Página 1565 da Judicial - 1ª Instância - Capital do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 1 de Setembro de 2014

formal insanável.[126] Como exemplo, pode ser citada uma decisão de Tribunal português, em que, num caso de contrato de empréstimo, sem o reconhecimento notarial da assinatura do representante do credor, com violação expressa a dispositivo de lei, não foi aceita a alegação de nulidade em razão do vício de forma por parte do devedor. Entendeu-se pela configuração de abuso do direito, na forma do art. 334 do Código Civil daquele País, eis que o devedor, conhecedor ab initio da nulidade formal invocada, sempre pautou sua conduta de forma consetânea com intuito de cumprir o contrato e de não o discutir.[127] 5. Supressio e Surrectio Há supressio quando um titular de um direito subjetivo, em certas circunstâncias, tendo deixado de exercê-lo em determinado lapso temporal, não pode mais fazê-lo, sob pena de afrontar a boa-fé. Trata-se, portanto, de uma demora desleal no exercício de um direito, que gera insegurança nas expectativas de continuidade exigidas nas relações jurídicas. A surrectio é a mesma situação encarada sob o prisma da contraparte, considerada como a criação de um direito ao não exercício de posição jurídica atribuída à parte adversa, nas condições acima mencionadas, a fim de proteger sua confiança. [128] Ambas não se confundem com a prescrição e a decadência, pois se aplicam a direitos ainda não alcançados por tais institutos, pois, do contrário, não haveria necessidade de desenvolvimento de uma figura autônoma. Para a sua configuração, há de se exigir não só o decurso considerável de tempo, que pode ser variável caso a caso, como também indícios objetivos de que o direito não seria exercido, não sendo necessário, contudo, se cogitar de intenções subjetivas.[129] O novo Código Civil traz em seu art. 330 um exemplo de situação que poderia ser enquadrada como supressio ou surrectio. Trata-se da presunção de renúncia do credor quanto ao local de pagamento previsto contratualmente, quando reiteradamente feito em outro lugar. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul utilizou tais institutos para julgamento de questões envolvendo a cobrança de quantias devidas por força de contratos de mútuo firmados entre usuários e empresa de fornecimento de energia elétrica, cuja exigência se operou depois de transcorridos 15 (quinze) anos da celebração da avença. Ainda que não tenha sido reconhecido o exercício inadmissível no caso concreto, a ementa a seguir transcrita serve como exemplo[130]: Administrativo. Serviço público de fornecimento de energia elétrica. Contrato de mútuo firmado pelo usuário e a concessionária. Correção monetária. Cláusula contratual. Princípio da boa-fé. Limitação do exercício do direito subjetivo. “Supressio”. 1. A “supressio” constitui-se em limitação ao exercício de direito subjetivo que paralisa a pretensão em razão do princípio da boa-fé objetiva. Para a sua configuração exige-se (I) decurso de prazo sem exercício do direito com indícios objetivos de que o direito não mais seria exercido e (II) desequilíbrio, pela ação do tempo, entre o benefício do credor e o prejuízo do devedor. Lição de Menezes Cordeiro. 6. Desequilíbrio no exercício jurídico Nos casos de desequilíbrio no exercício jurídico podem ser englobadas todas aquelas situações em que o exercício de um direito subjetivo efetivamente previsto em norma se torna inadmissível quando, analisada a realidade material subjacente, haja desproporção relativamente a seus efeitos, a causar injustiça na hipótese concreta.[131] São os casos mais comuns de abuso, abrangendo toda a sorte de situações em que haja um exercício inútil danoso à contraparte, a exigência de algo que o agente sabe que deva, em seguida, restituir, ou a desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto ao outro. Poderiam aqui ser enquadrados, por exemplo, os casos da construção da chaminé falsa, da proibição da visita ao túmulo da mãe, da construção do aparato para danificar dirigíveis, da cobrança da dívida no famoso texto O Mercador de Veneza[132], e dos próprios atos emulativos, consoante previsão do art. 1.228, § 2º, do Código Civil de 2002. 7. Adimplemento substancial No Brasil, somente em tempos mais recentes, veio a ser desenvolvida a teoria do adimplemento substancial, pela qual, em contratos de longa duração, revela-se contrário à boa-fé o pedido de resolução do contrato por inadimplemento, quando o devedor tenha efetivado o pagamento de substancial parte do preço total, faltando apenas algumas parcelas. De acordo com as decisões judiciais, limitou-se, nesse caso, o direito do credor à extinção do vínculo, mesmo que previsto contratualmente, em razão de exercício incompatível com a boa-fé.