Página 750 do Diário de Justiça do Estado do Pará (DJPA) de 23 de Janeiro de 2017

emissões superiores ao permitido; d) que essa fonte sonora seria de responsabilidade do acusado. A denúncia não narra efetivamente a conduta do acusado, pois não indica o dolo do acusado. Em suma, na ótica ministerial, emissão sonora em níveis acima do permitido, mais "responsável" pela fonte sonora é igual à configuração da hipótese do art. 54 da Lei 9.605/98. Admitindo-se isso, temos responsabilidade penal objetiva, uma vez que a narrativa fática, ao limitar-se a informar que o acusado era o responsável pela fonte sonora, deixa de descrever a conduta do acusado, de modo a impossibilitar uma análise quanto ao modo e finalidade do seu agir. Então, a peça vestibular não traduziu narra as circunstâncias 'quid' 'cur' e 'quomodo'. Isto é, não indica quais os prejuízos ou danos à saúde, reais ou potenciais, foram gerados; não narra os motivos que compeliram a agente em seu agir; e não descrevem suficientemente o modo de agir do acusado, pois para que se pudesse até mesmo responder às questões anteriores, pois se limita a dizer que ele seria o responsável. De fato, não há indicação de por quanto tempo perdurou emissão sonora irregular nem os arredores, para que se pudesse saber que danos seriam causados e a quem. Portanto, no caso concreto, a narrativa da peça não traz elementos que indiquem o dolo. Ora, o elemento de valoração deve ser avaliado no caso concreto, ou seja, a narrativa da denúncia deve estar apta a indicar se houve um comportamento descuidado ou doloso, infringindo um dever jurídico e causando um resultado previsto concretamente. Na denúncia, não está apontado o dolo do agente em produzir poluição sonora pela indicação de um agir tal que revele as intenções do agente. Isso porque o elemento subjetivo constante no caput do art. 54 da Lei n.º 9.605/98 é o dolo, que representa a vontade livre e consciente de realizar os elementos objetivos do tipo, ou seja, a intenção voltada para a emissão de sons em níveis acima do permitido. Ora, tal como está a narrativa não demonstra o dolo do acusado, ou seja, sua intenção voltada a poluir (dolo direto de primeiro grau); se o resultado era desejado como consequência necessária dos meios escolhidos para sua conduta (dolo direto de segundo grau); ou, ainda, seu desprezo pelo resultado danoso ao bem jurídico tutelado pela norma, embora previsível tal resultado - que seria o dolo eventual -, pois não se pode demonstrar a partir da narrativa sequer a aceitação dos riscos pelo acusado. Muito menos se tem nos autos a descrição da conduta do acusado. Em nosso ver, a conduta narrada não serve para apontar um crime culposo, muito menos um doloso. Em caso semelhante já se manifestou o STJ: "HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. ART. 54 DA LEI N. 9.605/1998. POLUIÇÃO SONORA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA INICIAL CONFIGURADA. DENÚNCIA QUE NÃO ATENDE AOS REQUISITOS LEGAIS. MANIFESTA ILEGALIDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. É ilegítima a persecução criminal quando, comparando-se o tipo penal apontado na denúncia com a conduta atribuída ao denunciado, verificase ausente o preenchimento dos requisitos formais do art. 41 do Código de Processo Penal, necessários ao exercício do contraditório e da ampla defesa. 2. Não obstante seja imputada suposta conduta ilícita aos pacientes, na qualidade de empresa e de seu administrador, constatase que o órgão acusador sequer indicou a forma pela qual teriam praticado o núcleo do tipo penal. [grifei] 3. Não há demonstração do nexo de causalidade entre a alegada prática criminosa e a conduta dos pacientes - ainda que, em relação ao denunciado Manoel Lopes Filho, decorresse da sua qualidade de administrador da empresa -, não sendo os fatos descritos suficientes para estabelecer a plausibilidade da imputação. 4. A imputação, da forma como foi feita, representa a imposição de indevido ônus do processo aos pacientes, em vista da ausência da descrição de todos os elementos necessários à responsabilização penal decorrente de dolosa provocação de poluição de qualquer natureza, em níveis tais -poluição sonora acima de 70 Db - que resultem danos à saúde. 5. Caracterizada está a responsabilização penal objetiva, pela mera existência da empresa e da sua administração, ausente a demonstração da responsabilidade dos pacientes quanto ao cumprimento das exigências legais pertinentes, i.e., do liame causal entre a ação dolosa dos pacientes e a suposta ilicitude penal. [grifei] 6. Trata-se o dispositivo de norma penal em branco, que exige complementação por meio de ato regulador - esse, sim, na forma da lei - que forneça parâmetros e critérios para a penalização das condutas ali descritas. 7. Além da patente insuficiência de descrição das condutas, a denúncia não faz menção a qualquer ato regulatório extrapenal destinado à concreta tipificação do ato praticado, o que consubstancia a inépcia da denúncia, por afronta ao art. 41 do Código de Processo Penal. 