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23 de Maio de 2024
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    Visitei um presídio na Alemanha e volto ao Brasil com um mundo de novidades

    Publicado por Justificando
    há 8 anos

    Era um detento, de 22 anos, há 8 meses preso, condenado por lesão corporal grave, que ao perceber minha falta de fluência na língua de Goethe, logo passou para o inglês, idioma que consigo entender e me fazer entendido. Assim continuou a conversa por curiosidade, mas com respeito, quando soube se tratar de um juiz do Brasil.

    Estava eu na Penitenciária de Arnstadt, estado da Thuríngia, Alemanha.

    Costumo usar alguns dias de férias para conhecer outros sistemas de justiça criminal. Desta vez, havia contado com o auxílio do Secretário de Estado de Assuntos Internacionais de SC, Carlos Adauto, que me apresentou ao Cônsul Alemão de Porto Alegre. E os ajustes foram feitos.

    No dia da visita, primeiro me reuni com o Ministro de Estado da Justiça. Muito atencioso, esclareceu-me que o perfil da população alemã presa é de homens, jovens, sem emprego e sem vínculos familiares, envolvidos com drogas (como no Brasil). Quanto aos imigrantes, grave situação por que passa a Europa, o Ministro disse que nada interferia nessa questão prisional. Os poucos que eram detidos tinham também esse mesmo perfil dos demais. Mas não havia superpopulação e o número de presos, segundo afirmou, decrescia (não como no Brasil).

    Detalhe: a audiência de custódia na Alemanha existe há muito tempo - preso em flagrante num dia; apresentado ao juiz no dia seguinte. Comentei que no Brasil isso ainda estava sendo iniciado e os queixos alemães caíram, inclusive o da juíza que nos acompanhava.

    Depois da conversa, fui levado à Penitenciária. E lá chegando pude perceber a seriedade com que aquele estado trata do encarceramento, sistema puramente público.

    Uma observação: a faixa etária de responsabilidade penal naquele país é diferente da que temos Brasil (18 anos). Na Alemanha, até 18 anos aplica-se a lei juvenil, uma espécie de ECA. Depois de 21, aplica-se a lei penal. Entre 18 e 21 o juiz decide qual lei aplicará. E mesmo que aplique a lei penal, se a pena for de reclusão, independentemente do tipo de crime, é em unidades para jovens que não vão muito além da faixa dos 21 anos que a pessoa fica presa.

    A unidade que visitei era destas, desses jovens, considerada a mais moderna do país. Não obstante, todos, inclusive o Ministro, fizeram questão de dizer que a maioria das prisões na Alemanha não era como aquela, havendo locais onde absurdamente 4 detentos dividiam uma única cela. Limitei-me a uma resposta monossilábica, poupando aquelas pessoas do sistema penitenciário brasileiro.

    Durante a visita, conversei com alguns detentos, dentre aquele que falava um pouco de inglês (muitos falavam um pouco de inglês). Quando eu explicava o que fazia e mostrava algumas fotos no celular, autorizado que estava a entrar com ele, logo se formava um grupo de detentos ao redor, curiosos sobre uma prisão no Brasil. Eles notaram a diferença. Naquela penitenciária são cerca de 180 detentos de 18 a 25 anos. Cada um com quarto individual, que pode trancar à chave, cuja cópia fica com o chefe de segurança. Todos têm um aparelho de telefone na cela, com dez números cadastrados para ligações livres. Se a administração quiser monitorar a ligação, é necessária prévia autorização judicial. Todos estudam. Há ensino técnico com exames pelo sistema comum de ensino. Há qualificação para o trabalho (operador de máquinas, jardinagem, cozinheiro de alto padrão, montador e reparador de bicicletas). Há quadras esportivas, estúdios de arte e biblioteca.

    Os funcionários são satisfeitos e além dos carcereiros existem muitos assistentes sociais, psicólogos e profissionais da educação.

    Terminada a visita, no início da noite tive a honra e a sorte de participar de um jantar na prisão. Digo a honra e a sorte porque 6 vezes ao ano os estudantes de culinária preparam um jantar do nível de grandes chefs e para o qual são convidadas pessoas da sociedade. Cerca de 40 pessoas puderam desfrutar da melhor gastronomia, toda feita por detentos, num ambiente aprazível, ao som de melódica banda, também composta por detentos.

    "A prisão deve ser a última das alternativas e se isso acontecer nós estamos aqui para lembrar sempre que a liberdade foi a única coisa que esses jovens perderam. A condição humana sempre continuará. Temos que acreditar na capacidade da pessoa de se transformar e buscar uma nova chance."

    Foi isso que ouvi da administração alemã. E foi isso que vi.

    João Marcos Buch é Juiz de Direito da Execução Penal e Corregedor do Sistema Prisional da Comarca de Joinville/SC
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