[133] Nessa hipótese, pode-se também dizer que a pretendida conduta excede os limites impostos pelo fim econômico e social do contrato, que é permitir a circulação de riquezas, em geral, e efetivar a transmissão do domínio, em particular, no caso da compra e venda. Como ilustração, pode ser citado o caso referido por Judith Martins Costa, consubstanciado no acórdão proferido em 12 de abril de 1988, pela 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, na apelação cível nº 588012666, sendo relator Ruy Rosado de Aguiar Jr.: Contrato. Resolução. Adimplemento substancial. O comprador que pagou todas as prestações de contrato de longa duração, menos a última, cumpriu substancialmente o contrato, não podendo ser demandado por resolução. Ação de rescisão julgada improcedente e procedente a indenizatória. Apelo provido em parte, apenas relativamente aos honorários.[134] No adimplemento substancial, temos a efetivação da justiça material no caso concreto, através de um limite ao exercício de um direito subjetivo que, apesar de outorgado em norma, revela-se contrário à boa-fé e aos fins econômicos e sociais do direito em sua concretização. 8. Responsabilidade pré-contratual Pela relevância, é também necessário tratar da responsabilidade pré-contratual[135] em item próprio, como mais um caso de limite ao exercício de direitos subjetivos, por conduta contrária à boa-fé e em proteção à confiança gerada pelo convívio social. Nas fases preliminares à celebração de um contrato, em que as partes simplesmente estabelecem tratativas no sentido de viabilizar a realização do negócio, não há propriamente um vínculo contratual, daí se denominar fase pré-contratual. Em razão desse contato social, contudo, passam as partes a estar adstritas a pautas de lealdade e probidade, e a regras de conduta impostas pela boa-fé. Assim, são criados deveres recíprocos aos negociantes, como, por exemplo, os de informação e cooperação, cujo descumprimento pode acarretar o dever de indenizar aquele que tiver sua confiança atingida. A responsabilidade pré-contratual, portanto, tutela diretamente a confiança fundada de cada uma das partes em que a outra conduza as negociações segundo a boa-fé, salvaguardando as legítimas expectativas que a mesma lhe crie, quanto ao conteúdo, à validade e à eficácia do negócio, como também quanto a sua futura celebração.[136] Como visto, portanto, entre os possíveis casos de conduta contrária à boa-fé na fase pré-contratual, ressalta-se o rompimento imotivado das negociações. É evidente que, em condições normais, tem qualquer das partes o direito de não celebrar o contrato, posto que nas tratativas ainda não se estabeleceu a relação contratual propriamente dita, esta sim com força vinculativa. Estando, no entanto, as partes adstritas, nessa fase, às regras emanadas do princípio da boa-fé, devendo agir com correção e lealdade, pode ocorrer que o rompimento das negociações, sem justificativa razoável, apresente-se como conduta contrária àquele princípio, caso haja frustração de expectativa legitimamente criada em uma das partes quanto à realização do negócio, com quebra da confiança e conseqüências danosas. Em tais casos, estando inviabilizado o negócio ou havendo descumprimento de deveres anexos, tendo havido exercício de um direito em manifesto excesso aos limites impostos pela boa-fé, configura-se a ilicitude, proporcionando à parte lesada o direito à indenização. Equivocam-se, assim, aqueles que entendem que o novo Código não deixou espaço para a responsabilidade pré-contratual, pois esta exsurge claramente pela conexão sistemática entre os artigos 187 e 927, e se fundamenta na teoria da confiança.[137] Novamente, cite-se como exemplo decisão referida por Judith Martins Costa[138]. No chamado caso dos tomates - Acórdão não unânime proferido em 6 de junho de 1991, pela 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, na apelação cível nº 591028295, sendo relator Ruy Rosado de Aguiar Jr. - uma empresa alimentícia industrializadora de tomates foi condenada a ressarcir agricultor por lhe ter distribuído sementes, manifestando então interesse em adquirir a produção, mas, posteriormente, por razões de sua conveniência, resolveu não mais industrializá-lo naquele ano, frustrando a expectativa de negociação gerada no produtor. Também é possível buscar amparo na jurisprudência portuguesa, ainda que no caso concreto a seguir citado, a responsabilidade

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