como precursoras da valorização feminina na época. Lucrécia Marinelli, em “A Nobreza e a excelência da mulher”, de 1.601, defendeu a igualdade dos sexos.

    Moderata Fonte, em “Valor da Mulher”, de 1.600, retratou as mulheres donas de casa de sua época, as quais “viviam como animais encurralados entre paredes” e, desprovidas de recursos e instrução, sujeitavam-se ao poder masculino.

    Arcangela Tarabotti escreveu durante trinta e dois anos no mosteiro em que seu pai a obrigou a ingressar. Em suas obras, denunciou o falso moralismo masculino, a falta de liberdade feminina e a violência que a obrigou a trocar a pena de escritora pela agulha de bordadeira. (10)

    O iluminismo, como movimento filosófico e cultural que visava ao alcance da liberdade, autonomia e emancipação por meio da razão, favoreceu, no século XVIII, o acesso da mulher à educação formal. A revolução francesa é, pois, considerada por muitos como o berço do feminismo moderno.

    No entanto, até mesmo Rousseau, famoso iluminista francês, afirmou que o papel doméstico das mulheres seria uma condição prévia estrutural para uma sociedade “moderna” (11). Nota-se em seu argumento, claramente, a presença do machismo estrutural.

    Dentro das classes mais abastadas, proferia-se a crença de que as mulheres precisavam ser suficientemente educadas, a fim de se tornarem interlocutoras inteligentes e agradáveis ​​para seus maridos. As que permaneciam solteiras, por outro lado, eram ridicularizadas, em evidente afronta à sua autonomia, verificada até hoje.

    Em 1791, a francesa Olympe de Gouges se opôs ao patriarcado da época e ao modo pelo qual a relação entre homens e mulheres foi retratada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, fruto da Revolução Francesa, e lançou a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, na qual proclamou que, além dos homens, as mulheres também seriam titulares de direitos naturais.

    Em razão do seu ativismo, Olympe foi guilhotinada em 1793, mesmo ano em que o parlamento francês concedeu o direito de voto aos homens e rejeitou a proposta de igualdade política entre os sexos.

    Somente um século depois, em 1893, a Nova Zelândia tornou-se o primeiro país do mundo a permitir o voto feminino (12), direito esse conquistado pelas francesas apenas no século XX.

    Com a revolução industrial do século XVIII e o êxodo rural, à mulher é aferido outro papel na sociedade, a de trabalhadora assalariada, ainda que seus salários fossem muito inferiores ao dos homens para a realização do mesmo ofício.

    Essa “concessão” do direito de trabalhar externamente, conquanto com valor de trabalho bastante reduzido, não usurpou da mulher a função de cuidar dos afazeres domésticos. A sua conquista, portanto, não a igualou aos homens, pelo contrário, iniciou-se a na história a sua dupla jornada.Nessa época, nas áreas urbanas do Brasil Imperial, as janelas não se abriam para as esposas e filhas dos senhores.

    O viajante Emille Carrey presenciou o desabafo de uma brasileira a uma visitante francesa em 1835: “Se a senhora soubesse como somos infelizes! Li num livro francês que as senhoras francesas saem sós e recebem suas amizades como lhes agrada. Nós, nunca. Nossos maridos são de tal modo ciosos que até nos proíbem de chegarmos às janelas e nos punem junto com nossas escravas caso desobedeçamos”. (13)

    Nesse ponto, importante fazermos um recorte de raça, em referência ao feminismo negro. Essa escola de pensamento entende que a experiência de ser uma mulher negra não pode ser compreendida em termos de ser negro, nem de ser mulher, como formas independentes, mas deve incluir as interações, que frequentemente se reforçam mutuamente (14).

    Em famoso discurso intitulado “Ain’t I a woman?” e proferido em 1827, a ex-escrava e abolicionista norte-americana Sojouner Truth argumentou que a cultura estadunidense conferiria certos privilégios às mulheres brancas, como não exercer atividades remuneradas, em razão de sua suposta inferioridade intelectual e física, privilégios esses não estendidos às mulheres negras.

    Essa interseccionalidade de fatores de opressão é conceito já familiar no campo dos direitos humanos, reconhecido pela primeira vez em 2016 pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (caso Gonzales Lluy vs. Equador) e retrata a incidência dos mais diversos fatores de discriminação que se entrelaçam em um caso concreto.

    É o que ocorre, por exemplo, com uma mulher refugiada, pobre, negra, analfabeta e homossexual, sendo a junção desses traços a causa de uma violação de direitos interseccional, inviáveis de serem tratados de forma independente, nas palavras de Thimotie Heemann. Muitos recortes existem e são igualmente relevantes, como os que relacionam o feminismo à homofobia, ao classismo e à colonização.

    Veronica Homsi Consolim é analista jurídico da Promotoria de Justiça de Direitos Humanos do Ministério Público do Estado de São Paulo.

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