Página 409 da Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte III do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 16 de Abril de 2014

regit actum. E a regra então vigente, no particular, era, por óbvio, o art. , III, da Lei nº 6.766/79. Nesse passo, a toda evidência, não se pode pretender aplicar a lei superveniente ao efeito de validar ato administrativo de concessão de licença construtiva eivado de irregularidade e de ilegalidade, praticado sob a égide de lei anterior que tal ato expressamente contrariou.” Portanto, a matéria deve ser tratada nos termos como proposta desde o início do processo, com fundamento na legislação então vigente, e não de acordo com a alteração superveniente. O parecer do Ministério Público Federal foi lavrado exatamente nesse sentido, ao entender que “não se pode permitir que se aplique norma superveniente com a finalidade de validar ato praticado sob as regras de legislação anterior”. (fls. 2.327) Existindo alteração legislativa superveniente à propositura da ação, que dê novos contornos à matéria ambiental, deverá o interessado se entender conveniente requerer perante o órgão administrativo responsável, agora sob novo fundamento, a autorização para construir, sob pena de se inverter os papéis do administrador e do julgador, pois compete àquele a análise administrativa do pedido. (...) Portanto, não se pode permitir que seja aplicada norma superveniente com a finalidade de validar ato praticado sob as regras de legislação anterior que, expressamente, contrariou a lei então vigente. 5. Além do ato jurídico perfeito: direitos ambientais adquiridos e o novo Código Florestal Como se viu acima, na hipótese dos autos o que se encontra é a) uma sanção administrativa cujo fundamento fático, no essencial, permanece válido, visto que inexistente a pretendida anistia universal e irrestrita; b) um ato jurídico-ambiental perfeito (= auto de infração ambiental, típico ato administrativo), que, nessa qualidade e status, vê-se blindado contra a retroatividade de lei posterior, tal quais os Termos de Ajustamento de Conduta e as averbações de Reserva Legal celebrados sob o império do Código Florestal de 1965. Além desses dois pontos, certamente auxiliará na compreensão mais ampla do problema da intertemporalidade jurídico-florestal lembrar, em obiter dictum, que mais do que, em cada caso concreto de desmatamento e ocupação irregular de área antecedente a 22 de julho de 2008, simples incidência sucessiva de dois microssistemas jurídicos de proteção da flora, um (o Código Florestal de 1965) revogado por outro que lhe é posterior (o Código Florestal de 2012) na verdade trata-se de aplicação complexa e simultânea, em genuíno e já referido diálogo das fontes, da ordem jurídica ambiental. Macrodiálogo (entre o Código Florestal e a Constituição), mesodiálogo (entre o Código Florestal e a legislação ambiental geral, como a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente) e microdiálogo (entre o Código Florestal e as leis de tutela de outros elementos do meio ambiente, a legislação setorial, como a Lei de Proteção da Fauna, de Recursos Hídricos, etc.). A ordem jurídica florestal, no cotejo com a ordem jurídica ambiental, é tão só uma entre várias que no corpo desta se alojam, prisioneira aquela de inescapável vocação de unidade e coexistência harmônica com os microssistemas-irmãos elementares e temáticos (faunístico, hídrico, climático, de Unidades de Conservação, da Mata Atlântica), tudo em posição de subserviência aos domínios da norma constitucional e da nave-mãe legislativa ambiental a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente , que a eles todos se sobrepõem e contra eles todos prevalecem. Dispensável, nesse diapasão, advertir que a possibilidade de conflito somente se coloca entre duas normas que se encontrem, hierarquicamente, em pé de igualdade. De toda maneira, não se deve esperar solução hermenêutica mágica que esclareça, de antemão e globalmente, todos os casos de conflito intertemporal entre o atual e anterior Código Florestal. No entanto, na ausência de fórmula pronta e acabada, quase automática, podem aqui ser externadas algumas regras técnicas, aliás válidas para outros campos do direito material informado pela ordem pública. O esquema é bem simples: o novo Código Florestal não pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, tampouco para reduzir de tal modo e sem as necessárias compensações ambientais o patamar de proteção de ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da “incumbência” do Estado de garantir a preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais (art. 225, § 1º, I). No mais, não ocorre