8. Habeas corpus concedido, ex officio, para, reconhecendo a inépcia da denúncia, anular o processo ab initio. (HC 240.249/ MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 24/02/2015, DJe 10/03/2015)" Portanto o suporte probatório revelase extremamente frágil, especialmente pelo fato de não haver um inquérito que tenha produzido provas a subsidiar a alegação de que o fato narrado na denúncia seria teria sido praticado dolosamente, nem qualquer outra prova que pudesse suprir tal ausência, já que em regra, crimes não enquadrados como de menor potencial ofensivo impõem a elaboração de inquérito. Logo, não há justa causa para o exercício da ação penal. Embora seja muito provável que a fonte sonora estivesse mesmo no nível indicado no laudo, não se tem como dizer que há elementos para afirmar que isso por si só caracteriza infração ao art. 54 da Lei 9.605/98. É tudo quanto se tem no presente caso, ainda que com isso o órgão do Ministério Público pretenda a aplicação de uma pena que pode chegar a quatro anos de reclusão. Sem prejuízo dos argumentos em contrário a seguir expostos, admitindo-se a figura do crime de poluição sonora, poluição esta que só se daria se não respeitados os limites das NBR 10.151 e NBR 10.152, conforme o caso, de caráter eminentemente técnico, inclusive quanto aos rigorosos procedimentos para aferição, a qual só é possível com auxílio de aparelho específico (decibelímetro), a pergunta que não quer calar é: como classificar como "poluição sonora dolosa", a conduta de um gente que, não tendo embasamento técnico nem a parafernália necessária a verificar a intensidade sonora emitida, para saber se ela está abaixo ou acima do que preceituam como saudável as normas técnicas, vem a utilizar fonte sonora acima dos limites estabelecidos nas mencionadas NBRs? Esse indivíduo não teria que primeiramente ser advertido de que sua fonte sonora com volume acima de determinado número ou posição indicativa de volume, passa a emitir som em intensidade acima do que estabelecem as NBRs? Sem tal consciência prévia, como pode ser tida por dolosa sua conduta? Como dito, há uma questão ainda mais séria. Não bastasse todo o exposto acima, sem negar a gravidade que é a poluição sonora nos dias atuais para a sociedade, por força do princípio constitucional da estrita legalidade ou reserva legal (CF, art. , XXXIX) tenho seja inaplicável o art. 54 da Lei 9.605/98 a toda e qualquer situação em que apenas se constate tenha-se excedido aos níveis em decibéis previstos nas normas administrativas (Resolução Conama 001/1990 que, por sua vez, faz remissão às normas técnicas NBR 10.151 E 10.152) que estabelecem os diversos níveis de intensidade sonora conforme as circunstâncias. Digo isso porque o enquadramento da poluição sonora como crime foi objeto da tutela penal no Anteprojeto da Lei nº 9.605/98, que, em seu artigo 59, especificamente tratava do assunto, incriminando a seguinte conduta: "Art. 59. Produzir sons, ruídos ou vibrações em desacordo com as prescrições legais ou regulamentes, ou desrespeitando as normas sobre emissão ou imissão de ruídos e vibrações resultantes de quaisquer atividades. Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa." Todavia, esse dispositivo foi vetado pelo Presidente da República, constando em suas razões: "O bem juridicamente tutelado é a qualidade ambiental, que não poderá ser perturbada por poluição sonora, assim compreendida a produção de sons, ruídos e vibrações em desacordo com as prescrições legais ou regulamentares, ou desrespeitando as normas sobre emissão e imissão de ruídos e vibrações resultantes de quais atividades. (...) Tendo em vista que a redação do dispositivo tipifica penalmente a produção de sons, ruídos ou vibrações em desacordo com as normas legais ou regulamentares, não a perturbação da tranqüilidade ambiental provocada por poluição sonora, além de prever penalidade em desacordo com a dosimetria penal vigente, torna-se necessário o veto do art. 59 da norma projetada." Portanto, a vontade do legislador era tipificar especificamente a poluição sonora, mas não como um crime apenado com reclusão, de um a quatro anos (artigo 54). De fato, está claro que a vontade do Legislador era reprimir a chamada "poluição sonora" como uma infração de menor potencial ofensivo, na medida em que a pena era a detenção de três meses a um ano, e multa. Entretanto, houve o veto ao artigo 59. Portanto, aquele tipo não ingressou no ordenamento jurídico. Assim, cabe indagar: será possível, então, enquadrar a poluição sonora como crime, objeto da tutela penal cogitada no artigo 54 da Lei 9.605/98? Temos a impressão de não ser esta a melhor interpretação, se formos rigorosos na observância dos princípios que norteiam o Direito Penal. Ora, o veto presidencial aludiu ao fato de que a questão do abuso de aparelhos sonoros decorrentes de trabalho ou lazer já se encontraria abrangida e tutelada pelo tipo do art. 42 da Lei da Lei de Contravencoes Penais. Naturalmente, ao não fazer uso do processo para derrubada do veto (CF, art. 66, § 4º), aquiesceu o Legislador não apenas com o veto, mas com os seus motivos, de sorte que esses motivos constituem a razão de ser da inexistência do tipo específico do art. 59 Não se pode deixar de considerar esse aspecto histórico na formação da norma, para entender a extensão de seu alcance. Logo, é razoável a indagação: cabe, por uma analogia "in malam partem" dizer que se aplicará a pena prevista no art. 54 da Lei 9.605 a todos os casos em que os decibéis medidos excederem o que se encontra previsto na NBR-10.151? Parece-nos claro nunca ter sido intenção do legislador apenar a poluição sonora com uma reprimenda máxima de quatro anos de reclusão. Nesse tipo de poluição, optou por esgotar os meios menos lesivos para proteger penalmente o meio ambiente, como bem jurídico. Criou, então, um tipo específico, o qual restou

Figura representando 3 páginas da internet, com a principal contendo o logo do Jusbrasil

Crie uma conta para visualizar informações de diários oficiais

Criar conta

Já tem conta? Entrar