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30 de Abril de 2024
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    Unidade Experimental de Saúde

    Inicialmente concebida para abrigar menores diagnosticados com transtornos de personalidade, a Unidade Experimental de Saúde (UES) nasceu vinculada à Fundação Casa. Erguida na zona norte de São Paulo, em 2006, a UES seria destinada ao atendimento especializado de alguns jovens enquanto estes cumprissem medida socioeducativa. No entanto, sua atual situação é bem diferente da que foi vislumbrada no projeto e, por isso, foi alvo de destaque de reportagem da Revista Istoé no início do mês de maio.

    A construção teria capacidade de atender 40 adolescentes, distribuídos em cinco casas (ou seja, cada uma delas abrigaria oito menores). Contudo, desde sua fundação, a Unidade nunca serviu ao seu propósito inicial não se trata nem de um estabelecimento para tratamento psiquiátrico/psicológico, nem de um centro voltado à ressocialização, uma vez que os seis rapazes que ali estão não dispõem de atividades pedagógicas e laborais e o atendimento psiquiátrico oferecido é bastante precário. Observando a situação em que os jovens internados vivem, surgiram dúvidas em relação aos reais motivos que levaram à criação e manutenção da UES.

    Unidade Experimental de Sáude, localizada em São Paulo.

    Pouco do que se sabe a respeito dela está relacionado a Roberto Aparecido Alves Cardoso, conhecido como Champinha, internado na Unidade desde 2007. Em 2003, ele e quatro adultos sequestraram e mataram o casal de estudantes Liana Friedenbach e Felipe Caffé, que acampavam na cidade de Embu Guaçu. O caso teve ampla repercussão e especial destaque pela crueldade contra a adolescente (que viu o namorado morrer e foi estuprada por quatro dias e morta a facadas). Na época, o crime suscitou debates acerca da saúde mental dos envolvidos e da possibilidade de redução da maioridade penal.

    Quando foi condenado, Champinha tinha 16 anos, logo, foi enviado à então Febem, atual Fundação Casa, para que cumprisse os três anos de medida socioeducativa prevista no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), no artigo 121, 3º. Contudo, às vésperas do término da internação do rapaz, o Ministério Público (MP) solicitou a conversão da medida socioeducativa em medida protetiva de tratamento psiquiátrico com contenção. A Justiça paulista, baseando-se em laudos que apontavam para o sofrimento de transtorno de personalidade e alta probabilidade de reincidência, decidiu mantê-lo internado até os 21 anos.

    No mesmo ano em que a internação de Champinha foi estendida, em 2006, a Fundação Casa anunciou em seu site a construção da UES, cuja proposta era a de criar em São Paulo uma unidade de referência no tratamento de jovens que cumprem medida socioeducativa e apresentam distúrbios psicológicos. E esta foi a única notícia a respeito dela, não há outros registros.

    Na iminência da segunda medida chegar ao fim, o Estado de São Paulo entrou com pedido de interdição civil, cumulado com internação hospitalar compulsória, no Fórum de Embu Guaçu. O pedido foi concedido e Champinha seria transferido para a Casa de Custódia de Taubaté. Esse tipo de internação está previsto na lei 10.216/2001, que estabeleceu a Reforma Psiquiátrica no Brasil, e pode ser determinado pela Justiça a partir de um laudo médico que constate sua necessidade, sem que haja o cometimento de ilícito penal, tampouco o consentimento da própria pessoa ou de sua família.

    No caso em questão, o referido laudo não existiu; foram aproveitados os exames e pareceres técnicos usados na ocasião da medida socioeducativa, de acordo com Daniel Adolpho de Assis, do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDACA Interlagos) e advogado do jovem. Além disso, Assis destaca que Champinha não poderia ser levado para a Casa de Custódia uma vez que o jovem ainda estava sob respaldo do ECA e o referido estabelecimento só pode receber adultos que tenham cometido crime (s) e sejam portadores de doença ou deficiência mental.

    Antes que pudesse ser transferido, o rapaz fugiu da Fundação Casa, mas foi rapidamente capturado e enviado para a UES, a qual, depois de permanecer seis meses vazia, recebeu seu primeiro e mais famoso interno.

    A princípio, o gerenciamento da unidade seria feito em parceria com a Universidade Federal de São Paulo e com a Associação Beneficente Santa Fé, uma ONG tradicional no desenvolvimento de ações voltadas ao bem-estar social, sob a chefia do professor doutor de psiquiatria da Escola Paulista de Medicina, Raul Gorayebe. Todavia, a parceria foi desfeita por uma suposta discordância entre o coordenador do projeto e a Fundação Casa em relação aos profissionais que integrariam a equipe e aos jovens que deveriam ser encaminhados para a Unidade.

