Vítima de violência doméstica não é obrigada a participar de conciliação
Embora o novo Código de Processo Civil, em vigor desde 18 de março deste ano, estimule soluções consensuais nas ações de família, não faz sentido obrigar que uma mulher encontre com o ex-companheiro, se alega ser vítima de violência doméstica. Assim entendeu o desembargador José Carlos Ferreira Alves, da 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao cancelar audiência de conciliação fixada pelo juízo de primeiro grau em um processo de divórcio.
Ao agendar a audiência, o juiz declarou que o comparecimento era obrigatório, pessoalmente ou por meio de representante, e a ausência injustificada seria considerada ato atentatório à dignidade da Justiça, que poderia render multa de até 2% do valor da causa.
Atuando na defesa da vítima, a Defensoria Pública alegou que as tentativas de conciliação não devem ocorrer em casos de violência doméstica, para evitar lesão a direitos fundamentais, uma vez que colocar as partes frente a frente revitimiza a mulher em situação de violência doméstica e familiar.
O relator do caso concordou com os argumentos. Segundo o desembargador, “o ideal buscado pelo novo Código de Processo Civil, no sentido de evitar litígios, prestigiando as conciliações, não pode se sobrepor aos princípios consagrados pela Constituição Federal, relativos à dignidade da pessoa humana e dele derivados”.
Alves concedeu efeito suspensivo à decisão que marcou a audiência, em decisão monocrática. O número do processo não foi divulgado porque a ação tramita em segredo de Justiça.
Em Mato Grosso do Sul
Pensando sob a mesma perspectiva, a Coordenadora do Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública Estadual (Nudem), defensora pública Edmeiry Silara Broch Festi, encaminhou em abril um ofício ao Desembargador Paschoal Carmello Leandro, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul e Coordenador da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, solicitando que interceda junto aos juízes das Varas de Família e ao coordenador do núcleo de mediação do NUPEMEC/TJMS, para dar solução isonômica e adequada quanto aos encaminhamentos dos processos para Câmara de Mediação, em que figurem como parte mulheres em situação de violência doméstica.
Defensora pública e coordenadora do Nudem, Edmeiry Silara Broch FestiO documento esclarece que exigir a presença da mulher com o agressor, havendo processo criminal ainda em trâmite, desrespeita a medida protetiva vigente e pode colocar a mulher em risco e, ao finalizar a sessão com um acordo, deixa de retratar a real vontade da mulher fragilizada, trazendo consequências desastrosas, como a busca pela anulação do ato.
O documento segue acompanhado de um parecer elaborado pela psicóloga do Nudem, Keila de Oliveira Antônio, sobre os aspectos e consequências psicológicas da participação da mulher em sessão de mediação quando possui medidas protetivas em desfavor de seu ex-cônjuge.
“O Conselho Federal de Psicologia indica estudos que demonstram existir várias causas para a mulher permanecer na relação violenta, uma delas é a coação do autor da violência, o qual dificulta a tomada de atitude e posicionamento assertivo da mulher. O olhar do agressor muitas vezes oprime as mulheres. O medo que ela sente do agressor pode ser um elemento a fazer com que a mulher aceite e não questione o acordo proposto durante a mediação”, diz o texto do parecer.
“Sabemos que o Desembargador, sensível à causa e ao pedido, reuniu-se com os juízes e com a coordenadoria da mediação e, desde então, notamos a diminuição do encaminhamento à mediação dos casos em que existe violência doméstica”, afirma a defensora pública.
Com informações da Revista Consultor Jurídico.
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