impedimento à retroação e alcançamento de fatos pretéritos. Dispõe o art. 6º, caput, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: a nova lei “terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada” (ou, nos termos do art. , inciso XXXVI, da Constituição, com redação assemelhada: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”). A regra geral, pois, é a irretroatividade da lei nova (lex non habet óculos retro); a retroatividade plasma exceção, blindados, no Direito brasileiro, o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Mesmo fora desses três domínios de intocabilidade, a retroatividade será sempre exceção, daí requerendo-se manifestação expressa do legislador, que deve, ademais, fundar-se em extraordinárias razões de ordem pública, nunca para atender interesses patrimoniais egoísticos dos particulares em prejuízo da coletividade e das gerações futuras. Precisamente por conta dessa excepcionalidade, interpreta-se estrita ou restritivamente; na dúvida, a opção do juiz deve ser pela irretroatividade, mormente quando a ordem pública e o interesse da sociedade se acham mais bem resguardados pelo regime jurídico pretérito, em oposição ao interesse econômico do indivíduo privado mais bem assegurado ou ampliado pela legislação posterior. Eis a razão para a presunção relativa em favor da irretroatividade, o que conduz a não se acolherem efeitos retro-operantes tácitos, embora dispensadas fórmulas sacramentais. Indubitável que ao legislador compete modificar e revogar suas próprias leis. Ao fazê-lo, porém, seja para substituí-las por outra seja para simplesmente no seu lugar deixar o vazio, a Constituição e a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro vedam-lhe atingir direitos adquiridos, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada constituídos sob o império do regime jurídico anterior. Em suma, a lei pode, sim, retroagir, desde que não dilapide o patrimônio material, moral ou ecológico, constitucional ou legalmente garantido, dos sujeitos, individuais ou coletivos: essa a fronteira da retroatividade. Consequentemente, mesmo que na hipótese sob apreciação judicial seja admissível, em tese, a retroação (isto é, ausente qualquer antagonismo com o ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada), incumbe ao juiz examinar a) o inequívoco intuito de excluir (animus excludendi), total ou parcialmente, o regime jurídico anterior quanto a fatos praticados ou sucedidos na sua vigência, e, até mais fundamental, b) o justo motivo para a exclusão - justa causa exclusionis -, que, no Direito Ambiental, deve estar totalmente conforme à garantia constitucional da manutenção dos processos ecológicos essenciais, acima referida. Por certo, todo esse debate sobre a intertemporalidade jurídico-florestal não escapará, em boa parte das demandas, de ir além do ato jurídico prefeito. A questão maior, sem dúvida, será sobre o reconhecimento de direitos ambientais adquiridos, a última fronteira da dogmática jurídica brasileira, no âmbito da credibilidade e da efetividade da transformação normativa por que passou a Teoria Geral dos sujeitos (gerações futuras) e dos bens (autonomização do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado) a partir de 1981 (com a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente) e 1985 (com a Lei da Ação Civil Pública), chegando ao ápice de 1988 (com a Constituição cidadã). Nessa matéria, incumbe ao juiz não perder de vista que a Constituição, em seu art. 225, caput, de maneira expressa, reconheceu as gerações futuras como cotitulares do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Em paralelo, a legislação de disciplina da ação civil pública (especificamente o art. 81 do Código de Defesa do Consumidor) agasalha a quádrupla categorização dos direitos subjetivos em individuais, individuais homogêneos, coletivos stricto sensu e difusos. Evidente, portanto, que o ordenamento brasileiro outorgou às gerações futuras (e à própria coletividade atual) a possibilidade, nessa sua condição de titular de direito subjetivo transindividual, de se beneficiar da proteção constitucional, na integralidade, conferida aos direitos adquiridos; a ser diferente, teríamos no art. 225, caput, um “direito meiaboca”, com nome e sobrenome de “direito”, mas sem os dotes e eficácia temporal que a todos os direitos, patrimonais ou não, tradicionalmente se atrelam e deles decorrem. Por essa ótica, tanto ao indivíduo (visão individualístico-intrageracional), como à coletividade presente e futura (visão coletivo-intrageracional e coletivo-intergeracional) se garantem contra a retroatividade da

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