    No mesmo ano em que Champinha foi internado, o então governador de São Paulo, José Serra, transferiu o imóvel da Unidade para a Secretaria da Saúde com a expedição do decreto 52.419/2007. Assim, foi firmado um Termo de Cooperação Técnica entre Saúde, Administração Penitenciária e Fundação Casa, segundo o qual a UES receberia adolescentes e jovens que cometeram atos infracionais e cumpriram medida socioeducativa, mas tiveram sua medida revertida em protetiva por apresentar transtorno de personalidade antissocial e/ou alta periculosidade. Depois de o termo ter sido assinado, os outros cinco jovens foram enviados para lá com o mesmo diagnóstico de Champinha.

    Desse modo, os rapazes que lá estão permanecem guardados, não pelos crimes que cometeram, mas por um embate mal resolvido entre o Tribunal de Justiça, o MP e o governo do Estado, os quais, sem encontrar outra solução para manter esses jovens perigosos longe da sociedade, optaram por sua internação na Unidade. Por esse motivo a alternativa escolhida tem sido alvo de inúmeras críticas de profissionais do meio jurídico e da área da saúde.

    Em visita realizada em maio de 2008, a juíza Mônica Paukoski, do Departamento de Execuções da Infância e da Juventude, declarou que o local está sendo utilizado apenas para contenção. A partir de então, a Unidade foi fiscalizada outras duas vezes sem que houvesse qualquer mudança. No início deste ano, representantes do MP e do Conselho Regional de Psicologia (CRP) a inspecionaram e constataram que a estrutura física é boa, mas os procedimentos de tratamento ainda não são bem desenvolvidos.

    Carla Biancha Angelucci, presidente do CRP, é enfática ao apontar as irregularidades da UES: Os jovens não têm acesso aos prontuários médicos, não há projetos terapêuticos definidos, portanto, também não há perspectivas de melhora e ressocialização. Ela complementa: Não digo que aqueles rapazes têm de ser soltos imediatamente porque não sou inconsequente, mas eles não podem ficar lá eternamente.

    Luís Fernando Vidal, presidente da Associação Juízes para Democracia e coordenador da Comissão de Infância e Juventude do IBCCRIM, declara que essa unidade é cópia de um manicômio, mas com uma agravante: os jovens cumpriram medida socioeducativa e estão presos sem ter sido condenados por outros crimes.

    Profissionais da área da saúde não se mostram favoráveis à internação prolongada uma vez que está em desacordo com o que a psiquiatria moderna defende. Essa nova Unidade está na contramão de todas as conquistas da luta antimanicomial e do ECA. O que fizeram foi um manicômio judiciário para jovens, afirma Fernanda Lavarello, que integra o Grupo Interinstitucional, que debate questões sobre crianças e adolescentes, justiça e saúde mental.

    A luta antimanicomial foi travada no Brasil da década de 1980 até a conquista da aprovação da lei 10.216/2001, que estabeleceu que portadores de doença ou deficiência mental só seriam submetidos à internação depois que todos os recursos extra-hospitalares de tratamento fossem esgotados (artigo 4º). A psiquiatria moderna tem-se mostrado contrária à internação prolongada.

    Já Luiz Flávio Borges DUrso, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (SP) defende a criação de uma medida de segurança para menores. Segundo ele, a legislação precisa ser aperfeiçoada, (...) caso contrário eles (os menores) podem ficar num limbo jurídico, num espaço sem regras.

    Nesse caso cabe refletir se essa seria a solução ideal para o problema. Se houvesse esse tipo de medida aplicável a menores, como ela seria executada? Nos moldes da sanção imposta aos enfermos mentais que cometem crimes, os quais, quando internados, permanecem sem tratamento adequado e à espera da morte em hospitais de custódia (pois as medidas de segurança têm prazo indeterminado), ela implicaria apenas a criação de outro depósito de doentes mentais, o que, na prática, da UES já é.

    Por outro lado, se a prioridade da medida proposta por DUrso fosse efetivamente a saúde dos internados e se a eles fossem oferecidos tratamentos para seus transtornos (que, teoricamente, era a finalidade da UES), as chances de reincidência ou piora do distúrbio poderiam ser significantemente reduzidas.

    De qualquer maneira, a situação de menores infratores portadores de doenças deve ser repensada e discutida com cautela. Decisões envolvendo esse assunto não podem ser tomadas por pressão da mídia e pelo clamor social, como parece ter ocorrido com a UES. Talvez ela não existisse se o caso não tivesse a repercussão que teve e se não houvesse a pressão da opinião pública não liberar Champinha.


    (Linha do tempo elaborada pela revista Istoé.)

    (Érica Akie Hashimoto)

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    2 Comentários

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    Ótimo texto continuar lendo

    Quer conhecer melhor os psicopatas gatinha? Menorjv83@gmail.com continuar lendo