Página 417 da Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte III do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 11 de Janeiro de 2016

em perfeito estado de funcionamento; o mecânico da loja constatou que o reservatório de gasolina e o tanque estavam vazios, o que comprometia a partida e funcionamento do veículo movido a álcool; a situação foi regularizada com o abastecimento de combustível; o fato ocorreu por desleixo da autora que deixou de abastecer o veículo; o automóvel não apresentou qualquer outro problema; não há fundamento legal para a rescisão contratual; inexistência dos pressupostos ensejadores da obrigação ressarcitória; ausência de danos morais. Juntou documentos de fls. 148/156. Réplica nas fls. 93/95 e fls. 168/171. Afastadas as preliminares (fl. 172), foi designada audiência de instrução, na qual foram colhidos os depoimentos de duas testemunhas (fls. 181/185). Foi deferida a produção de prova pericial (fl.181), da qual desistiu a empresa ré (fl.224). Declarada encerrada a instrução (fl.225), foi concedida oportunidade para apresentação de alegações finais (fl. 227). É o RELATÓRIO. DECIDO. Aos 11 de janeiro de 2012 a autora firmou contrato de compra e venda com a correquerida NARVAIS AUTOMÓVEIS LTDA - JR. MULTIMARCAS (fl.12), tendo por objeto o automóvel VW Gol, ano/modelo 2004/2005, placas DNB 3578. Para viabilizar a aquisição do bem, celebrou contrato de financiamento com BV FINANCEIRA SA CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (fl. 25). Segundo a requerente assim que retirou o veículo da loja da empresa ré (11/01/2012) o automóvel passou a apresentar problemas na partida do motor, até que no dia 17 de janeiro de 2012 (06 dias após a compra) parou de funcionar por completo, motivo pelo qual foi guinchado até o estabelecimento da requerida. Sustenta a empresa ré NARVAIS AUTOMÓVEIS LTDA (JR. MULTIMARCAS) que “ao chegar com o veículo no estabelecimento comercial, foi solicitada pelo réu o comparecimento do mecânico da loja, o qual constatou na frente da autora e seus filhos, que o reservatório de GASOLINA estava totalmente vazio, situação que comprometia a partida do veículo no período da manhã, haja vista que o veículo é movido à ÁLCOOL e, insistindo na partida, o mecânico também constatou que o veículo chegou guinchado na loja por falta de ÁLCOOL, cujas situações foram devidamente regularizados e verificados que o veículo em questão não apresentou nenhum outro problema mecânico” (fl.124). Em resumo, a empresa ré NARVAIS AUTOMÓVEIS LTDA (JR. MULTIMARCAS) alega que o veículo parou de funcionar por conta exclusiva da falta de combustível no tanque (álcool) e no reservatório de gasolina (culpa exclusiva da consumidora), contudo não apresenta qualquer adminículo probatório nesse sentido. Pelo contrário, os elementos de convicção coligidos indicam que a autora abasteceu o veículo no dia em que o automóvel foi retirado do estabelecimento da empresa ré, como indica o comprovante de fl.15, o que afasta qualquer verossimilhança da versão apresentada pela vendedora. Por sua vez, o depoimento do mecânico Pedro Luciano Barbosa (fls. 184/185) é por demais vago e impreciso. “Se o fato probando deve ser certo, determinado, concreto, claro e certo deve ser o conhecimento dele por parte da testemunha. Se esta depõe de forma obscura ou vaga, é porque, presume-se, não conhece realmente o fato”. Constitui situação normal com relação ao veículo (usado), recém adquirido, o funcionamento regular a permitir a perfeita fruição do bem. Considerando que o automóvel, após 06 dias da compra, parou de funcionar, cabia à requerida provar a ausência de vício ou problemas mecânicos no bem ofertado ou, se o caso, o reparo do vício ou a alegada culpa exclusiva da consumidora, o que não foi feito. Inclusive, a requerida desistiu da

produção da prova pericial (fl. 224). “.....Ora, quando a situação normal, adquirida, é a ausência de culpa, o autor não pode escapar à obrigação de provar toda vez que, fundadamente, consiga o réu invocá-la. Mas se, ao contrário, pelas circunstâncias peculiares à causa, outra é a situação-modelo, isto é, se a situação normal faça crer na culpa do réu, já aqui se invertem os papéis : é ao responsável que incumbe mostrar que, contra essa aparência, que faz surgir a presunção em favor da vítima, não

ocorreu culpa de sua parte....” “.....Sem dúvida nenhuma, o que se verifica, em matéria de responsabilidade, é o progressivo abandono da regra actori incumbit probatio, no seu sentido absoluto, em favor da fórmula de que a prova incumbe a quem alega contra a normalidade, que é válida tanto para a apuração da culpa como para a verificação da causalidade....” (José de Aguiar Dias - Da Responsabilidade Civil Vol.I, pg.91/92, 10a Edição). É obrigação da vendedora ofertar a coisa em condições de uso, de forma a atender ao fim a que se destina, o que não foi feito pela empresa ré. O fato de o veículo ser usado não serve para justificar o vício revelado, que evidentemente impossibilita a perfeita fruição do bem. A respeito dos vícios ou defeitos ocultos, Silvio Salvo Venosa escreve: “Como menciona Guilhermo Borda (1989:216), a reputação dos vícios ocultos é uma questão sujeita à livre apreciação judicial. Como primeiro enfoque do problema, podemos afirmar que os vícios ou defeitos ocultos são os que poderiam ser descobertos mediante exame atento e cuidadoso da coisa, praticado pela forma usual no caso concreto. Não deve ser entendido que o homem comum tenha o dever de se assessorar de um técnico em qualquer negócio jurídico. O alienante é quem tem o dever de boa-fé no contrato, alertando sobre eventual vício. O Código de Defesa do Consumidor realça esse direito à informação do adquirente, que deve inclusive ser alertado sobre os riscos que a coisa possa apresentar...”. E é exatamente confiando na boa-fé da empresa requerida que a autora adquiriu o veículo, inquinado de vício de qualidade que inviabiliza a utilização segura e plena do automóvel. O artigo 18, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor, autoriza a restituição imediata da quantia paga, sem prejuízo de eventuais perdas e danos, “sempre que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou características do produto”. É evidente que a rescisão do contrato de compra e venda reflete no contrato de financiamento celebrado com a BV FINANCEIRA SA CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO. A instituição financeira, ao oferecer o crédito necessário para a aquisição de veículos, com preços promocionais anunciados em parcelas mensais, se associa às vendedoras, integrando uma mesma cadeia de fornecimentos, que “é um fenômeno econômico de organização do modo de produção e distribuição, do modo de fornecimento de serviços complexos, envolvendo grande número de atores que unem esforços e atividades para uma finalidade comum, qual seja, a de poder oferecer no mercado produtos e serviços para os consumidores”. (Claudia Lima Marques, Contratos no Código de Defesa do Consumidor, RT, 5ª Edição, pg. 401). A compra e venda somente se viabilizou em razão do empréstimo concedido pela instituição financeira. A compra e venda e o mútuo são contratos coligados, ajustes interdependentes, reciprocamente relacionados, os quais, mesmo vinculando, individualmente, partes diversas, integram uma operação econômica única, voltam-se à prossecução de um objetivo comum. “Contratos coligados são, pois, os que, embora distintos, estão ligados por uma cláusula acessória, implícita ou explícita. Ou, no dizer de ALMEIDA COSTA, são os que se encontram ligados por um nexo funcional, podendo essa dependência ser bilateral (vende o automóvel e a gasolina); unilateral (compra o automóvel e arrenda a garagem, ficando o arrendamento subordinado à compra e venda); alternativa (compra a casa na praia ou, se não for para lá transferido, loca-a para veraneio). Mantém-se a individualidade dos contratos, mas “as vicissitudes de um podem influir sobre o outro” (Carlos Roberto Gonçalves Direito Civil Brasileiro Vol.III 6ª edição, Editora Saraiva, pgs.92/93 - grifei). A extinção de um contrato coligado (compra e venda) importa necessariamente a extinção do outro, independentemente da existência ou não de irregularidades ou vícios no contrato de financiamento. “Veículo. Contrato de compra e venda e de financiamento. Manutenção da sentença que decretou a rescisão dos dois contratos e a devolução dos valores pagos. Legitimidade passiva da instituição financeira, com quem foi celebrado o contrato de financiamento, li incompreensível admitir-se a validade de contrato de financiamento, sem a subsistência da relação precedente de compra e venda. O comprador, no caso concreto, ficaria sem o veículo e ainda com a obrigação de pagar o seu financiamento, só obtido para a aquisição que se frustrou. Apelação não provida” (TJSP Ap. 0010099-81.2009. 36ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Romeu Ricupero, j. 10.02.2011). “EMBARGOS INFRINGENTES - COMPRA E VENDA DE VEÍCULO -FINANCIAMENTO - RESCISÃO DO CONTRATO PRECEDENTE - LEGITIMIDADE PASSIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA EMBARGOS PROCEDENTES. A rescisão do contrato de compra e venda do veículo em razão da existência de vício oculto

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